
(Foto: Divulgação)
Os protagonistas, interpretados por Hugo Carvana
e Milton Gonçalves, em cena do lonnga-metragem
Publicada: 23/03/2017 (19:04:21)
Atualizada: 14/04/2017 (09:28:06)
Guido Bilharinho
Em plena fase do cinema marginal, Júlio Bressane dirige “O anjo nasceu” (1969/1973), para escarmento dos aficionados e condicionados por histórias convencionalmente estruturadas e conduzidas, objetivando, elementar e infantilmente, divertimento e distração.
“O anjo nasceu” fixa momentos da carreira delituosa de dois marginais, ladrões e assassinos patologicamente constituídos, antecipando (ou sendo um dos primeiros) a focalizar esse tipo de psicopata amoral, insensível, desapiedado e monstruoso, para quem assassinar friamente seu semelhante é mero divertimento, exercício de poder e determinação homicida, que se sobrepõe e covardemente se aproveita de vítimas indefesas.
Bressane procura (e consegue) criar realidade fílmica tão ou mais eficaz que a realidade da vida, visto que, ao fazê-lo, imprime-lhe o sentido e o significado que geralmente passam despercebidos ao contato direto com o mundo real.
As tomadas e imobilização das cenas são, por isso, alongadas, quedando-se a câmera frente ao selecionado corte de realidade significante, cuja contemplação por si só constitui sua própria e analítica narrativa.
Não é, pois, filme agradável (no sentido negativo do termo) de se ver e de se assistir, já que expõe, revela e denuncia as deformações e monstruosidades da espécie sem disfarces e despistamentos, provocando asco e repulsa a frieza e a displicência assassina dos protagonistas, interpretados por Hugo Carvana e Milton Gonçalves. Inúmeras cenas e sequências se destacam pela sofisticação imagética e pelo teor e significado que contêm.
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Além de outras, a sequência final do carro disparado na estrada com Carvana gritando de dor em decorrência de ferimento na perna é de excelente concepção e efetivação, atingindo o clímax com a propositada persistência desse grito/uivo (in)humano.
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Desaparecido o carro no horizonte da rodovia, permanece apenas esta, vista em profundidade sob esplêndida luminosidade e raros carros e sob os acordes da canção “Peguei um Ita no Norte”, esta cantada e outras músicas apenas orquestradas, provocando impactante efeito estético, encerrando-se aí o filme, mas não a trajetória bandida dos protagonistas. (do livro “Seis cineastas brasileiros”. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2012)
> Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia “Dimensão” de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura (poesia, ficção e crítica literária), cinema (história e crítica), história (do Brasil e regional)
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