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Vida e Sociedade

Leone Rocha

leone.rocha@gmail.com

Vulnerabilidade Social

Lendo O Cortiço - Sobre a aversão à pobreza

A cultura do consumismo e do materialismo é o motor que movimenta toda a engrenagem de uma série de práticas e condutas

Colunistas  –  18/04/2023 10:31

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(Foto Ilustrativa)

Eu seria hipócrita se não admitisse que sinto um desconforto a uma realidade que muitas vezes queremos negar e que, para alguns de nós, está distante. Seria aporofobia?

 

O romance “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo, publicado em 1890, é um clássico do movimento naturalista brasileiro. Conta a história de João Romão e seu cortiço, povoado pela riqueza cultural miscigenada brasileira com toques portugueses, nordestinos, paulistas, ambientado no boêmio Rio de Janeiro. Nele perpassam os dilemas da vida sofrida de moradores em vulnerabilidade social, ou, pobreza. Aliás, a vida em condições sociais vulneráveis é o tema de um outro grande livro, desta vez contemporâneo, que cito aqui por indicação, com temática racial: “Mama”, da americana Terry MacMillan. As descrições precisas e vívidas de Azevedo no seu livro; as festas, pândegas e brigas; o trabalho árduo nas pedreiras e tinas, enfim… Temos um verdadeiro universo construído ao longo da obra, um drama rico em emoções e personagens, que descortinam-se rotineiramente numa constância impiedosa e teimosa.

Contudo, no presente texto, tratarei de um tema mais delicado, relacionado ao universo do livro, mas voltado ao sentimento que temos quando nos depararmos com a pobreza e a nossa reação a esse fenômeno. Um tema relevante num contexto de crescente extremismo social elitista racial e plutocrático, haja vista os recentes casos de agressão a entregadores negros por parte de uma mulher branca. Lembrando sempre que a pobreza tem cor.

Ao ler romances como “O Cortiço” e “Mama”, que expõem tão visceralmente uma realidade que muitas vezes queremos negar e que, para alguns de nós, está distante, a realidade da pobreza, eu seria hipócrita se não admitisse que sinto um desconforto, até mesmo uma certa aversão. Seria aporofobia, uma aversão à pobreza? Não por acaso, esse é o tema de um outro romance, o “A Boa Sorte”, da espanhola Rosa Monteiro, escrito durante o período da pandemia (novo coronavírus/Covid-19). Conta a história de Pablo, um arquiteto muito bem-sucedido que abandona sua vida e foge para uma cidade distante do interior. Ele possui um filho fugitivo da polícia que é aporofóbico e já assassinou pobres, integrando uma rede de criminosos extremistas. O livro discute o mal, os valores da vida contemporânea e amor.

Diante desse fato, dessa reação, pergunto-me: Por que a pobreza nos causa tanta aversão? Por que uma pessoa bem-vestida vale mais que uma mal vestida? Por que um carro de luxo importa mais que um carro popular? Por que uma roupa de marca brilha mais que uma roupa de departamento? Perguntas como essas poderiam estender-se por páginas a dentro. A questão que fica é: o quão materialistas nos tornamos. A cultura do consumismo e do materialismo é o motor que movimenta toda a engrenagem de uma série de práticas e condutas de opressão, corrupção e crise ambiental. Os valores que cultuam a produção ad infinitum estão generalizados, como se o planeta possuísse recursos suficientes para suportar as demandas de um progresso sem fim.

Ainda assim, eu também compartilho dessa aversão, infelizmente, como tantas outras pessoas também compartilham, imagino. Lembremos de Caco Antíbes no programa humorístico da Globo “Sai de Baixo” e o seu “Eu odeio pobre!”. O que procuro fazer é lembrar de exemplos como o do santo de Assis, São Francisco,  e andar entre aqueles cuja vida não deu pouco mais que a presença uns dos outros. 

 

Por Leone Rocha  –  leone.rocha@gmail.com

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