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Cotidiano Escolar

A habituação dos absurdos na Escola

Desrespeito às regras instituídas, xingamentos e principalmente desacatos aos profissionais que trabalham em Educação inesperadamente tornaram-se comuns

Educação  –  07/09/2018 11:49

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Atualmente as agressões no ambiente escolar são fenômenos crescentes e constantes, sejam elas verbais ou até físicas tanto contra docentes quanto discentes

 

Atualmente alguns comportamentos claramente inaceitáveis infelizmente já são permitidos e até naturalizados pela sociedade dentro da escola. Como exemplos desses, podemos citar a vulgarização e a frequência do linguajar chulo, dos palavrões, dos desacatos e dos desrespeitos aos profissionais da Educação. Tudo isso já faz parte do cotidiano escolar, tanto em sala de aula, quanto nos seus corredores e pátios independente do sistema de ensino adotado ou se a instituição é da esfera pública ou privada.

Muitos pais convenientemente fazem vista grossa, a escola ignora o crescente problema e a sociedade finge que isso não é tão grave assim. De fato, esse é um tipo de modelo comportamental que provavelmente é esculpido muito antes desse tipo de aluno chegar à escola, e que cresce posteriormente no ambiente escolar. O desrespeito às regras instituídas, os xingamentos e principalmente os desacatos aos profissionais que trabalham em Educação inesperadamente tornaram-se comuns e até “naturais ou aceitáveis” por todos ao entorno do universo escolar. Por que esse fenômeno ocorre?

Isso é facilmente explicado a partir de duas causas possíveis:
A primeira é o próprio modelo que os adultos oferecem aos pequenos.
A segunda é que uma criança que apresenta um comportamento claro de desobediência contínua em relação às normas estabelecidas normalmente cresceu em ambientes onde a maioria das regras sempre foi muito flexível ou determinada conforme o interesse pontual de cada adulto para cada momento. 

Como consequência, os limites ou comportamentos raramente foram questionados de forma incisiva pelos adultos que convivem com essa criança. Assim como não deve ter sido incomum que muitas decisões simples ou escolhas do dia a dia foram feitas sistematicamente pela própria, mesmo quando claramente a sua imaturidade ainda não a habilitava para tal. 

Como por exemplo, a escolha pela criança de qual o melhor lugar para toda a família sentar em um restaurante, ou qual o canal de televisão ou filme a família vai assistir, ou qual o destino da próxima viagem, entre outras inúmeras pequenas escolhas disfarçadas em decisões realizadas pelos filhos.

Muitas vezes, em nome do amor incondicional por eles, é comum muitos pais confundirem duas situações bem distintas:
A primeira seria ouvir sugestões para interagir com os filhos e assim integrar as crianças aos processos realmente conduzidos e decididos pelos adultos; e a segunda seria acatar continuamente as decisões delas se omitindo assim da condução desses eventos.

Logo, fica claro que estimular a participação na vida familiar é bem diferente de permitir à criança conduzi-la, já que essa condução requer muita maturidade, discernimento e bom senso. Agora pasmem, em nome do amor parental ou desinteresse camuflado por outras responsabilidades, ou ainda em decorrência das transformações que ocorreram na sociedade e até as novas composições sociais, econômicas e familiares, essa confusa situação não é tão incomum assim nos dias de hoje e, em geral, esse aluno também a carrega para a sala de aula.

Agora imaginem a cena tragicômica. Depois dessa modelagem comportamental tão omissa em impor limites, essa criança chega à Escola e se depara com o primeiro adulto em sua vida que lhe impõe regras não flexíveis, ou pouco negociáveis como, por exemplo, copiar, escrever, responder exercícios, fazer atividades, respeitar seus pares, ser avaliado em provas, entre outras coisas. Obviamente, o embate é inevitável e a relação entre professor e esse tipo de aluno geralmente torna-se uma guerra não oficialmente declarada em muitos desses casos. 

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Em situações extremas e que já não são tão raras assim, o próprio professor e todas as normas institucionais que norteiam a sua atividade profissional tornam-se reféns e impotentes dentro do próprio local de trabalho. De fato, percebemos que atualmente as agressões no ambiente escolar são fenômenos crescentes e constantes, sejam elas verbais ou até físicas tanto contra docentes quanto discentes. A sociedade mudou bastante? Quem sabe, alguns justificariam.

Porém, desafio alguém reportar publicamente ter assistido um gari ser ofendido ou deliberadamente ser agredido fisicamente por alguma criança, adolescente ou adulto ao varrer a rua de um bairro. O mesmo desafio serve para outros profissionais como um bombeiro, um médico, um dentista, um engraxate ou um mecânico durante os afazeres de seus ofícios.

O que é preocupante é que cenas de desrespeito, ofensas verbais e até agressões físicas se tornou algo extremamente comum, em especial, nos ambientes escolares. Logo, poderá ocorrer em um futuro bem próximo em outros lugares e situações que ainda são isentas desse absurdo. 

Possivelmente isso esteja ocorrendo com crescente frequência por causa do claro desinteresse de grande parcela da própria população que desvaloriza silenciosamente o processo Educacional e a própria Escola. O mesmo ocorre em parte, por conta de muitos professores que, em geral, assumem uma passiva resiliência em relação a tudo isso, ou raramente confrontam os pais e a própria sociedade com sua própria e intransferível responsabilidade.

Nossas crianças veem os adultos que distraídos não as notam à sua volta e, assim, fervorosamente discutem, inclusive chegando aos insultos eventuais ou naturalmente usam linguajar chulo na frente delas. Esse é o grande problema. Por outro lado, se cada um admiti-lo, isso pode implicar em ter que resolvê-lo. O que significa muito trabalho, ou no mínimo uma mudança significativa de postura e comportamento diante de si, do mundo e das pessoas que orbitam em vida, em especial, às crianças que nos veem como modelos que podem ser seguidos. 

É exatamente aí que reside a raiz da maioria de muitos dos nossos problemas educacionais, há séculos.
O pior é que mudar isso não é tão difícil assim.
Mas a escola não é competente para resolver esse problema, sozinha, porque a habituação desses absurdos, presentes no dia a dia de muitas famílias, também já está se naturalizando perigosamente no ambiente escolar.

> Texto parcialmente extraído do livro “Como Educar uma Criança Chamada Brasil”; editora CDA; 2017; São Paulo)

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Por Flavio Chame Barreto  –  flaviocbarreto.bio@gmail.com

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