Estava relutante ao escrever sobre esse assunto porque infelizmente muita gente leva pro lado pessoal, ao invés de tentar entender e compreender a coisa. Geralmente muitos olham somente para o próprio umbigo e se esquecem de olhar o que acontece em volta. Dois motivos me levaram a escrever mais uma vez sobre esse assunto: uma discussão pela internet (pelo flyer compartilhado) e uma reunião acerca do Volta Redonda do Rock que acontecerá este ano.
(Fotos: Divulgação)
Flyer que circula pela internet em prol das bandas autorais
Valorizar e fomentar a criação de bandas com trabalho autoral é uma bandeira que levanto desde que comecei a produzir shows independentes em 1992. Desde que o projeto do Freakshow foi apresentado para a Secretaria de Cultura, em 2002, por mim e pelo Carlos Braz, deixamos bem claro que Volta Redonda poderia ser inserida no circuito do rock alternativo nacional. Junto com o Freakshow foi apresentado um projeto chamado Superfreakshow, que consistia em um evento de grande porte, com grandes atrações e que aconteceria na Ilha São João durante três dias e com periodicidade anual (nos moldes de eventos como Abril pró-Rock, MADA, entre outros).
Bom, o Freakshow acabou recebendo o apoio da Secretaria de Cultura depois de algum tempo e muitas bandas de diversos lugares do país (e até do exterior) se apresentaram na cidade. O evento acontecia semanalmente sempre com uma banda da região fazendo a abertura, para assim promover uma troca de experiência e até um intercâmbio de shows. Esse era e ainda é o objetivo do Freakshow: valorizar e revelar as bandas que possuem um trabalho autoral, dar visibilidade à cidade (até então conhecida apenas pela CSN) e inserir a mesma em um circuito de shows independentes, devido a ótima localização entre Rio de Janeiro e São Paulo. Só pra citar um exemplo, a banda Detonautas tocou no evento antes mesmo de lançarem o seu CD e de ser conhecida pelo público. O festival deu tão certo que reunia cerca de 800 a 1000 pessoas por edição, interessadas em ouvir bandas novas, e grupos de tudo que é canto nos procuravam para tentar uma oportunidade de tocar no evento.
Detonautas tocou no Freakshow antes mesmo de lançar CD
Com o apoio da Secretaria de Cultura pudemos ter uma estrutura profissional para o evento. Tínhamos um palco decente, equipamento de som e luz profissionais, serviço de catering, transporte e uma pequena ajuda de custo para as bandas. Isso era visto como uma maravilha por todos, afinal, shows de bandas independentes geralmente eram com equipamentos ruins, sem ajuda de custo onde as bandas muitas vezes gastavam do próprio bolso pra tocar na maioria dos eventos e muitas vezes com pouco público. A gente também achava ótimo, mas, se for parar pra pensar, todo mundo paga imposto e essa verba tem de ser revertida em saúde, educação, cultura, lazer etc.
O detalhe é que o rock sempre foi um estilo vítima de preconceito (o alternativo então nem se fala) e com pouco ou nenhum espaço na mídia, nas rádios, nos espaços culturais. O Freakshow sempre foi muito abrangente dentro do rock. Tocava desde pop rock, até punk, hardcore, metal. Nunca fizemos um festival pensando em só atender um desses gêneros. O festival era plural e um apoio desse nível com verba pública para um evento de rock autoral em um local aberto no centro da cidade, parecia até um sonho. Mas era verdade!
Público do Freakshow no show do Los Hermanos em 2002
Com o sucesso do evento, diversas bandas foram surgindo na cidade. Foi muito bom ver que um evento de rock estava motivando a garotada a formar banda, aprender a tocar um instrumento, fazer shows. No primeiro ano de parceria com a SMC, para a nossa surpresa fomos indicados por uma revista especializada de São Paulo ("Dynamite") para o prêmio anual concorrendo ao lado dos grandes Abril pró-Rock, MADA, Humaitá Pra Peixe na categoria "melhor evento nacional". Fomos o único evento de uma cidade do interior a concorrer e ficamos em quinto lugar, mas só o fato de sermos indicados nos fez crer que estávamos no caminho certo.
Mas nem tudo são flores. Diversas bandas covers também começaram a nos procurar e explicávamos que o objetivo do festival era dar oportunidade apenas para bandas autorais.
O surgimento do Volta Redonda do Rock
Chegava então a hora de planejar o Superfreakshow, e em reunião com o secretário de Cultura na época, Moacir Carvalho de Castro Filho, o Moa, foi solicitado por ele a inclusão das bandas covers, já que elas não tinham espaço no Freakshow. Como isso alterava a essência do evento e ia contra o nosso principal objetivo, não aceitamos usar o nome Superfreakshow em um evento que não tinha nenhuma ambição de ter uma visibilidade fora da cidade, e simplesmente ser uma festa para bandas regionais. Em resumo, chegamos em um acordo de rebatizar o evento para Volta Redonda do Rock e trabalhamos na produção do evento na seleção das bandas principais das primeiras edições, que trouxe entre outros grupos o Sepultura.
As bandas regionais foram "selecionadas" através de votação pública pela internet, que posteriormente foi constatada que houve fraude. O evento foi perdendo a credibilidade com o tempo, chegando a ter banda cover no palco principal, e ter uma edição competitiva entre as bandas (que eu até hoje não consigo entender qual o parâmetro para analisar por exemplo uma banda punk contra uma banda heavy ou outro estilo).
Torço para que mudanças sejam feitas no Volta Redonda do Rock, para que seja enfim um festival que dê visibilidade para a cidade, que promova o turismo cultural, que comece a retratar uma identidade e criar uma cena local. E que as pessoas entendam que o sentido da palavra Cena é muito mais abrangente do que um simples show onde o foco é o entretenimento.
Como se pode criar uma cena, uma identidade local,
baseando-se em bandas que não trazem nada de novo?
Basta olhar os grandes festivais com foco no rock que acontecem por aí pra ver se existe em seu line up alguma banda cover. Festivais consagrados e com credibilidade como o Abril Pró-Rock, MADA, Goiânia Noise, Humaitá Pra Peixe, sempre foram palco para grandes talentos que estão por aí no circuito independente (e até fora dele) e existem para dar uma maior visibilidade para essas bandas.
Quero deixar claro que não sou contra a existência de bandas cover. Tenho amigos que tocam em bandas cover. Produzo uma festa onde é permitido tocar banda cover. Só acho que lugar de banda cover não é em um festival que tem como objetivo mostrar a cena de um determinado local. Bandas cover tiram o espaço de quem está batalhando por um lugar ao sol e acredita no seu trabalho. Uma coisa é você tocar um ou outro cover no meio do seu repertório para demonstrar sua influência, a outra é tocar uma música sua no meio de um monte de cover. Isso eu chamo de auto-sabotagem!
Bandas cover podem funcionar bem em festas e shows fechados, onde o objetivo é o mero entretenimento, o que não é o caso dos grandes festivais independentes.
Faça cover de você mesmo!
Uma coisa que me intriga muito é saber por que um cara que é músico e consegue tirar as mais complicadas músicas de uma banda consagrada não consegue ou não quer produzir suas próprias músicas?
Cara, acredite em você, no seu potencial. O talento como músico você tem, coloque a emoção pra fora e crie a sua música. É um trabalho mais árduo, um caminho mais difícil, mas estará lutando por algo que é seu. Você prefere ser lembrado por ter um trabalho original ou por ser uma cópia de algo?
Temos muitas bandas autorais onde vários músicos começaram tocando cover, e que hoje têm conseguido bons shows, ótimas resenhas em revistas e jornais e que levam o nome da cidade junto com elas. Tá na hora das pessoas (e da cidade) valorizar também essas bandas, como outras já estão valorizando.
Desejo boa sorte para a nova secretária de Cultura, Rosane Gonçalves Pinto Mendonça, e sua equipe. Temos que dar um voto de confiança. Estou aqui pra somar. Quero que a coisa aconteça. Mas pra coisa acontecer é preciso saber aonde se quer chegar com o festival (ou com a festa).