(Foto: Reprodução/Facebook)
"A Música Popular Brasileira está órfã de pai e mãe de raiz.
As gravadoras e produtores têm pressa do vil metal"
Mariângela Leal foi uma de minhas inspirações profissionais quando criei e trabalhei em uma extinta rádio comunitária. Tempos depois a conheci pessoalmente e vi que seu perfil combina com a suavidade das ondas que sintonizam a frequência 96,1. Neste mês de junho, ela completa 25 anos de rádio em Volta Redonda, mas o início de toda essa fascinante trajetória você conhece agora.
O começo, marimbondos e hora certa...
Eu já gostava de sonorização, fazia a locução nas festinhas de colégio , tipo correio do amor etc..., pois segundo os colegas tinha uma voz que era legal. Quase sempre era a escolhida como oradora do Centro Cívico do colégio, falar em público já era uma constante, fazia parte do grupo de teatro da cidade, essas coisas. Numa experiência bacana no Sesc (Serviço Social do Comércio) Três Rios onde fazia parte do grupo de teatro, criei com uns amigos numa ocasião na Festa Junina da unidade a "Rádio Ajuricaba", que foi uma sensação pra época, pois eu só tinha 12 anos e já mandava ver na locução.
E a "Rádio Ajuricaba" fez sucesso por alguns anos na Festa Junina do Sesc. Me lembro que escolhi esse nome depois de conhecer a história do cacique manaós Ajuricaba numa semana do folclore também na unidade do Sesc Três Rios. Como eu havia dito antes, ele foi um cacique de uma tribo do Amazonas, que lutou muito pela união de sua tribo para que pudessem se defender do domínio dos portugueses, norte americanos, até chineses. E a palavra Ajuricaba é composta de duas junções do dialeto aruaque falado pela tribo de Ajuricaba. A 1°- Ajuri, significa reunião ou convocação. A 2°Caba,significa marimbondo. Então, Ajuricaba, seria: a reunião dos marimbondos.
"E eu achei interessante essa história,
pois o rádio independente de onde, como
e quando, aonde chegar, sempre vai
informar, tocar e unir as pessoas"
Pois bem, aí surgiu uma oportunidade de fazer um teste para uma rádio local (Regional FM) na minha cidade, sou natural de Três Rios e lá fui eu fazer o tal teste e passei. A rádio tinha um perfil bem jovem. Mas era só para trabalhar de madrugada e eu só podia fazer "cuco" na linguagem da época, só falar a hora certa. Trabalhava de 2 às 6h todos os dias com uma folga na semana. Mas mesmo sendo só "Cuco" eu já achava o máximo. Fui tomando conhecimento como se operava uma mesa de rádio. Tinha menos de um mês que estava trabalhando, um dia lá pelas 5h30 liga o Sr Alberto Lavinas, que era o dono da emissora e não me conhecia, e disse que eu tinha que ler ao vivo uma nota de falecimento de sua mãe. Eu disse a ele que não estava autorizada a ler nada, só falar hora certa. Então ele me respondeu: Você anote aí o texto da nota de falecimento e leia de 15 em 15 minutos por ordem minha e pronto! Assim começou a minha carreira no rádio. E lá se vão 31 anos.
Funções de radialista e locutor.
Radialista é a profissão. Locutor é a função. Hoje eu exerço por ser rádio FM as funções de: locutor (falo ao microfone, gravo vinhetas etc.), operador (opero e comando os equipamentos), anunciador (apresento programas, leio notícias etc.). Esse é o registro na minha carteira profissional. Nem todo locutor é radialista, por exemplo: locutor de carro de som, locutor de supermercado e lojas de departamentos etc. Mas é difícil um radialista não ser locutor.
Com o avanço da internet as pessoas vêm ligando menos para pedir músicas?
Muito pelo contrário, o rádio ainda exerce uma magia. Por exemplo, a voz do locutor, como ele é etc. Muitas pessoas se sentem confortadas com uma palavra em junção com uma música. O rádio é pura magia, não vai acabar nunca nem que seja lá num finzinho de mundo onde não existe quase nada, nem mesmo água encanada, ele vai estar presente na mais humilde casinha e a gente levando essa magia pelo ar. Por exercer essa magia, o rádio não vai acabar nunca. Sempre teremos ouvintes. E eles são fiéis, sabia? Nossa, tem gente que ainda me escuta e lembra quando eu fui da Cidade do Aço FM, quando eu cheguei em Volta Redonda há 25 anos, e me acompanham até hoje agora na 96,1 FM.
O que está acontecendo com a MPB atualmente? Hoje ouvimos forçadamente raras letras com significados e mais batidões.
A Música Popular Brasileira está órfã de pai e mãe de raiz. As gravadoras e produtores têm pressa do vil metal. Por isso investem nessas agressões que chamam de música e ritmos. Mas ainda restam alguns talentos da velha guarda e uns novos, mas escondidos, pois aqui no Brasil é celeiro de bons compositores, letristas, musicistas, poetas etc... Infelizmente não são revelados e os que são não é dado o devido valor, pois não interessa à mídia imediatista.
Como você chegou em Volta Redonda?
Bem, eu depois de trabalhar na Rádio Regional em Três Rios, fui para Petrópolis trabalhar em outro ramo e fiz algumas folgas na Rádio Melodia. Fiquei sabendo de alguns testes. Juiz de Fora e Barra Mansa. Fiz os dois e passei, mas optei por Barra Mansa (que na verdade era para a Rádio Cidade do Aço - Volta Redonda) do Sistema Sul Fluminense de Comunicação. Assim fui admitida em 1 de junho de 1988 na Rádio Cidade do Aço FM - 103,3 para ser folgadora e trabalhar nos fins de semana. Dois meses depois fui escalada para um horário fixo de segunda a sexta-feira, das 22 às 2h. Fiquei na Cidade do Aço até 1996 - quando ingressei na 96,1 FM também do Sistema Sul Fluminense. Na verdade uma transferência de emissora, onde estou até hoje.
E a sua relação com seu público?
Meu público é o que tenho de melhor. Aliás, nós vivemos de audiência. E eles têm um carinho especial comigo, que tento retribuir à altura. E esse episódio foi lá na Cidade do Aço. Tinha um ouvinte que vivia me ligando, lá de Barra do Piraí. Dizia-se apaixonado pela minha voz e por mim... Nessa época eu fazia madrugada (risos). Me chamavam de "a voz de travesseiro". Pois bem, ele insistia em me conhecer, mas eu sempre declinava etc... Um dia ele disse que ia me conhecer de qualquer jeito e que ia na rádio nem que fosse de madrugada (eu entrava às 22h e saía as 2h) e assim foi indo. Aí eu já sabendo disso e com certo receio passei a tomar cuidado, pois esse negócio de fã é complicado. Um belo dia eu estava dentro do estúdio e era mais ou menos 1h30, quando o Seu João, vigia, me disse que tinha um cara lá fora dizendo que queria falar comigo...
Eu já tinha orientado ele a não dizer se eu estava ou não. A vidraça era fumê e eu dei uma olhada. Mandei então o Seu João dizer que eu já tinha ido embora e quem estava era minha secretária ( eu sempre dava a entender que tinha uma pessoa comigo no estúdio, tipo secretária etc...). Ele insistiu e falou o nome etc. Como já estava dando a hora da minha saída, resolvi sair. Nessa época eu ia trabalhar de motocicleta. Então coloquei o capacete saí da emissora pelo portão da frente, ele me abordou e eu disse: "Que a Mariângela Leal tinha saído mais cedo e deixou gravado a meia hora final do programa e que eu era a secretária dela". Ele ficou frustrado, coitado, e não desconfiou que estava diante da própria. Mas foi pra minha própria segurança. Ah, mas na hora que saí, vi em cima do carro dele, um carrão, por sinal, um buquê de rosas e uma caixa que parecia de bombom. O cara era um gentleman realmente, e me ligava sempre, mas a conversa foi tomando um rumo diferente do que era pra ser. Eu fui gentil com ele, como sempre fui com meus ouvintes e ele confundiu tudo.
O segmento musical da 96,1 FM é só de canções "de sala de espera de consultório médico", como diz o domínio público... (risos). O perfil dos ouvintes é eclético?
Sim, ela é uma rádio quase ambiente. O público é eclético sim, mas eu diria "eclético de bom gosto".
As pessoas ligam pedindo músicas e depois que você atende a solicitação elas ligam agradecendo?
Sim, quase sempre ligam agradecendo, e algumas ligam às vezes até mesmo pra saber como a gente está e cria-se até um vínculo de amizade, como diria, "radiovirtual".