(Foto Ilustrativa)
Hoje, o Brasil destina menos de 1,5% de
seu PIB para ciência, tecnologia e inovação
Publicada: 26/07/2017 (22:23:52)
Atualizada: 28/07/2017 (00:21:41)
Gilberto Alvarez Giusepone Jr.
Mesmo sendo considerado, em grande parte de sua história, um país “periférico”, o Brasil logrou conquistar um considerável desenvolvimento tecnológico desde os anos 1940. Começamos a fabricar aço, motores e carros e chegamos a construir aviões e a desenvolver tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas. E isso só ocorreu em função da adoção de políticas públicas de apoio à ciência, tecnologia e inovação.
Infelizmente, parece que estamos regredindo aos tempos da República Velha, quando o governo desdenhava o desenvolvimento tecnológico. Hoje, o Brasil destina menos de 1,5% de seu PIB para ciência, tecnologia e inovação. Em termos concretos, com contingenciamentos, cortes e transferências, essa cifra gira em torno de apenas 0,12% do PIB. Desde 2015, o Brasil perdeu R$ 11 bilhões em verbas federais para o setor.
No cômputo dos investimentos brasileiros com ciência, tecnologia e inovação estão as universidades federais e seus programas de pós-graduação e pesquisa de base. Na soma, portanto, o que os números mostram é que o Brasil deu início a um ciclo de sucateamento de um patrimônio construído em condições muito adversas e cujos resultados só são passíveis de aferição na perspectiva do longo prazo.
Essa situação ganhou expressão dramática no ano passado, quando o governo federal promoveu uma surpreendente “fusão” entre o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o Ministério da Comunicação.
Os critérios apresentados na ocasião, que insistiam que a operação tinha apenas a intenção de extinguir o Ministério da Comunicação, na realidade revelavam considerável descuido para com ambas as áreas.
As agências de fomento à pesquisa implicadas na operação, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tornaram-se instâncias menores no organograma da ciência nacional e, na prática, foram rebaixadas e esvaziadas do protagonismo que caracterizava a presença dos fomentadores de ciência no bojo das políticas públicas.
Imediatamente a comunidade brasileira de pesquisadores de todos os campos de conhecimento, amparada pelo expressivo apoio de redes internacionais de pesquisa, manifestou contrariedade e indicou claramente que o patrimônio científico do país corria risco.
Duas questões podem ser prontamente analisadas dentro desse cenário sombrio.
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Primeiramente, a escassez de recursos colocou em situação de desmanche políticas que associavam pesquisa com educação, com formação de professores e com as humanidades de forma geral.
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Se em situações de reconhecimento e com verbas garantidas tais campos de pesquisa estão sempre em desvantagem em comparação com a chamada pesquisa de aplicação tecnológica, na situação atual o investimento que se associa com a pesquisa educacional vai transitando do insuficiente para o inexistente em curto espaço de tempo.
A segunda questão diz respeito àquilo que é básico no âmbito da pesquisa que é sua dinâmica de tempo e experimentação.
Pequenos avanços na consolidação de resultados dependem de anos de planejamento e trabalho cumulativo e, fundamentalmente, contínuo, necessariamente protegido de interrupções.
Uma pesquisa científica interrompida não é simplesmente retomada com a recuperação de rubricas orçamentárias. Em muitos casos a interrupção determina a perda do trabalho até então levado a efeito.
Porém, o que é preocupante nessa situação não pode ser compreendido apenas com a denúncia do sucateamento.
São incontáveis as manifestações que associam desenvolvimento com investimento em ciência, tecnologia e inovação.
Por isso mesmo, muitos atores dessa trama que também se dá na dimensão política e ideológica dos enfrentamentos em curso expressam descontentamento e denunciam as consequências graves e destrutivas resultantes da aniquilação de nossos esforços de científicos, tecnológicos e inovadores.
Porém, muitos argumentadores insistem em denunciar autoridades que supostamente não têm visão de futuro, tampouco projeto de ciência para o país.
Talvez nesse particular esteja ocorrendo um grave equívoco de ordem estratégica.
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O que está presente no âmbito das ações governamentais é a execução de uma política, sim, não simplesmente um abstencionismo provocado pela diminuição de recursos.
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A política é justamente a de retirada do Estado do universo da produção de conhecimento e tecnologia. Isso se faz com base na premissa de que a iniciativa privada aportará o que for necessário (e de sua conveniência) para o desenvolvimento tecnológico de setores específicos.
Está em curso um processo no qual o Estado quer deliberadamente abrir espaço para que empresas tecnológicas prosperem, empreguem, e produzam bens e serviços para consumo.
Trata-se de uma visão de mundo que se esconde por trás de um manto denominado crise.
O erro mais evidente desse modo de compreender o lugar do Estado na produção de ciência, tecnologia e inovação diz respeito aos resultados dessa estratégia: ela produz ricos, não riqueza. Diz respeito a alguns, não a todos. Troca os signos do desenvolvimento, pelos símbolos da prosperidade empresarial.
O que se percebe nesse momento permeado por ações tão destrutivas é que não é possível discutir fundamentos de ciência sem que isso nos obrigue a discutir os fundamentos republicanos da esfera pública.
Não é, portanto, mera questão orçamentária; trata-se de uma política de desmonte e sucateamento.
> Gilberto Alvarez Giusepone Jr. é diretor do Cursinho da Poli e presidente da Fundação PoliSaber