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Primeiros Filmes de Júlio Bressane

Procedimento ficcional

Longa - O Rei do Baralho - é constituído de mosaicos aleatórios, compostos de cenas de jogos de carteado, diálogos entre o casal, alguns propositadamente inaudíveis, bem como outros ocorridos entre personagens apenas silhuetadas

Crítica  –  23/05/2017 12:19

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(Foto: Divulgação)

A história: Loira alta e esbelta (Marta Anderson)

apaixona-se por negro baixo e retaco (Grande Otelo)


          Publicada: 19/05/2017 (20:42:21)
          Atualizada: 23/05/2017 (12:19:33)

Guido Bilharinho

Já se tem dito diversas vezes e em inúmeras oportunidades que a ficção (literária, cinematográfica e teatral) não se limita a estruturar e narrar histórias. Essa é uma de suas possibilidades, por sinal, a geral e quase totalmente utilizada, porque é a que agrada e se pensa ser a finalidade única e exclusiva do gênero.

Mais ou tão importante ainda, restringindo-se à narrativa, é a maneira de se procedê-la. Normalmente, é efetuada convencional e linearmente e arquitetada com início, meio e fim, sucedendo-se os atos, capítulos e cenas em decorrência e/ou em continuidade uns dos outros.

Em “O Rei do Baralho” (1973), Júlio Bressane mais uma vez foge desse esquema tradicional e repetitivo para, subvertendo e fragmentando a usual sistemática discursiva, conceber não simplesmente uma história, mas, elegendo dada situação, apresentá-la em quadros distintos, selecionados de conformidade com sua importância e indispensabilidade para expor sentido e não meramente atos e fatos.

Sucedem-se, então, conquanto em linha evolutiva cronológica, cenas e sequências formadas de flagrantes isolados entre si, porém, em seu conjunto e por força da sucessão temporal, compondo o quadro diegético.

Nem se tem possibilidade de sintetizar o eixo narrativo, visto que ele, por si próprio e por natureza, já é essencializado e sintético.

Loira alta e esbelta (Marta Anderson) apaixona-se por negro baixo e retaco (Grande Otelo), que se proclama o Rei do Baralho.

O mais que se segue é constituído de mosaicos aleatórios, compostos de cenas de jogos de carteado, diálogos entre o casal, alguns propositadamente inaudíveis, bem como outros ocorridos entre personagens apenas silhuetadas.

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Cenas se repetem, além de muitas delas serem fixadas demoradamente. Não havendo sequenciamento de causa e efeito, ou seja, o acontecimento contemplado na tela não produzir consequências nem ter continuidade lógico-temática, a composição da narrativa é deferida ao espectador, que é obrigado a mentalizá-la e constituí-la de conformidade com sua capacidade intelectiva de extrair das situações apresentadas o sentido que possuem e sua significação no conjunto fílmico.

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Esse procedimento elaborativo exige igual esforço e capacidade do espectador. Não se lhe dá o alimento pronto a ser digerido, mas, apenas - o que é muito - os elementos/ingredientes com que se fazem ou se podem fazê-lo.

Há de haver, forçosamente, atividade mental do espectador, sem a qual as imagens que lhe são exibidas não se revelam em suas possibilidades, naquilo que são e significam, isto é, aproximação e representação do real sem a intermediação facilitária do cineasta, simples cozinheiro nos filmes convencionais, que só carece, ele próprio, de também ingerir os alimentos artificiosos que produz, sem transferi-los (vendê-los) a outrem. O que, aliás, poderia fazer sem prejuízo de quem quer que seja. Muito ao contrário.

Em decorrência disso, esse filme não é suscetível, à semelhança da maioria das demais obras de Bressane, pelo menos dessa fase, de ser exibido comercialmente a plateias habituadas, condicionadas, e mesmos viciadas, com o tóxico ficcional que lhes é comumente repassado.

É bem capaz, como já aconteceu com a obra-prima “A regra do jogo” (La Règle du Jeu, França, 1939), de Jean Renoir, de se tentar até incendiar o cinema, embora o filme francês não apresente a radicalidade conceptiva de “O Rei do Baralho”.

Merece ainda referência tópica, a circunstância das cenas de interiores revelarem-se escuras e as de exteriores assaz claras, ambas quebrando, significativamente, a comportada e rotineira técnica oposta.

Também nunca se viu Grande Otelo tão sério, compenetrado e, felizmente, coloquialmente parcimonioso como nesse filme. (do livro “Seis cineastas brasileiros”. Uberaba, Instituto Triangulino de Cultura, 2012)

> Guido Bilharinho é advogado atuante em Uberaba, editor da revista internacional de poesia “Dimensão” de 1980 a 2000 e autor de livros de literatura (poesia, ficção e crítica literária), cinema (história e crítica), história (do Brasil e regional)

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Por Assessoria de Comunicação  –  contato@olhovivoca.com.br

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