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Bate Papo

Carlos Brunno, um poeta em todas as letras

Diante das inúmeras banalidades das teorias rasas que se oferecem atualmente, suas obras surgem na contramão desse varejo literário

Entrevistas  –  07/06/2015 09:57

Publicada em: 26/05/2015 (09:34:51)
Atualizada em: 07/06/2015 (09:57:53) 

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(Foto: Divulgação)

"Ainda acredito que um dia haverá um poeta em cada
esquina, assim como sonhou Bukowski em um de seus poemas"

Quando conheci o poeta Carlos Brunno, por sinal muito bem acompanhado de seus poemas, num sarau em Barra Mansa, percebi que a identificação foi imediata e recíproca. A partir desse dia, a admiração não ficou impressa somente na primeira página. São várias folhas escritas de lá pra cá e seu universo artístico não nos deixa quietos. Diante das inúmeras banalidades das teorias rasas que se oferecem atualmente, suas obras surgem na contramão desse varejo literário, elas permitem uma reflexão sobre nosso papel de leitores que enxergam a poesia de uma forma extremamente necessária e inteligente. Conhecer mais desse seu universo só confirmou o que sempre positivamente suspeitei: O escritor sabe o que fazer com o verbo da Palavra. Confira: 

. Na apresentação de sua última obra, você se define: "é ser humano desde que nasceu e poeta desde quando sonhou". Em que momento esse sonho despertou seu primeiro poema? 

O sonho de ser, escrever, declarar-me poeta despertou mesmo na adolescência (durante a infância, preferia desenhar, adorava construir histórias em quadrinhos; já construía narrativas e poemas, mas através de imagens, criadas a partir de desenhos animados, séries de TV até criar minhas próprias personagens). Do fim do ensino fundamental ao início do ensino médio, tive ótimos professores de português e de literatura (Angela, Ieda, Selma, Marcio Souza, entre outros) que me despertaram para a magia da poesia, fato que formou em mim uma grande base lírica. Somado a isso, estava a paixão pela música, principalmente as canções de pop rock e de punk brasileiras, e um desejo de contrariar o velho jargão da época de que o jovem/adolescente não possuía opinião e/ou não trazia ideias formadas - se me achavam um rebelde sem causa, ok, eu seria um rebelde sem causa, mas com a música, literatura, com a escrita poética ao meu lado. Com meu primeiro poema "Não cantamos mais rock´n roll", levemente inspirado na ideia principal da canção "Veneno", da banda Paulo Ricardo & RPM, participei de um concurso literário intercolegial, em Valença (RJ), me apresentei vestindo um macacão rasgado, o poema ainda amadurecendo, meio preso a rimas, e fui eliminado na primeira etapa - fato que não me importei muito, mas quando vi um fodástico poema de meu colega André Diniz também ser eliminado precocemente aquilo me doeu mais do que a rejeição de meu próprio poema; prometi a mim mesmo que me dedicaria mais à escrita, estudaria todos os movimentos literários brasileiros para desenvolver meu próprio estilo poético, até que eu conseguisse fazer poemas tão bons que, mesmo que condenassem minha postura e trajes, nenhum adulto poderia mais rejeitar minha arte numa pré-avaliação. 

. Em tempos da modernização digital das letras, ainda considera o livro impresso um exemplo de persistência? Acha que os leitores o preferem ou há apenas uma seleta gama de consumidores de livros?

Sou fã das palavras de Ziraldo: a relação com o livro impresso é quase sexual - tem o prazer de tocar, folhear as páginas, sentir o cheiro do livro novo, ter o contato dos olhos e das mãos na superfície das folhas etc. Não condeno os que preferem a forma digital, mas minha relação com os livros é mais carnal; só creio que o livro no formato impresso atualmente precisa ter um estilo atraente, sair da forma comum, precisa ser um objeto tão artístico quanto o seu conteúdo (daí a minha preocupação com o design dos meus livros mais recentes). Acho que temos um grande número de leitores que apoiam esse formato impresso, porém, se pensarmos nas trágicas estatísticas de leitura no Brasil (menos de 50% de brasileiros leem pelo menos um livro por ano), percebe-se um crescente abismo intelectual, extremamente preocupante, que torna os consumidores de livros um grupo seleto contra a corrente do analfabetismo cultural.

. Seus alunos também são leitores?

Creio que sim; pelo menos, estimulo que eles se tornem leitores, afinal, realizo diversos projetos de leitura com eles e, devido ao meu incentivo à produção textual deles, sempre me dedico a fornecer o máximo de leitura, grande parte das minhas aulas são dedicadas à interpretação de textos literários de autores novos e/ou consagrados. Se os alunos desejam se tornarem "poetalunos", "escritores-alunos", "artistalunos", precisam desenvolver o hábito pela leitura, afinal, a arte escrita exige que você faça uso de recursos de linguagem que conquistem um público leitor, e isso só se consegue através do estudo, da leitura, da compreensão/relação harmônica e batalhada com a palavra escrita. 

. O processo de lançamento de seu primeiro livro. Como surgiu?

Eu trabalhava na Editora Valença, em 1997 (estava com 17, 18 anos), e essa experiência profissional me capacitou para entender alguns meandros da publicação de um livro. Como eu trabalhava desde os 15 anos (antes da editora, fui uma espécie de "faz-tudo" no jornal "Correio do Vale"), fui juntando dinheiro, depois busquei patrocinadores (vendi espaços para propaganda nas contracapas do primeiro livro), pechinchei o valor da impressão (como eu trabalhava na editora, tinha conhecimento e participação direta em algumas etapas como o registro, digitação, acabamento, negociação de um material mais barato pra capa etc.) e publiquei a minha primeira obra, "Fim do fim do mundo", de forma independente. Após essa etapa, procurei os administradores do Casarão das Artes de Valença - no caso, eram os profissionais que trabalhavam na Secretaria de Cultura e Turismo de Valença - e agendei o lançamento do livro. Nesses contatos, conheci a fodástica e super-defensora da arte local Ana Vaz, secretária de Cultura de Valença na época, que até me concedeu um coquetel surpresa para o evento, a super-amiga das artes Vivili Marques (que filmou o evento pra mim), o artista plástico Henrique Laurindo (que deu o maior apoio pras minhas primeiras participações artísticas) e o formidável Allabah (sinceramente, até hoje, não sei se acerto a grafia do nome dele), que convidou o Grupo Teatral Arte-Ofício, dirigido por Carlos Henrique Cassiano, para realizar uma performance teatral de alguns poemas de meu livro. Foi um evento maravilhoso, afinal, além de estar publicando meu primeiro livro, pude iniciar um projeto artístico que levo para toda vida: unir várias manifestações artísticas (no caso, literatura, artes plásticas - o Casarão oferecia sempre uma exposição de quadros e esculturas - e teatro) no mesmo evento. Aliado a esse inesquecível lançamento do livro em Valença, entrei em contato com vários "artistamigos" do Rio de Janeiro/RJ, e, durante o lançamento de uma coletânea chamada "Pérgula literária", da qual também participei, realizei uma noite de autógrafos lá também.

. Mestres inspiradores.

Na verdade, escritores (risos): Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Mario Quintana, Manoel de Barros, Álvares de Azevedo, Gregório de Matos, Ferreira Gullar, André Luís Giusti (foi dele o primeiro livro de poemas que eu li, "Chafariz de 80", capturado da estante de livros da minha madrinha Celeste Cicchelli - o estilo poético de Giusti era bastante jovial, de estética marginal, ligado à música de 80, seu estilo poético me seduziu à primeira leitura), entre outros. 

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De A a Z
 

Aplausos - Muitos merecem. Posso citar ao menos quatro? O primeiro aplauso de pé e com muita fascinação é in memoriam e deixo para o mestre de todas as artes, Kareca Giesta, que me estimulou a sempre buscar o intercâmbio com artistas das diversas áreas. O segundo vai para Roberto Esteves Siqueira Jr., autor do livro de "auto-arruda" "Esquenta a cabeça comigo não" e de outros diversos e fodásticos livros independentes de poemas, que sempre me passou altas dicas literárias. O terceiro aplauso vai para a equipe do Coletivasom (Davi Barros, Paulinho, Full Print, Luana Cavalera) que sempre destaca a arte valenciana através de apresentações musicais, eventos artísticos e vídeos-documentários. O quarto aplauso vai para dois múltiplos artistamigos e ativistas culturais de São Gonçalo (RJ): a mais-que-fodástica Janaína da Cunha, idealizadora do Movimento Identidade Cultural e o destemido e incansável defensor da arte underground Rafael Almeida, do Feira Moderna Zine.

Brasil na poesia - Apesar de discordar das posturas políticas de Ferreira Gullar, penso que ele é o maior destaque brasileiro vivo da poesia brasileira. Quando penso em "Brasil na poesia", ou seja, o Brasil se destacando nacional e internacionalmente, logo me vem a imagem desse fodástico escritor.

Canção - "Extraño", da banda Nenhum de Nós (amo demais essa canção!).

Desafios - Os mesmos do saudoso Ariano Suassuna: defender a cultura (no meu caso, acrescento a contracultura) brasileira de qualidade, enfrentando a cultura de massa, cada vez mais destrutiva em sua massificação. Além disso, manter o sonho do artista plástico Kareca Giesta vivo, ou seja, sempre manter o diálogo entre artistas diversos e o intercâmbio cultural.

Escola literária - Sempre tive tendência para o Modernismo e o Romantismo. Mas, hoje em dia, minhas predileções são mais anárquicas e musicais - sigo mais a filosofia da banda punk Ramones: "Faça você mesmo".

Foda-se! - Aos que atropelam nossos sonhos e/ou medem as pessoas por classe social, estilo, rotulação artística etc.

Geléia geral - Sou um vampiro-poeta: absorvo o mundo a minha volta, a arte dos artistamigos a minha volta, o que aprendi de bom e de questionável com todas as escolas literárias que estudei, canções que gravaram em minha mente e tocam sempre o meu coração, psicodelia, um beijo que não dei, uma vida que não vivi, tudo que poderia ter sido e não foi mais o que está sendo e o que pode vir a ser mais eu mesmo que reconheço mas nem sempre conheço, jogo no liquidificador da loucura lúcida e é só servir (deguste com moderação, pois a fórmula é mutante (risos).

Humanidade - Está em extinção. Temos muitos humanos, mas quase nenhuma humanidade.

Inspirações - "É porque trago tudo de fora Violência e dúvida, dinheiro e fé. Trago a imagem de todas as ruas por onde passo. E de alguém que nem sei quem é. E que provavelmente eu não vou mais ver. Mas mesmo assim ela sorriu pra mim". (Biquíni Cavadão)

Já pensou? - Uma viagem: Qualquer canção da banda Mutantes, me leva pra um lugar louco. Um desejo: ter o sentimento de mundo do Drummond. Uma distopia: morro de medo de imaginar o mundo distópico (e cada vez mais atual) do "1984", de George Orwell.

Livro impresso - Parceiro sexual: toco, leio, folheio, durmo com ele.

Mídia eletrônica - É uma democratizadora da informação - permite que fatos e artistas, antes totalmente ignorados, ganhem destaque. Só fica o alerta de que essa mídia, assim como a não-eletrônica, deve se municiar pra não cair no tendencioso, na visão unilateral dos fatos.

Nada contra - Posturas políticas e estilos diferentes, desde que esses não oprimam seus opostos.

Otimismo - Ainda acredito que um dia haverá um poeta em cada esquina, assim como sonhou Bukowski em um de seus poemas.

Primeiros poemas - Eram ainda imaturos, engatinhavam lirismos, mas necessários para a trajetória de amadurecimento artístico (lembrando que o amadurecimento consiste em saber que jamais estamos plenamente amadurecidos artisticamente; sempre há algo pra se aprender, surpreender, transformar).

Quem é o leitor? - O leitor menos passivo, que analisa/reflete as informações que recebe - grande parte, por exemplo, da proliferação de notícias falsas em redes sociais se deve à falta de averiguação dos fatos pelo leitor; às vezes, ele aceita passivamente a primeira informação e passa pelo risco de se tornar virótico, um espalhador de insensatez por não ter tido um olhar crítico/reflexivo diante do que lê.

Rimas - "Mundo mundo vasto mundo se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução", do "Poema de sete faces", de Carlos Drummond de Andrade, ou "Sei rimar romã com travesseiro", da canção "Se fiquei esperando meu amor passar", de Renato Russo (Legião Urbana).

Solidões coletivas - É a solidão contemporânea (estamos conectados ao mundo e, às vezes, temos a impressão de que estamos todos sozinhos - como se cada pessoa fosse "uma ilha" (definição de Humberto Gessinger) -, ao mesmo tempo em que é a solidão do artista, que desenvolve sua arte de forma solitária, buscando o coletivo, ao mesmo tempo em que é o nome de meu blog (onde compartilho minhas solidões escritas e divido o espaço com as solidões escritas de artistamigos por um meio virtual que pode conectar leitores do mundo todo), é o nome do sarau que promovemos constantemente em Valença, onde artistas podem expressar sua solidão artística coletivamente, sem seletividade, sem preconceitos; as solidões coletivas é o paradoxo da liberdade e canto de amor íntimo ao coletivo caos.

Trova - Amo ler trovas (com preferência às trovas escritas pelo professor-atletartistamigo Genaldo Lial), mas sempre tive um certo problema de comunicação com (não todos, mas) muitos autores de trovas, por eles sempre medirem essa forma poética como "superior" aos poemas. Uma forma de arte, só por causa de seu formato, não se sobrepõe a outra; todas as manifestações artísticas devem caminhar juntas, lado a lado (como protesto, pode ver que nem citei uma trova, nem mesmo do Genaldo, que é super-parceiro do Sarau Solidões Coletivas e não compartilha dessa ideia sórdida de supremacia da trova).

Um dedo de prosa - Queria conversar com o "inconversável" (ele é conhecido por se isolar do meio artístico) Dalton Trevisan. Mas imagino que, na hora que estivesse com ele, gaguejaria, não saberia o que dizer, e ele daria aquele sorriso irônico que só os escritores geniais sabem dar.

Vaidade - Minha arte e os projetos artísticos que realizo com o apoio de artistamigos. Não ligo pra roupas de marca, ando descabelado, sou desengonçado, podem me bater, chutar, xingar, não ligo, mas não machuquem meus poemas, nem a arte de meus artistalunos e de meus artistamigos, que eu viro um bicho!

Xícara de café - Contigo, Elisa Carvalho, afinal, sempre trazes uma luz de alto astral para minha alma agarrada a loucas alegrias melancólicas. Até porque também gostaria de visualizar suas reações na entrevista - a entrevista virtual é fodástica demais, abrevia distâncias (geograficamente estamos bastante distantes, mas espiritualmente estamos cada vez mais conectados), traz uma concepção fascinante e permite a desenvoltura do diálogo escrito, mas há sempre aquela impressão de um momento tête-à-tête que ficou ausente (um sorriso ou uma reprovação que a entrevistadora ou o entrevistado dão, mas não vemos; a aura da presença do outro em comunicação com a sua própria aura).

Zzzzzzz - Morro de sono (sim, a hipérbole é super-intencional) de ouvir aquelas criaturas que, parafraseando Cazuza, parecem ter nascido com cara de abortadas e vivem reclamando da falta de eventos artísticos em sua cidade, falta de incentivo à arte, à educação, mas só enxergam o próprio umbigo e/ou jamais aparecem ou dão apoio aos eventos artísticos e educacionais que são feitos. Zzzzzzzzz pra toda "falação" sem atitude, sem ação. 

> Contato: carlosbrunno@bol.com.br

Por Elisa Carvalho  –  elisacarvalho.br@gmail.com

3 Comentários

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  • Andressa Oliveira

    Ele é meu professor e posso garantir que ele respira e inspira poesia.Está sempre tentando nos incentivar a ler e escrever.É um exemplo de professor e ser humano.

  • rosangela carvalho

    Me apossando da expressão favorita do entrevistado....FODÁSTICA entrevista! Parabéns a entrevistadora e ao entrevistado...
    Sempre bom "ouvir", de quem entende, sobre poesia...

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