(Foto Ilustrativa)
O sistema democrático não pode mais se limitar ao pleito e à estrutura representativa partidária, devendo sim se tornar mais deliberativo e ativo, abrindo mais espaço para o exercício de uma plena cidadania
Em nossa atualidade política, quando nos referimos ao regime democrático, um ponto é passível de acordo: A democracia passa por um momento muito difícil. Inegavelmente, se a experiência democrática ao longo de sua trajetória sempre se demonstrou complicada, experimentamos retrocessos cada vez mais constantes e que se intensificam de modo perigoso para a sua saúde, como uma doença própria do corpo que o ataca. Afinal, as moléstias que afetaram e afetam a democracia não são externas, mas sim efeitos de sua própria dificuldade em cumprir com seus ideais mais essenciais, como por exemplo, a promoção de maior equidade e harmonia entre setores da população, além de sofrer de um forte abuso por parte de suas estruturas representacionais. Além disso, indubitavelmente, a racionalidade econômica e tecno-burocrática causa necroses no corpo democrático e obstrui a práxis cidadã ativa, que alimenta e reoxigena a esfera pública.
Desta forma, podemos nos indagar: Qual democracia precisamos salvar? Deve-se refletir de modo crítico e realista que não podemos mais sustentar modelos democráticos ou que assim se identificam, que alimentam abusos autoritários, sustentam-se sobre práticas de desigualdade de qualquer tipo de modo excessivo ou cada vez menos promovem o bem público, assegurando apenas o bem de privados que se aproveitam para espraiar sua influência e poder. Também não se pode permitir que a esfera democrática continue servindo para palco e eventual escada para ascensão de demagogos e aventureiros que prometem os céus, quando mal conseguem manter as ações no solo. Não é incomum que tais personagens, quando questionados ou contrariados, estando no poder, assumem posturas autoritárias que rompem e corrompem todo o tecido político/social democrático.
Obviamente, não podemos deixar de concordar que a democracia é uma forma de sistema político com instituições que permitem aos cidadãos expressarem suas preferências políticas, restringindo o abuso do Poder Executivo e buscando garantir as liberdades civis e os direitos humanos. Contudo, inegavelmente, um espectro ronda a democracia: o da desconfiança. Tal espectro ronda todos os cantos do mundo onde se estabeleceram sociedades identificadas com a prática democrática. Nos debates sobre teoria da democracia o clima de desconfiança é explicitado em diversas vertentes teóricas. Segundo a pensadora Nancy Fraser: “Democracia de fachada. Pós-democracia. Democracia moribunda. Desdemocratização”. Tais expressões estão proliferando atualmente, ganhando o espaço anteriormente ocupado pelo tema da democracia “deliberativa”. (*Fraser, 2018, p.153)
Isso sugere claramente que os problemas crônicos da democracia passaram do quadro de melhora para o estágio de crise. E quem poderia discordar? A comprovação inclui declínios no comparecimento eleitoral, a proliferação da corrupção e do dinheiro graúdo na política, um aumento da concentração da propriedade de mídia, uma elevação dos extremismos. Indubitavelmente a postura de desconfiança em relação ao futuro das democracias está longe de ser um mero devaneio intelectual.
Contudo, pode ser exatamente esse quadro de crise que apresente a oportunidade para se buscar uma renovação do sistema democrático, que não pode mais se limitar ao pleito e à estrutura representativa partidária, devendo sim se tornar mais deliberativo e ativo, abrindo mais espaço para o exercício de uma plena cidadania. Este pode ser um modo de salvar o que vale a pena da democracia que experimentamos na atualidade.
*Fraser, Nancy. Crise de legitimação? Sobre as contradições políticas do capitalismo financeirizado. Cadernos de filosofia alemã: crítica e modernidade, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 153-188, dez. 2018.