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Vida e Sociedade

Leone Rocha

leone.rocha@gmail.com

Comentário

Djamila Ribeiro e o lugar de fala

Filósofa e ativista feminista negra brasileira afirma que a identidade é importante não apenas enquanto fenômeno social

Colunistas  –  08/04/2023 11:23

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(Foto Ilustrativa)

“Ao promover uma multiplicidade de vozes o que se quer, acima de tudo, é quebrar com o discurso autorizado e único, que se pretende universal. Busca-se aqui, sobretudo, lutar para romper com o regime de autorização discursiva”.

(Djamila Ribeiro)

 

Djamila Ribeiro é uma importante filósofa e ativista feminista negra brasileira contemporânea. Entre suas obras de destaque, encontram-se o “Pequeno Manual Antirracista” (2019), “Quem Tem Medo do Feminismo Negro?” (2018) e “Cartas para Minha Avó” (2021), todos pela editora Companhia das Letras. No presente texto farei um comentário sobre a obra “O que é: Lugar de Fala?”, de 2017, lançado pela Editora Letramento.

O livro realiza primeiramente um apanhado sobre o movimento feminista negro e suas origens, afirmando como a produção feminista negra articula “sofisticação intelectual com a prática política” (p. 10). Remonta as origens do movimento ao discurso de Sojouner Truth, pseudônimo de Isabella Baumfree, em 1851 na Convenção dos Direitos da Mulher que ficou conhecido como “E eu não sou uma mulher?”. O discurso Truth questionou a universalização da categoria mulher, evidenciando as diferenças que existem entre uma mulher negra e outra branca.

O movimento feminista negro surgiu então com um claro perfil identitário, bem como vários outros movimentos como o próprio feminismo hegemônico, o póscolonialismo, o movimento LGBTQIA+, etc. Contudo, o que parece ser o forte do movimento é justamente motivo de crítica por parte de seus adversários. O rótulo “identitário” surge como negativo, principalmente por aqueles que preferem defender questões de classe. Djamila Ribeira afirma que a identidade é importante não apenas enquanto fenômeno social, mas como categoria fundamental na construção e desconstrução de referenciais epistêmicos, que constroem conhecimentos e discursos, práticas e vivências.

Dentro da perspectiva da construção de conhecimentos, um ponto importante que a autora trata versa sobre a gestão dos discursos enquanto instrumentos de produção e gestão de poder. São os discursos que orientam ações, condutas e formam subjetividades. Nesse sentido, o ponto de vista de um discurso situado, vinculado a um grupo social no seio de um movimento social traz a questão de quem pode falar por esse movimento social, que pode expressar um discurso que represente a identidade vinculada, ou sejam quem possui o “lugar de fala”. Os indivíduos portadores de tal representatividade seriam aqueles dotados de experiências e vivências que os autorizam a falar pelo grupo e têm direito à voz. São representantes dos processos de exclusão e opressão sofridos ao longo da história e se propõe a expressar esses mecanismos. Não se trata de um essencialismo do qual somente um negro pode falar de racismo, afirma a autora, trata-se, sim da expressão de um existir permeado por uma série de limitações, violências, que, de outra forma, não viria à consciência social se não pela voz da negra, do negro, da mulher, do homoafetivo, da(o) trans, da lésbica, etc.

Por fim, quero concluir este texto com uma passagem do livro de Djamila Ribeiro que acredito resumir concisamente a ideia motriz de sua obra tão necessária:

Com isso, pretende-se também refutar uma pretensa universalidade. Ao promover uma multiplicidade de vozes o que se quer, acima de tudo, é quebrar com o discurso autorizado e único, que se pretende universal. Busca-se aqui, sobretudo, lutar para romper com o regime de autorização discursiva” (p. 57). 

 

Por Leone Rocha  –  leone.rocha@gmail.com

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