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Bate Papo

Robertho Azis e o suave ofício da criação musical

Nascido em Três Rios, com formação musical erudita, vive de música desde que se conhece por gente

Entrevistas  –  31/03/2016 09:46

Publicada: 24/02/2016 (09:40:23) . Atualizada: 31/03/2016 (09:46:17)

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(Foto: Divulgação)

“Aqui na região está muito complicado, a gente tem que praticamente pagar para cantar; os restaurantes e barzinhos visam o lucro e já faz um tempo que não nos apresentamos nesses locais”

Estávamos lá de passagem. Numa cidade pequena concorríamos num festival de música, cada um com sua história pra cantar. Ao ouvir a canção “Imensurável”, que era concorrente da nossa, senti que minhas veias artísticas paralisaram de tão encantadora poesia dentro da letra, interpretação, arranjo. Silenciei e deixei que ela fizesse morada permanente aqui dentro, que fosse meu hino (como até hoje é). Aquela música cantava para mim e para os jurados que a consagraram mais uma vez campeã. Não perdi tempo lamentando a não vitória. Perda de momento. Minha admiração me levou até o compositor Robertho Azis para lhe agradecer por traduzir tão bem a arte que convive (às vezes bem às vezes mal) com o artista. Para compensar a distância, fico escutando as canções que estão no CD autoral que gentilmente ganhei, ficamos amigos e conversamos na rede social. Foi através dela que registrei este ótimo bate papo, resultando num “De A a Z” completamente inusitado e especial. Conheça! 

Gênese... 

Sou nascido em Três Rios. Minha formação musical é erudita pelo CBM/RJ Conservatório Brasileiro de Música. Vivo de música desde que me conheço por gente e ela está presente em minha vida. Trabalhei por 12 anos no Sesc como regente dos corais e continuo a função de maestro e arranjador pela Prefeitura de Três Rios desde 2000, entre outras funções. 

A composição...

Surgiu nos meados dos anos 80 quando comecei a migrar da música erudita para a música popular. Os festivais foram os grandes motivadores do meu ofício de composição. Que me recordo, o primeiro festival que participei foi na minha cidade chamado: Conclave. Isso foi por volta de 1980 se não estiver enganado, de lá pra cá tenho participado de festivais, mostras de música pelo país todo com grandes conquistas graças a Deus. 

Geralmente componho todas juntas: letra e música. Tenho alguns parceiros que fui agregando ao longo da caminhada. De uns tempos pra cá tenho ficado mais aberto à novas parcerias.

A parceria que mais fiz foi com o Ronald Saar. Geralmente ele me passa a ideia, me dá um rascunho com sua letra, sentamos e a formatamos. A melodia geralmente fica comigo mas também tem "pitacos" do Ronald na forma de cantar ou de conduzir a canção. 

Festivais de música... 

Os festivais são a meu ver, e posso dizer que é opinião de outros amigos festivaleiros, um movimento de resistência da Música Popular Brasileira. Teve seu auge nas décadas de 70/80 com os festivais da Globo, Record e de lá pra cá foi engolido a princípio pelas grandes gravadoras que priorizavam a quantidade ao invés da qualidade. 

Existem festivais de música o ano inteiro, de janeiro a dezembro. Só que a divulgação dos mesmos é precária e quem investe neles são pessoas abnegadas que assim como nós mantêm a duras penas tais eventos através de patrocínios ou com aval das prefeituras municipais. 

Claro que com a crise e as verbas escassas, a cultura, como sempre, fica em segundo plano. Ano passado já sentimos isso ao ver alguns festivais de tradição tendo que interromper suas edições devido a falta de recursos. Uma pena, mas é real. Este ano acredito que o cenário deve se manter o mesmo, com alguns festivais deixando de ser realizados por falta de verba. 

O público... 

Você sabe de uma coisa? Por incrível que possa parecer, o número de jovens, adolescentes que vão aos festivais tem nos chamado muito a atenção ultimamente. Eles vão, torcem, aplaudem, pedem autógrafos, tiram fotos. Há uma grande parcela de jovens alienados é verdade, mas acreditamos, e é isso o que nos move a continuar dando "murros em ponta de faca", que por falta de opção, por falta de escolha ou comparação de estilos é que essa rapaziada acaba sendo influenciada pela mídia do momento, sertanejo universitário, funk etc. E vale ressaltar que o rock nunca esteve tão presente nos festivais. O que aconteceu em Mendes ano passado, por exemplo, a quantidade de grupos de rock com uma rapaziada nova foi interessante. A meu ver é questão de "alfabetização musical" apresentar João Bosco, Ivan Lins, Tom Jobim, Martinho da Vila, Elis Regina para essa juventude para que talvez tenhamos jovens mais críticos e tendo acesso aos vários estilos de nossa MPB. 

Shows... 

Aqui na região está muito complicado, a gente tem que praticamente pagar para cantar. Os restaurantes e barzinhos visam o lucro e já faz um tempo que não nos apresentamos nesses locais. Devemos fazer um show no teatro da minha em breve. Além disso, devemos nos apresentar no CAER Clube Atlético Entre Rios. Há uma proposta de se fazer toda a última sexta-feira de cada mês um show com pérolas da MPB. Estamos confiantes que dará certo.

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De A a Z

Assim como a música, os provérbios (que são ditos populares que transmitem conhecimento sobre a vida) são definidos “De A a Z” pelo compositor. Confira!

A...  

Água mole em pedra dura tanto bate até que fura - A insistência em manter e divulgar nossa arte, nossos valores é que nos faz "bater em pedra dura" e furá-la. Vivemos em uma época consumista onde nem sempre o que nos é "oferecido" é o essencial. Aí vale o provérbio.

B... 

Boca calada não entra mosca - Observo mais e falo pouco. Talvez seja um traço de minha timidez que me fez observar em quantidade e falar com certa qualidade. Dizer ou não? Ser ou não ser, eis a questão. Em tempo de solidão canto com Alceu Valença: "A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do tempo, E faz nossos relógios caminharem lentos, Causando um descompasso no meu coração." Em tempos de solidões... calar ou falar, a boca é a mesma. Com pesos e medidas diferentes para situações diferentes. 

C... 

Cão que late não morde - Vivemos em um momento atípico. Descontrole total e ao mesmo tempo uma obstinação em se punir aqueles que causam desconforto e descontrole. O momento político mexe com nosso sentido de segurança, creio e vejo dessa forma: precisamos dos desconfortos e desajustes para reajustar ou pelo menos tentar ajustar as rédeas soltas de nosso momento. O cão pode não morder, mas que faz barulho ah... isso faz e o barulho nos acorda!

D... 

Devagar com o andor, que o santo é de barro - Ansiedade é o mal do século sem sombras de duvida. Todos querendo muito em tão pouco tempo e essa "gula" não nos permite digerir ideias com a calma que necessitamos e acabamos por deixar inacabados os planos, sonhos, vontades e acumulamos as frustrações cotidianas e isso não é legal. Nada nos satisfaz e sempre queremos mais em menos tempo. Sério isso. Lidar com meus monstros não é algo fácil. Respirar e contar lentamente até 10 às vezes ajuda um pouco, diz o ditado que "o apressado come cru" adiciono que: O ansioso faz pela metade ou faz a metade de seu intento. É o grande desafio. Dizer que sou ansioso seria mentira, mas dizer que não sou também o seria. Bem vindo à dualidade! 

E... 

Em terra de cego quem tem olho é rei - Sem dúvidas! isso me remete à frase "Pão e circo" mais apropriadamente o Circo nesse caso. Não há interesse em transformar nosso país em um terreiro de letrados e questionadores, isso sempre representou um risco aos "princípios" regentes onde os que mais têm, mais precisam subjugar, coagir, ludibriar as castas "inferiores". É isso que fazem esses "Pastores dos castelos de areia". A "lei do Gerson" está presente nas pequenas coisas do dia a dia. Educação é palavra proibida. Veladamente o termo "É Proibido proibir" não acontece.

F... 

Filho de peixe peixinho é - Minha mãe é pianista. Aprendi o ofício através dela. Acho que passou de mãe para filho a arte. Não tenho filhos, ou melhor, tenho três meninas - Sarah, Elis e Suzy - filhas de quatro patas as quais amo de paixão. Quando percebo que um aluno tem vocação, dom, ou o que queira chamar, eu incentivo, valorizo e chamo pra perto. A arte tem seus mistérios e quando escolhe alguém, esse alguém deve ser estimulado e incentivado. Eu ajudo no que posso para que ele se desenvolva e cresça. 

G... 

Gato escaldado tem medo de água fria - Razão nos centra, nos pauta. A emoção nos eleva e nos atiça. As duas se completam, se precisam. Frustração; não compactuo com ela. Não sei se existe. Acredito que tudo tem seu tempo e se não acontece é porque não tinha de acontecer ou ainda não aconteceu. A maturidade nos leva a olhar as coisas através de novos prismas e situações. Sensibilidade é o combustível da emoção! Sempre renovável. Não termina. Principalmente se os fins foram alcançados ou parcialmente alcançados. Faria a trajetória novamente mesmo sabendo dos percalços. Talvez precisasse mais da emoção dos adolescentes do que da razão dos experientes. (risos)

H... 

Há males que vem para o bem - Ver as coisas pelo lado bom e esperar sempre uma solução favorável a meu ver não compromete o otimismo e eu prefiro pecar pelo excesso do que pela ausência dele. Lido com situações adversas sempre tendo em mente de que, embora pareçam definitivas, são e serão circunstanciais e passageiras. Nesse momento nada melhor do que uma dose a mais de otimismo.

I... 

Imita a formiga e viverás sem fadiga - Somos cobrados o tempo todo. Nos pedem "Mais resultados!!" e com isso o qualitativo às vezes dá lugar ao quantitativo. Essa busca desenfreada pelo consumismo de rápidos resultados acaba nos levando à repetição de fórmulas e receitas de "sucesso" questionáveis. Não corro, eu ando. Não me cobro por não correr, chegarei do mesmo jeito no mesmo lugar.

J... 

Junta-te aos bons e serás um deles - Eu sou um amador no sentido de amar e acreditar nas pessoas e projetos. Dói se desencantar mas me purifica. A única influência que me pauta são os meus valores. Intuitivo? Talvez assertivo é o que busco ser.

L... 

Ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão - Lei de Talião. Vivemos guerras veladas. Santas religiões se digladiando por membros iludidos, crimes de guerra, execução sumária de nossos direitos. O certo e o errado, o santo e o profano. O que é o certo? Uma pergunta de difícil resposta. Não sou favorável a frase "Pau, pau, pedra pedra" "Toma lá dá cá" mas também não sou tão elevado ao ponto de "oferecer a outra face".

M... 

Mais vale um pássaro na mão, do que dois voando - Já tive o privilégio de viver essa experiência. Morei por três anos fora do Brasil vivendo de música. Foi muito enriquecedor. Trabalhei com música em Orlando, Miami e Nova York. Não sou tão aventureiro, mas na época fui ousado. Arrisquei algo novo e gostei do resultado. Hoje eu voltaria sim. Principalmente pela situação atual do país. Desmandos e egos inflados desconstruíram tudo o que era possível para uma estabilidade. Talvez fosse mais difícil recomeçar em outro país, outra cultura. Mas, quem não arrisca não petisca. (risos)

N... 

Nunca diga nunca - Uso essa frase. Nunca digo que nunca vou fazer ou não fazer isso ou aquilo. As relações humanas são complicadas e por vezes ambíguas. Essa mistura de "morde e assopra" é complicado. Ninguém gosta de ser maltratado. É filtrar o que vale a pena e o que não vale. Escolhas são cruciais nesses dias tensos. 

O... 

Os cães ladram e a caravana passa - Triste de quem vive da opinião alheia. Somos narcisistas e perfeccionistas e lógico, quando somos postos à avaliação de terceiros, tal avaliação não é o que esperamos, não aceitamos prontamente. Ainda mais artistas com nossa síndrome de Deus da perfeição. Críticas sempre nos incomodam, mas faz parte do processo de aperfeiçoamento e de crescimento. Só mudamos quando somos postos à prova.

P... 

Pimenta nos olhos dos outros é refresco - Não sou nenhum santo, tenho meus defeitos e virtudes também. Tento não culpar o "outro" pelos erros do mundo. Colocar-me na posição contrária ajuda a ver por outro prisma, mas sei que sendo humano é natural querer se esquivar e colocar a culpa em terceiros. É um exercício diário com êxitos e fracassos.

Q... 

Quem com ferro fere, com ferro é ferido - Sim. No tempo "Dele" não no nosso. Isso nos angustia, pois parece que a impunidade campeia, mas não. “O universo conspira para o bem”. Acredito na força maior, na cobrança exata, no peso certo. Como na mitologia egípcia que conta que Anúbis o deus da morte pesa nosso coração em uma balança e de outro lado coloca uma pena. O peso justo é o coração leve como a pluma. Quem faz o mal, quem lesa, quem ludibria não tem o coração leve.

R... 

Rir é o melhor remédio - "Um dia quero mudar tudo, No outro eu morro de rir, Um dia tô cheio de vida, No outro não sei onde ir, Um dia escapo por pouco, No outro não sei se vou me livrar, Um dia esqueço de tudo, No outro não posso deixar de lembrar" ( “Bom dia” - Paulo Freire e Swami). Rir de nós mesmos faz um bem danado e nos causa leveza. O mundo está tão chato como na poesia de Álvaro de Campos: "Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo?" As relações devem e precisam ser humanizadas. Eu convivo bem com meus humores. (risos)

S... 

Saco vazio não pára em pé - Tenho certeza de que como em qualquer classe profissional, devemos ser respeitados e respeitosos com quem nos contrata. Tocar por cerveja, por um prato de comida é deplorável, além de humilhante. “Quem muito se abaixa aparece os fundos” a "Lei do Gerson" não rola. Quem se sujeita a isso com certeza não estudou anos a fio, não comprou instrumentos e aparelhagem de som de qualidade para melhor atender ao público que vai escutá-lo.

T... 

Todos os caminhos levam a Roma - Sim creio. Makutb. Creio em vidas passadas em caminhos que se cruzam Sim! é tudo uma questão de crença. Respeito quem não crê, mas, eu acredito sim em almas gêmeas, em vidas que se retornam juntas para quitar pendências. Tenho uma canção chamada "Amor da vida inteira" que relata mais ou menos essa crença. "Meu amor da vida inteira, pedra da minha pedreira. Quando a hora derradeira por fim se anunciar e Anúbis com seus braços um do outro afastar, que a ausência seja breve, que a espera seja leve. Que o universo então conspire inteiro a nosso favor, que confirme o oráculo, os búzios, o Tarôt, Com as bênçãos de Olorum e todo o nome que se dá, Yanmandú, Krishna. Com as bênçãos de Olorum e todo o nome que se dá: Deus, Javé, Allah."

U... 

Um dia da caça o outro do caçador - A lei do retorno. Cruel com quem usa para o mal. “Quem oferece sorrisos recebe gargalhadas”. Quem pratica o bem recebe o bem, quem pratica o mal recebe o mal.

V... 

Vão-se os anéis, ficam-se os dedos - Mundo do "vil metal", dos "Meus Bens" ao "meu bem" (risos). Materialismo e consumismo. Vivemos nele, estamos nele não podemos fingir que não existe. Creio que temos de balancear as coisas. Alguns anéis irão embora. Alguns dedos se perderão. Mas no final das contas entre dedos e anéis, se usarmos o bom senso, ainda teremos ambos para usar.

X... 

Xícara de chá - Chá? (risos). Eu costumo usar a frase "Temos que tomar uma cerveja" para dizer que preciso conversar sério (risos). Com quem tomaria uma xícara de chá? Chá mate bem gelado com rodelas de limão para aplacar esse calor danado. Tomaria com amigos próximos. Para quê? Para futilidades, pois o mundo já está muito chato e nada melhor do que falar baboseiras, dar risadas com quem a gente gosta de estar perto.

Z... 

Zzzzzzz - Não tenho tempo para gente chata, gente mala, gente que se acha. Cito uma parte do mesmo poema de Álvaro de Campos: "Quem me dera ouvir de alguém a voz humana Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia; Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia! Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam. Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil? Ó príncipes, meus irmãos, Arre, estou farto de semideuses! Onde é que há gente no mundo? (“Poema em linha reta” - Álvaro de Campos ou heterônimo de Fernando Pessoa). 

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Por Elisa Carvalho  –  elisacarvalho.br@gmail.com

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