(Foto Ilustrativa)
Os confrontos entre ódios e raivas contra o outro que não pensa ou acredita como eu só nos tornará mais e mais intolerantes, abrindo espaço inclusive para regimes mais autoritários e intolerantes, que não aceitam a pluralidade e a diversidade de ideias e pensamentos, pois objetivam consolidar uma verdade única
Para compilar este texto, parti da premissa de que as relações humanas em sua História sempre se defrontaram com grandes dificuldades em lidar com a verdade e, principalmente, tolerar a exposição de outras verdades. Advêm dessa situação as históricas experiências de conflitos religiosos e políticos, marcados pela disputa não apenas no âmbito do debate, mas normalmente e mais intensamente em campos de batalha marcados por banhos de sangue. A verdade, seja em sentido absoluto ou relativo, sempre foi colocada e ainda permanece assim, enquanto forma estratégica de submeter outros ao jugo de quem se arroga de possuir a verdade, destruindo os outros que não aceitam essa tentativa de predominância. Não se encontra dissociada do exercício de poder.
A tolerância apresenta-se como um princípio que busca o respeito e a convivência de diferentes formas de verdade. Da aceitação da verdade do outro, mesmo que diferente da minha. Destacarei um dos seus sentidos que interessam mais diretamente a nossa reflexão: “A tolerância é o sustentáculo dos direitos humanos, do pluralismo (inclusive o pluralismo cultural), da democracia e do Estado de Direito. Implica a rejeição do dogmatismo e do absolutismo e fortalece as normas enunciadas nos instrumentos internacionais relativos aos direitos humanos”. (Declaração de Princípios sobre a Tolerância - Unesco - 16/11/1965)
Obviamente, a formulação desse princípio no papel é uma coisa e sua implementação na prática é outra bem diferente.
Faço alusão à reflexão do cientista italiano *Norberto Bobbio que ressalta: “A ideia de tolerância surgiu e se desenvolveu no terreno das controvérsias religiosas no solo europeu”. (Bobbio, 2011, p. 149)
Partindo desse campo dos conflitos religiosos, Bobbio afirma que: “A noção de tolerância passou pouco a pouco para o terreno das controvérsias políticas, ou seja, do contraste entre aquelas formas de religião moderna que são as ideologias”. (Bobbio, 2011, p. 149)
Ressalto aqui a comparação do autor, referindo-se às ideologias políticas como semelhantes às instituições religiosas. Alerta-se para o risco de se buscar impor a verdade única sobre o mundo, mesmo que tenha de destruí-lo para tal intento. Verdade que se quer imputar como absoluta.
Porém, continuando o diálogo com Bobbio, o pensador observa que: “O reconhecimento da liberdade religiosa originou os Estados não confessionais; o reconhecimento da liberdade política, aos Estados democráticos”. (Bobbio, 2011, 150)
Não podemos deixar de reconhecer os muitos problemas que a democracia em seu geral enfrenta, especialmente em tempos tão raivosos que experimentamos. Repensar a convivência democrática requer tratar de questões que a própria democracia não conseguiu dar conta até agora. Todavia, em tempos de raiva e ódio. Marcado por fundamentalismos e fanatismos, tanto políticos quanto religiosos, que se interligam, visando impor a verdade única como sendo apenas a sua, penso que a tolerância necessita ser cada vez mais trabalhada e, com certeza, reavaliada em sua aplicação na convivência democrática contemporânea.
Os confrontos entre ódios e raivas contra o outro que não pensa ou acredita como eu só nos tornará mais e mais intolerantes, abrindo espaço inclusive para regimes mais autoritários e intolerantes, que não aceitam a pluralidade e a diversidade de ideias e pensamentos, pois objetivam consolidar uma verdade única. Uma visão de mundo que não seja tolerável, a não ser a sua. Por favor, os que discordarem de minhas colocações prestarão um grande serviço ao diálogo e a troca de ideias. Espero que não me odeiem. Se assim for, sinto muito, mas dialogar e refletir requer o respeito ao pensar diferente e não o atacar raivoso da intolerância.
*Bobbio, N. Elogio da Serenidade e outros escritos morais. São Paulo: Editora Unesp, 2011.