(Foto Ilustrativa)
Alguns acham que rimando bolinho com carrinho já têm um grande poema; esse era o pensamento do tio
Sempre tem um membro da família que é difícil de aturar, não é? Talvez tenha acontecido com você, tentar ser simpático com esse elemento e acabar se dando mal. Vou iniciar pelo começo, como convém numa crônica.
Há três ou quatro meses, recebi um e-mail do tio Sabrino. Para animá-lo, fiz um elogio à sua escrita. Foi um elogio breve. Eu não sabia que ia causar tanta euforia! No e-mail seguinte, confessou que nunca havia pensado que ele escrevia bem, mas ficava grato pelo comentário.
Tudo podia ter acabado por aí... Mas não, eu tive a péssima ideia de ajudá-lo. O poeta Juliano enviou-me um poema traduzido para o espanhol a fim de que eu o auxiliasse com a tradução de uma palavra. Só uma palavra. E foi aí que cometi o erro! Enviei para tio Sabrino, que mora em Buenos Aires. Ele ficou feliz, não só corrigiu um verso, não! Ele renovou o poema completamente. Destruiu sistematicamente cada estrofe. Fez rimas medíocres... alguns acham que rimando bolinho com carrinho já têm um grande poema. Esse era o pensamento do tio.
Dias depois, recebi um e-mail do tio com vários poemas, todos de péssimo gosto e uma carta onde agradecia ao Juliano. Corrigir esse poema o havia entusiasmado, havia despertado seu lado poético, que, sejamos honestos, era bem melhor quando estava adormecido.
Então, o tio Sabrino iniciou uma época de criatividade inigualável. Todos os dias enviava algum e-mail com novos poemas, até que eu decidi não responder. Ele me telefonou, eu falei que o computador estava com problemas. Ele leu seus poemas pelo telefone. Começou a publicar seus poemas no Facebook. Alguns amigos muito simpáticos aplaudiram. Dias mais tarde, seus novos poemas pelo WhatsApp. Todos ruins. Decidi voltar à comunicação via e-mail. Eu não queria ofender meu tio, mas ele estava assassinando a Musa da poesia. Tio Sabrino se havia convertido num assassino literário. Semana passada, minha tia ligou, queria que eu agradecesse ao Juliano. Meu tio nunca esteve tão feliz. Ser poeta dera um novo sentido à sua vida, apesar do assassinato literário, claro...
Eu não sabia o que dizer até que ontem, ontem mesmo, meu tio ligou de Buenos Aires e não foi para ler um poema, não! Foi para ler um conto. Feliz, disse que estava também se aventurando no mundo das crônicas e até estava pensando em escrever um romance. Escutei, com resignação, o conto que meu tio havia escrito. Ah! Disse ele, antes de desligar, agradeça ao Juliano. O Juliano! Era verdade, o Juliano havia inspirado a onda de crimes literários, pois meu tio não era mais o simples assassino de uma Musa… Ele havia se convertido em um serial killer.