Publicidade

RH

Vida e Sociedade

Leone Rocha

leone.rocha@gmail.com

Consumo Desenfreado

A modernidade e o Império dos Sentidos

Precisamos de equilíbrio entre os sentidos e o espírito, fé e razão, se quisermos sobreviver

Colunistas  –  21/03/2024 17:35

11370

 

(Foto Ilustrativa)

Os nossos sentidos não cansam de querer mais e mais. E nisto nosso corpo e o planeta esvanecem-se, consumidos entre as labaredas do aquecimento do forno que tudo produz.

 

No diálogo Fédon de Platão, um de seus principais, Sócrates afirma a necessidade de desapegar-se do corpo e dos sentidos no intuito de fruir uma vida contemplativa. Os sentidos provocariam a distorção da análise das formas e ideias do pensamento em seu processo introspectivo de reflexão acerca da realidade ulterior. O pensador delineia como alternativa a vida filosófica, meditativa, distante das extravagâncias e preocupações da vida material.

Esse pensamento desenvolveu-se ao longo da Idade Média em Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino, principalmente segundo os auspícios da Igreja Católica que pregava a castidade e a busca da salvação, a redenção dos pecados e a vida eterna no plano espiritual, condenando o gozo carnal e relegando a felicidade para outro mundo (ainda que a própria Igreja muitas vezes não seguisse seus próprios preceitos, diga-se de passagem).

Desse modo, filosofia e Igreja coadunavam-se em um par que regiam a mentalidade da sociedade ocidental e as mentes, os hábitos e a produção de conhecimentos; determinavam o certo e o errado; o possível e o impossível; queimavam e santificavam. Durante cerca de mil anos os sentidos, o corpo, foram severamente negados, vilipendiados como algo demoníaco. Isso trouxe sérias consequências para a psiquê humana, como afirma o filósofo francês Michel Foucault em “História da Sexualidade”. A humanidade ocidental desenvolveu-se em uma relação de negação castradora com sua sexualidade que muitas vezes ganhou contornos de hipocrisia ao colocar para debaixo do tapete formas socialmente negadas, mas inevitáveis, como poligamia, homossexualismo, bigamia, etc. E assim seguiram os séculos.

Eis então que, com o advento da modernidade e da pós-modernidade, um processo que ocorre desde o século XVI e aprofundou-se desde o século XVIII com as Revoluções Francesas e a Independência dos Estados Unidos e ganhou contornos críticos desde o século XX, a Ciência e o pensamento científico com sua ênfase nos processos de observação da natureza e experimentação dos fenômenos empíricos por meio dos sentidos, ganharam preponderância sobre o pensamento teológico como modeladores do discurso subjetivo ocidental. A partir de então somente o que pode ser observado, avaliado, justificado e comprovado pelos sentidos tem validade. Entramos assim no Império dos Sentidos.

Agora tudo ao nosso redor é voltado para a satisfação dos nossos sentidos. Alimentos, vestuários, tecnologia, cultura, lazer, entretenimento, etc., etc., etc. Uma grande máquina de gerar mercadorias produz sem descanso um volume gigantesco de quimeras mercadológicas prontas para nos satisfazer. E nunca estamos satisfeitos. Esse é o grande segredo do sucesso deste sistema. Ele mantém-se por meio de nossa impossível satisfação. Os nossos sentidos não cansam de querer mais e mais. E nisto nosso corpo e o planeta esvanecem-se, consumidos entre as labaredas do aquecimento do forno que tudo produz.

Se os sentidos uma vez nos libertaram da prisão teológica que nos prendia a uma rede de hipocrisia, hoje eles nos prendem ao consumo desenfreado e ao culto de Si mesmo, já que os deuses “morreram”. Precisamos de equilíbrio entre os sentidos e o espírito, fé e razão, se quisermos sobreviver. 

 

Por Leone Rocha  –  leone.rocha@gmail.com

Seja o primeiro a comentar

×

×

×