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Vida e Sociedade

Leone Rocha

leone.rocha@gmail.com

Fazê-o-quê?

Um dia qualquer

Em Macapá, torrão do estado do Amapá, costuma acabar a luz quando chove

Colunistas  –  13/04/2023 15:43

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(Foto Ilustrativa)

A luz voltou novamente... Chegando em casa, estava tudo tranquilo... Uma fina garoa tranquilizava mentes e corações...

 

Despertou o alarme do celular às 6h da manhã para mais um dia qualquer. Vibrava o aparelho à beira do criado-mudo em tal movimento despretensioso que o lançou numa trajetória rumo ao chão. Assim acordou Leopoldo. Devido, certamente, mais ao barulho da queda ante aos reclames sonoros alarmantes. Como costumeiro, titubeou, vacilou, ao acordar. Não queria encarar a vida. Lembrou do café da esposa e do pão quente da filha pra preparar. Ganhou ânimo. “Os outros sempre motivam mais”, pensou. Decidiu dar um salto, ganhar fôlego. Sentou na cama, determinou-se a começar o dia, literalmente, com o pé direito. Virou com a perna direita sobre o colchão e mirou o calcanhar na lajota. Deu na tela do celular que estava no chão, trincando todo o objeto.

“O estrago não foi tanto, ainda posso usar”, pensou Leopoldo. Mesmo assim, necessitaria trocar a tela, pois sua filha usa o celular para assistir vídeos. “Mais um gasto extra”, conformou-se. Leopoldo preparou o café da esposa e o seu; esquentou o pão da filha; levou ela para a escola e voltou para sua casa. Pediu um Uber e foi ao trabalho. Dentro do aplicativo, percebeu que esqueceu os óculos. Deu graças a Deus por ter comprado um baratinho na farmácia para usar como reserva. Ele deixa-o sempre na bolsa para essas ocasiões, mesmo contra os protestos da esposa, que não cansa de advertir dos perigos para a vista que esses óculos de farmácia causam. Chegando no serviço, começou a chover forte. Em Macapá, torrão do estado do Amapá, costuma acabar a luz quando chove. E não deu outra. Antes de registrar o seu ponto no computador, acabou a luz na Superintendência de Leopoldo, e ele iria perder algum tempo de serviço por não ter registrado a entrada no momento em que chegou. Ao seu redor, seus colegas do serviço conversavam animadamente, e ele, como sempre, ficava no canto, calado, somente observando.

Voltou a energia. Leopoldo registrou sua entrada e pensou que deveria sair mais tarde para compensar o atraso no registro do ponto. Abriu o sistema de processos e começou a trabalhar. Encontrou um processo simples para responder. Iniciou um despacho. Concluiu e passou para outro processo, dessa vez um mais difícil. Quando estava na metade do novo despacho, acabou a luz novamente e ele não havia salvo o trabalho. “Fazê-o-quê?”, suspirou o já alguma coisa maduro Leopoldo. A luz voltou novamente. Leopoldo permaneceu no seu trabalho até as 20h, repondo hora e voltou para casa.

Chegando em casa, estava tudo tranquilo. Sua filha não largou do seu pé o resto da noite, morta de saudades que estava do pai. Uma fina garoa tranquilizava mentes e corações. Leopoldo e sua esposa fizeram sua filha dormir. Saíram para os fundos da casa para fumar um cigarro, conversar, saber do dia, das terapias, um do outro. Voltaram para o quarto. A esposa foi jogar seus jogos de conta e Leopoldo, ler. Ele leu até não poder mais. Levantou-se e apagou a luz; deu boa noite à esposa e encostou a cabeça sossegadamente no travesseiro. Foi quando acabou a luz, assim terminando mais um dia qualquer de Leopoldo. 

 

Por Leone Rocha  –  leone.rocha@gmail.com

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