A Wikipedia é o quinto site mais visitado do mundo ficando atrás somente do Google, YouTube, Facebook e Yahoo. Isso é um bom sinal para quem lida com a Educação, pois afinal ela é uma enciclopédia construída e mantida por uma infinidade de pesquisadores voluntários oferecendo acesso livre a uma imensa diversidade de informações e saberes.
Exatamente por poder ser editada gratuitamente por qualquer pessoa seu destino lógico seria o caos e sucumbir logo após ser criada em 2001. Mas, curiosamente, não foi isso que ocorreu e ela se transformou em uma das maravilhas da internet a serviço da aprendizagem.
Antes de começar uma chuva de pedras em relação à qualidade e credibilidade dessas informações presentes na rede cabe justificá-la e mostrar as respectivas diferenças. Afinal uma consulta de um verbete na Wikipedia difere bastante de uma simples pesquisa feita de forma aleatória, por exemplo, em um site de buscas tão amplo como o Google.
No começo da Wikipedia para se criar um novo artigo ou modificar um já existente era muito simples e podia ser feito por qualquer um e não era preciso sequer se registrar.
Porém isso rapidamente mudou e o grande segredo para seu sucesso e confiabilidade foi exatamente a imensa fiscalização que passou a ser exercida por uma enorme comunidade de usuários, assim como o estabelecimento crescente de consistentes regras para se criar, alterar e até excluir um verbete.
Essa foi uma diferença fundamental, pois um site de busca comum, como o Google, por exemplo, apenas expõe os diversos resultados de uma pesquisa feita pelo usuário, de forma aleatória, não permitindo que ele participe, interaja, edite ou até discuta o conteúdo de cada um, fiscalizando-o.
Assim a frase: Quer saber? Pesquise no Google - tão comum atualmente, perde um pouco do sentido em relação à confiabilidade do que for retornado em uma consulta nesse site de busca tão genérico.
Já um site específico como a Wikipedia que armazena exatamente o conteúdo desejado e também permite a sua checagem e a discussão dessa informação, aparentemente parece ser mais confiável.
Não é à toa que todas as enciclopédias impressas são repletas de referências que frequentemente são atualizadas para embasar os seus verbetes.
A razão do imenso crescimento com qualidade da Wikipedia, tanto em diversidade quanto em quantidade de artigos, pode também ser explicado, já que geralmente cada usuário contribui com o conteúdo que sabe e domina, para que outros usufruam desses também.
Por outro lado, geralmente esses mesmos usuários também ficam desconfortáveis em ignorar algo informado equivocadamente sobre seus eventuais domínios de saberes e assim uma forte fiscalização naturalmente é exercida, a discussão é aberta e consequentemente o verbete é continuamente melhorado.
Na prática essa confiabilidade nos conteúdos disponibilizados já foi internalizada pelo grande público. Inclusive, é cada vez mais comum, quando o professor aborda determinado tema que realmente interesse ao aluno, que esse estudante na primeira oportunidade navegue curiosamente em seu celular na internet em busca do verbete correspondente.
Da mesma forma, já não é tão raro que o professor use na preparação de suas aulas, além dos livros impressos, materiais da internet e aí, inclui-se consultas de artigos e até imagens da própria Wikipedia.
Esses são fatos irrefutáveis, assim como ainda é infindável a inócua discussão se o aluno deve ou não usar o celular em sala para sua aprendizagem.
Num modelo de ensino tão tradicional há séculos é realmente difícil internalizar que praticamente todos os estudantes possuem um computador portátil disfarçado em telefone celular cheio de recursos em seus bolsos.
Definitivamente, todos nós já reconhecemos que esses aparelhos já não são apenas dispositivos que permitem a edição de texto, mandam mensagens ou efetuam chamadas de telefone.
Hoje, há mais poder de processamento no telefone celular do que a Nasa possuía quando mandaram um homem à Lua há quase cinco décadas.
Quando Neil Armstrong pisou nela em 20 de julho de 1969, não pode fazer, por exemplo, uma selfie e compartilhar seu feito com o mundo. Isso seria algo impensável nos dias de hoje, nos quais qualquer atividade (seja escolar ou não) normalmente é postada e compartilhada rapidamente na Web por qualquer aluno.
Eles sabem que com seu simples telefone celular atualmente podem criar e editar um filme, fazer um programa de rádio, tirar e postar fotos, construírem cartazes, sites, blog, documentos compartilhados, trabalhos em grupo, conversarem e tirarem dúvidas com outros colegas de classe e professores, pesquisarem no Google e na Wikipedia, tudo isso com alguns toques.
Isso é realmente indiscutível, o que leva a segunda questão:
Qual a confiabilidade de uma informação pesquisada, por exemplo, na Wikipedia?
Obviamente quem terá que responder sempre isso é o próprio professor, afinal é muita ingenuidade ele pressupor que atualmente nenhum aluno seu vai pesquisar o conteúdo nessas fontes, seja para estudos ou até para realizar uma tarefa.
Logo, atualmente um eficiente planejamento de aula docente deve considerar a inclusão dessa navegação prévia, pois o embate contra o uso do celular pelo aluno, no ambiente escolar ou fora dele, já é de fato, uma guerra perdida.
Então, por que não usar isso ao seu favor, ao invés de persistir em uma postura tradicional sem nenhum questionamento construtivo?
O próprio fundador da Wikipedia, Jimmy Wales (Huntsville, Estados Unidos, 1966), tinha apenas 3 anos quando sua mãe comprou uma enciclopédia para crianças.
Assim, logo que aprendeu a ler, passou inúmeras horas consultando os artigos ilustrados com fotografias em preto e branco. Atualmente, essas consultas seriam possivelmente on line, contendo vídeos e imagens coloridas.
Ao crescer, já na era pré Google, ele simplesmente utilizou suas economias para lançar um portal na internet realizando seu sonho de infância: Criar uma enciclopédia online que se chamaria Nupedia.
Em março de 2000 junto com Larry Sanger, um doutorando de Filosofia, começaram a trabalhar, pedindo artigos a especialistas, que depois submetiam a um processo com várias revisões, para aí sim publicarem na Web a versão definitiva.
Ou seja, no início utilizavam exatamente o método de trabalho habitual das enciclopédias clássicas. O objetivo era que, com o tempo, a Nupedia se sustentasse com rendimentos publicitários. Mas, após um ano de trabalho, possuíam apenas 21 artigos publicados e somente 150 nos rascunhos.
Realmente precisavam mudar o método, pois estavam próximos do fracasso. Foi quando descobriram que existia uma ferramenta de software chamada wiki que permitia escrever e editar de maneira colaborativa envolvendo várias pessoas ao mesmo tempo.
Na verdade era o mesmo trabalho em grupo feito tão rotineiramente nas salas de aula, só que neste caso, podia envolver pessoas do mundo inteiro e de forma não presencial, onde todos contribuíam, corrigiam e complementavam o conteúdo.
Assim a Wikipedia nasceu em 15 de janeiro de 2001 e em um mês já haviam superado os 1.000 artigos e não demorariam a aparecer edições em francês, espanhol, italiano, alemão, russo, entre outras, chegando hoje a 301 idiomas.
Segundo Jimmy Wales, seu sonho de construir uma enciclopédia livre representa uma ideia inspiradora, emocionante e muito comum para muitas pessoas: “Se você passa algumas horas do domingo pesquisando e escrevendo um artigo sobre algo que domine ou goste, você vai dormir sentindo que o mundo se tornou um pouco melhor”.
Hoje a Wikipedia continua sem ter publicidade em suas páginas e sua única forma de financiamento é apenas por meio de doações. E mesmo assim, milagrosamente, atualmente têm mais de 15 bilhões de visualizações por mês, mais de 47 bilhões de artigos, 72 mil editores voluntários e continua crescendo, apesar do olhar resistente e ainda desconfiado de muitos professores e acadêmicos.
Apesar desse tamanho, ela continua sendo uma instituição sem fins lucrativos com sede em San Francisco, funcionários espalhados por todo o mundo e aproximadamente 90% das contribuições que a mantém vêm de particulares que dão, em média, 15 dólares (aproximadamente 60 reais) por ano.
Provavelmente o número de editores e fiscalizadores voluntários da qualidade dos verbetes continuará crescendo e com certeza, em um futuro bem próximo, esses serão compostos em sua maioria exatamente por pessoas oriundas ou ainda ligadas às salas de aula e às escolas.
Afinal, tanto o poder quanto a credibilidade da Wikipedia reside no fato de que é a própria comunidade que a usa, quem detém o controle total do seu conteúdo.
Assim sugiro fortemente que professores e pais de alunos reflitam sobre isso.
E antes que digam que estou defendendo o uso indiscriminado da Wikipedia ou fazendo propaganda gratuita da mesma em detrimento do papel docente em sala de aula, relembro que o futuro apenas é inexoravelmente mutante e tecnológico, porém nunca os saberes de um professor e a própria Escola poderão ser excluídos dele.
Apenas precisamos aprender como tirar o melhor proveito de tudo isso e inserir esse inevitável futuro em prol da aprendizagem e da Educação de qualidade nesse presente que germina tão rápido entre nós.
> Texto inspirado no livro “Como Educar uma Criança Chamada Brasil”; editora CDA; 2017; SP