Pesquisar, digitar, recortar, colar, diagramar, copiar, montar, dobrar, distribuir. Isso pode parecer algo muito simples quando se tem por perto um computador conectado à internet e uma impressora. Porém, até a metade da década de 1990 para realizar essa tarefa era necessário ter alguns contatos, máquina de escrever, lápis, canetinha, tesoura, cola, dinheiro, grampeador, tempo e muita, mas muita força de vontade. As redes eram formadas via carta e o processo era muito lento, mas nem por isso pouco energético.
Assim era a vida dos fanzineiros do século passado, que faziam de tudo - até burlar as leis - para fazer circular uma determinada informação. Simplesmente por estarem fartos de tudo que era padronizado, não ficaram apenas observando e engolindo tudo que aparecia: eles foram lá e fizeram.
O movimento punk e o "do it yourself"
(Fotos: Divulgação)
Capa de uma edição do fanzine Sniffin´ Glue
O primeiro fanzine punk surgiu nos Estados Unidos após um cara assistir a um show dos Ramones. O nome do sujeito era Mark Perry, que empolgado pela apresentação da banda, abandonou seu emprego e produziu o "Sniffin´ Glue"(em homenagem a uma música do Ramones), com o objetivo de divulgar esse movimento. E foi exatamente o movimento punk que fez desse veículo o seu principal porta-voz, com base na filosofia do faça você mesmo.
The Ramones Now I Wanna Sniff Some Glue
Música que inspirou o nome do fanzine Sniffin´ Glue
Como fiquei dependente "dessa droga"
Quando descobri no fim dos anos 80/início dos anos 90, que música não era só aquilo que a TV ou a rádio tocava, e que conheci o punk rock, o hardcore e o metal, acabei me interessando por publicações direcionadas ao rock em geral. E eis que em uma dessas publicações existia uma parte destinada a troca de materiais, correspondências e divulgação de fanzines (principal veículo de divulgação do movimento punk). Essas revistas especializadas eram as maiores vitrines que uma banda independente poderia chegar. Mas o que eu não sabia é que existia uma rede paralela formada por bandas, fanzineiros e interessados em música independente. Milhares de bandas que não tinham espaço nas grandes mídias (ou mesmo nas revistas especializadas), eram divulgadas nesses fanzines, através de resenhas de shows, demo-tapes, entrevistas e etc.
E tome zine, zine, zine, zine, zine papel de xerox!
Bastou eu escrever para um fanzine anunciado numa revista, para que eu fosse "infectado" por essa rede. Junto com esse zine, mais e mais contatos de fanzines e bandas chegaram. A coisa era como uma bola de neve, você ficava dependente como uma droga, mas que te fazia um bem indescritível. Ficar esperando o carteiro todo o dia pra ver se chegava mais alguma coisa e passar o dia e a noite lendo e respondendo cartas era levado a sério, como um compromisso, um trabalho. Você não podia deixar aquela corrente quebrar.
Era um mundo fascinante que conseguia através de cartas aproximar pessoas de gostos semelhantes, divulgar publicações e bandas e até começar uma amizade verdadeira, mesmo com toda a distância que poderia existir.
Depois de estar em contato com diversas pessoas não só do Brasil, mas de algumas partes do mundo, senti necessidade de também fazer parte daquilo não somente como leitor. Queria também poder escrever e mostrar o que eu gostava para pessoas que também tinham o gosto parecido. Queria entrevistar as bandas que surgiam, queria colaboração de pessoas com textos, desenhos, HQs...
E assim comecei a editar os meus próprios fanzines. Muitas madrugadas passei em claro com o objetivo de criar algo. E por causa de um desses fanzines que editei que comecei a produzir shows para o seu lançamento. Convidava bandas que eu havia conhecido ou através de shows, demo-tapes ou resenhas em algum zine para tocar. Um fato que acho interessante contar é que foi por causa de uma resenha que fiquei curioso em conhecer uma banda carioca e por isso a convidei para tocar aqui em Volta Redonda. A tal banda desconhecida "misturava elementos hardcore, jazz e falava sobre amor e Carnaval", era mais ou menos isso que dizia a resenha. Achei curioso e acabei trazendo essa banda duas vezes no fim dos anos 90 pra tocar num bar no bairro Aterrado, onde na ocasião lançaram suas demo-tapes. A banda era o Los Hermanos e detalhe: não cobraram nem sequer o transporte, pois o que queriam era divulgar o seu trabalho.
Se ninguém faz, façamos!
Hoje a internet está aí e consegue fazer essa aproximação com uma velocidade absurda. Mas, sem ser saudosista, é importante que a geração mais nova tenha pelo menos o conhecimento do que foram os fanzines e da sua importância para as bandas independentes.
E pra colaborar com isso, um grande fanzineiro de São Paulo, Marcio Sno, resolveu tentar eternizar um pouco dessa história, dirigindo o documentário "Fanzineiros do século passado".
Marcio Sno no Ugra Zine Fest
Totalmente produzido de forma independente e colaborativa, sem fins lucrativos e com o único propósito de documentar o movimento dos fanzines publicados no país, o documentário, que a princípio seria apenas um filme, acabou sendo transformado em uma trilogia, devido à quantidade de depoimentos de fanzineiros e de bandas que foram gravados.
No primeiro capítulo do documentário é traçado o perfil do fanzineiro, as dificuldades para lançar uma publicação e as "artimanhas" para fazer a informação circular na "rede social analógica". A repercussão foi muito além do que o diretor esperava: centenas de cópias distribuídas, copiadas e traficadas mundo afora, divulgação em TV, rádio, jornais, fanzines, revistas, internet, exibições em mostras, festivais, eventos, cineclubes, universidades, além de se tornar material pedagógico para oficinas, cursos e projetos sobre zines por todo Brasil e também outros países.
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O segundo capítulo "O fanzine a serviço do rock, os fanzineiros desse século e os estímulos para a produção impressa" vem encartado dentro de um fanzine impresso com ilustrações de importantes e conceituados desenhistas e cartunistas.
Neste capítulo é abordada a importância dos fanzines para divulgar bandas independentes que não tinham espaço em rádios e revistas conceituadas até meados da década de 1990, quando começou a popularizar a internet com seus myspaces e soundclouds. O documentário também promove um pequeno debate sobre os prós e contras do mundo virtual, traçando o perfil dos editores de fanzines e as publicações independentes atuais.
Foram entrevistados 49 personagens ligados à produção de fanzines, além de pesquisadores, músicos, editores e artistas plásticos só neste capítulo com contribuições vindas de diversos cantos do Brasil, do Canadá e Inglaterra.
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No momento Marcio está em fase de edição do último capítulo da trilogia que abordará temas como o fanzine na sala de aula, como objeto de pesquisa (TCCs e monografias), como divisor de águas na vida das pessoas, a serviço do rock (parte 2) e ainda um debate indireto sobre o futuro dos zines impressos.
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DIY - How to Make a Zine; Paper, Scissors, Pen - Rockin!
Fanzine - Como fazer um