(Foto Ilustrativa)
Saibamos ler as entrelinhas
Publicada em: 13/06/2015 (11:44:59)
Atualizada em: 14/06/2015 (13:22:31)
Seria um dia comum, caso não houvesse poesias e uma generosa dose de sensibilidade.
Estava eu, no meu estande a fim de recepcionar quem por ali passasse e desfrutasse da exposição dos meus escritos. Além de divulgar o meu livreto "Verso e reverso - Ensaios do livro de poesias, poemetos e crônicas por Marco Túlio Carvalho" no primeiro dia da Flir (Feira do Livro de Resende).
Entre uma caminhada e outra os visitantes contemplam, refletem sobre os versos e param para uma prosa.
E a tarde de sexta-feira, 12, me reservaria surpresas...
Um distinto senhor, de extrema simpatia e bom de papo puxa uma animada conversa sobre valores, cidadania e descrença.
Curioso com tamanha desenvoltura acerca de culturas e conhecimento de mundo, num certo momento eu demonstro saber sobre o ofício dele.
Com muita reserva, desconversando ele atesta:
- Hoje eu sou um velho de 69 anos e só!
OK. Não insisti.
Conversa vai, conversa vem, após comprar meu livreto dizendo que iria presentear alguém, ele comenta sobre "a inspiração para fazer uma poesia".
Resolvo então perguntá-lo:
- Posso recitar uma poesia ao senhor?
- Sim, claro!
Escolho "Inspire-se!".
Inspire o ar que respiras
Solte a garganta e me diga
O que te inspira?
Seria o sol a raiar?
Ou o tempo a fechar?
O orvalho a cair?
Ou o vento a bafejar?
Inspire o ar que respiras
Solte a garganta e me diga
O que te inspira?
A música que te faz lembrar?
Aquele beijo que nunca esqueceu?
O abraço de afagar a alma?
Ou o bilhete que você recebeu?
Inspire o ar que respiras
Solte a garganta e me diga
O que te inspira?
Uma folha a cair do carvalhal?
O sorriso do teu guri?
A prece que você deferiu?
Ou o milagre a espera de ti?
Inspire o ar que respiras
Solte a garganta e me diga
O que te inspira?
A vida!
Ao citar meus últimos versos:
"Inspire o ar que respiras./ Solte a garganta e me diga./ O que te inspira?/ A vida!", percebo os olhos dele marejados revelando toda a sua fragilidade. Ele me cumprimenta fortemente na mão e com a fala trêmula, emocionadamente e espontaneamente diz, num relato muito pessoal:
- Perdi meu filho pra violência e minha filha pra doença.
Ele se vai. Eu fico... Perplexo diante da dor, entretanto, com a sensação de dever cumprido, afinal minha poesia naquele instante o tocara de tal forma que o desarmou, desabafando sobre algo íntimo e sentimental.
Saibamos ler as entrelinhas.
Finalmente descubro sobre o ofício dele.
Ele é um "ser humano".