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Bate Papo

As paisagens interiores de Josemir Tadeu Souza

Ganhador do Prêmio OLHO VIVO 2014 na categoria Poeta fala do seu compromisso com a literatura; confira seus pontos de vista e momentos marcantes

Entrevistas  –  07/08/2015 10:38

Publicada em: 02/08/2015 (12:23:16)
Atualizada em: 07/08/2015 (10:38:39) 

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(Foto: Divulgação)

"Me dá sono esse papo furado de evolução cultural, que vai
terminar sempre em acordes repetitivos de violões mal tocados"
 

Josemir Tadeu Souza, vencedor do Prêmio OLHO VIVO 2014 - Poeta nos conta em um bate papo agradável seu compromisso com a literatura, suas paisagens interiores, seus pontos de vista, seus momentos na greve da CSN em 1988 e as várias catarses que fazem parte da vida do poeta, num tom libertador para as várias inspirações em seus dias. De A a Z, conheça um pouco mais de sua trajetória. 

. Quem nasceu antes, o poeta ou a palavra? 

O poeta é um eterno captador do belo. A poesia faz-se visagem sempre presente, no todo sempre. Poesia está, existe, brinca. O poeta a traduz. Estão viajando juntos pelo tempo. Nasceram um para o outro, juntos. 

. Num panorama geral do país você sente uma mudança positiva no avanço cultural brasileiro?

Elisa, sinceramente? Não! Interesses se misturam. O burgo já estendeu seus tentáculos, e vem sugando de forma drástica proventos resultantes do que veio para ser gratuitamente utilizado em prol do coletivo. Hoje, a começar pelos municípios, a cultura oficialmente deixou de ser do povo... Passou a ser fonte de barganha, para ganhos de oportunistas diversos. A cultura na forma mais abrangente de sua realidade, que é aquela criada pelo povo, que emanou dele, continua viva, pois que é independe de qualquer tipo de órgão para se manter. Ela é simples, vital, e faz-se, mantém-se. Permanece viva e festiva, no dia a dia do povo. Faz-se porque é pura. Alimenta almas. Fortalece a arte. Esta, homem e nem lei nenhuma, conseguirá defenestrar ou tirar proveito, pois que ela é fomentada numa verve incorporada em quem de direito a merece.. 

. Visão política.

Minha visão política é totalmente progressista, de esquerda... Radical, se necessário. Detesto o que se faz escorado e amparado no poder da burguesia reacionária, essa sim, indecentemente incoerente. Democracia a todo custo, e defesa dos ganhos sociais, tais como educação e saúde. São esses os alicerces para continuação de um estado democrático. Sem me aprofundar em detalhes pertinentes a polemicas idiossincráticas, sou um defensor ferrenho da igualdade social, do direito igual para todos, divisão justa de proventos, e democracia pura, mesmo que isso custe revoluções, para que haja total independência de nosso País, em quaisquer aspectos. Militei no sindicalismo durante muito tempo, isso me despertou para a luta constante das classes menos favorecidas. 

. Para encontrar-se com a poesia. Você tem algum ritual de inspiração?

Sinceramente, não... Eu sou em verdade um criador compulsivo. Se estiver em casa, papel e caneta às mãos, ou um notebook, não tem jeito, lá vou eu poetar... Não existe um ritual. Em verdade, a poesia me leva. Danço com ela. 

. A concepção de seu primeiro livro. Foi difícil selecionar os poemas para publicação?

Foi... E muito. Transformei-me num epicentro ativo de incertezas, dúvidas... Coisas oriundas de meu pai, que sempre me dizia que se fosse pra fazer mais ou menos melhor que não fosse feito (risos). Sabe o que é? O que eu faço agora, no minuto seguinte, na releitura, corre um imenso risco de sofrer mudanças profundas. Coisas de Josemir. Ainda bem que o trabalho estava todo pronto, e eu tinha como escolher... Mas foi danado... 

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De A a Z
  

Alma - Minha alma é sedenta... Está agregada ao infinito maior, e traz no bojo tudo aquilo que eu ainda não sei. Gosto de me achegar a ela. Sinto-me bem mais seguro e coerente.

Brasilidade - Plena e arraigada. Somos ainda um povo a ser descoberto. Tal a riqueza que emana de nossas origens indígenas e africanas. Ainda não sabemos, a forma lapidar, do que somos capazes e onde iremos chegar...

Cumplicidade - Interajo de forma bastante clara com a necessidade de me comportar de forma justa. Cumplicio-me a esse ideal. Sei que somente em assim sendo nos colocaremos à disposição de crescermos em espírito, em essência. Sou cúmplice da sinceridade, da verdade, da fidelidade.

Dia - O dia que marcou-me de forma profunda foi quando a gente, numa greve da CSN, estava ocupando a fábrica, em 1988, os soldados entraram soltando porrada, e fomos presos... Acho que esse foi o dia da minha libertação como ser humano, como idealista, como defensor claro de uma causa... 

Estrofe - Geralmente eu sou muito chato com aquilo que escrevo. Sofro de um frisson contínuo de gostar daquilo que escrevo, até o momento que estou concebendo a ideia... Mas tem uma estrofe minha, que fiz esses dias, que gosto muito: "...Se eu lhe der dois beijos, não se assuste. E se num rompante apaixonado, eu me dispuser a deitar-me em seu colo, não me refute. É paz, o que meu sentimento quer". Uma outra, que adoro, é do Toninho Marques: "...Ou alguém que chora pelo tempo, que não passa e quando passa, chora porque passou", da música "Sem sentir passou", de autoria dele... Obra-prima. 

Falta acontecer - O acontecer está diretamente ligado aos nossos objetivos. A liberdade somente acontecerá, se nos dermos a fio a possibilidade de vencermos nossas necessidades, desafios viajores. Muito ainda por descobrir. Muito ainda por entender. E muito, mas muito mais ainda por fazer. Precisamos nos saber, principalmente quando nos sentirmos isentos da hipocrisia e leviandade dessa sede de poder. Essa doença por grupos e tribos. Quando essas picuinhas irracionais e sórdidas tiverem se perdido no tempo, fatalmente o que advirá poderemos avistar o sumo do processo evolutivo.

Gente boa - Pra mim, é aquele que sempre discorda do que eu penso, mas de forma amiga, salutar. Como o Carlos Henrique, o Antonio Carlos, e tantos outros... Gente boa pra mim é aquele que me constrói de forma digna, explorando os meus defeitos, e mostrando-me a nulidade deles. Gente boa pra mim é aquele que trabalha serenamente, sem alardes, sem holofotes. É aquele que nos ensina sem falar, mas fazendo. O Toninho Marques era é um desses. O Isaque Fonseca. O Marcelos. O Dr. Luis... Muita gente... Seria até injusto se me arvorasse a citar todos eles, fatalmente iria incorrer na injustiça de esquecer algum. Gente boa pra mim tem o dom eterno da magia de saber ser e estar.

Hoje - Hoje eu não me permito iludir, mesmo porque na idade em que estou, eu já criei várias gambiarras de alerta... Mas como sou um visionário, de vez em quando, piso em falso. 

Ilusões - A partir de uma determinada faixa de nossa vida, ilusões e sonhos bifurcam-se... Mas no hoje, até por uma questão de vivência, costumo manter os pés bem fixos ao chão que piso... Questão de ter passado por várias. Ter vivido várias. Hoje eu sou bastante precavido com as ilusões, embora tenha de reconhecer que ainda as tenho...

Justiça - É o que dá corpo a um sistema onde todos sejam beneficiados, de forma honrada, séria, compromissada. A cada um o que é seu. O que o seu talento permite que ele possa construir. O respeito pelas criaturas, oportunidades iguais, condições de vida, dignidade... Justiça pra mim é isso.

Livro - "Lobo da estepe" (Hermann Hess).

Música - "Amanhecer" - Taiguara.

Natureza - Sempre me inebria com sua espantosa capacidade mutante. Ela nos dá o dito e o contradito. Joga aberto, de forma bem concreta, pois que nada esconde. É o tudo e o nada. É farta, e falta. Muda e falante. Ela se faz fundamentalmente do que concebemos sobre ela. Às vezes me pergunto se a natureza existe realmente, ou se ela é fruto das traquinagens do nosso cérebro.

Obrigado - Gratidão sempre. Pelo dom. Pelo som. Pelo tom. Pelas pessoas boas, pelas portas fechadas e abertas. Pelos meus entes queridos. Pelos amigos de fé. Pelas poesias, e por poder fazê-las. Pela mulher amada. Enfim, gratidão sempre!

Paixão - Eu sou um eterno apaixonado... Tudo o que me encanta desperta em mim o alerta da paixão forte, aquela que abarca, cerca e prende. Gosto disso... Me mantém vivo...

Quase lá - Ainda me falta muito pra chegar lá. Acredito piamente que jamais chegarei, mas sempre carregarei o sonho, o desejo, de chegar lá. Esse é o combustível. A dinâmica, o movimento. O não desistir nunca. Acreditar sempre nos lampejos, nos rompantes, nos desejos. E saber-me infinito.

Religião - Espírita. Ávido por energias e vibrações boas. Intensamente inspirado pelo desdobramento das diversas vidas. Um confiante viajor das várias existências de uma vida cabalmente eterna...

Saudosismo - Sou sim um extremado saudosista de tudo aquilo que fez história, se eternizou. Os festivais de música de Volta Redonda. A cultura de Volta Redonda, riquíssima em todos os sentidos e que à época não mantinha relações com trocas de favores... Não dependia de políticos, de nada... Vinha do coração, era libertária, idealista, pura e altamente politizada. E era farta, sem grupelhos ou camarilhas... 

Três desejos - Meus desejos são tantos, Elisa, que um dia inteiro seria extremamente pouco para falar sobre eles. Quero vivê-los um a um. Não me considero incapaz de atingi-los, mas fico ansioso, quando sinto que querem fechar meus pontos de passagem...

Universo - É imenso... Um caminho sem quaisquer indícios de fim... Uma capacidade incrível de despertamento. Um ponto de admiração plena. Meu universo é muito bonito.

Verdades - Minhas verdades são nada discretas. São portas escancaradamente abertas, e faço questão de mantê-las dessa forma. Mas quero sempre expressá-las pelas atitudes, e não pelas caras e bocas. 

Xícara de café - Tenho um respeito extremo por uma xícara de café... E por respeitar solenemente esse gesto, são raríssimos os que desfrutam comigo desse gesto... 

Zzzzzzz - De dormir profundo, para essas mesmices que por aí continuam a despertar velhos e mais do que conhecidos derrotados. Esse papo furado de evolução cultural, que vai terminar sempre em acordes repetitivos de violões mal tocados.

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Por Elisa Carvalho  –  elisacarvalho.br@gmail.com

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