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Talentos Sem Fronteiras

Ana Flora, melhor cantora no Focus Brasil Award Milão 2018

Nascida em Arcoverde, município de Pernambuco, ela chegou à Itália nos anos 90 e conta como foi sua trajetória até aqui

Entrevistas  –  06/01/2019 11:23

 

0Ana Flora

(Foto: Divulgação) 

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“É muito importante para o artista, que não trabalha com uma coisa fisicamente concreta, saber que deixou alguma coisa na vida das pessoas; foi muito importante pra mim saber isso; isso me faz muito, mas muito feliz” 

(Ana Flora)  

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A perseverança e a vontade de viver daquilo que amam e sabem fazer fizeram, e ainda fazem, com que diversos brasileiros busquem no país alheio reconhecimento de seus talentos e uma maneira de sobreviverem única e exclusivamente de seu ofício. Nos anos 90, a música brasileira era muito presente em Milão, na Itália. Não estou falando aqui dos cantores famosos no Brasil contratados para turnês, mas de brasileiros profissionais da música, sem visibilidade no Brasil, que atravessavam o oceano e arriscavam ganhar a vida ali com seu talento. Havia diversas bandas de diversos estilos musicais. Estou falando de Milão por conhecimento de causa, mas, assim como ali, em outras cidades da Itália como Florença, por exemplo, a música, os bares e as boates genuinamente brasileiros eram uma tradição. 

Cantores como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Chico Buarque, Toquinho, Vinícius, João Gilberto, Djavan, Elis Regina e os dois Tom(s): o Zé e o Jobim, eram referências para as bandas de cantores brasileiros e italianos. O mercado italiano não era, e ainda não é, grande, mas a quantidade de locais brasileiros noturnos o colocava como uma época de ouro para a música brasileira e, embora não prometesse tirar os talentos da invisibilidade, era uma oportunidade de trabalho para os artistas “invisíveis” no Brasil, especialmente àqueles que pretendiam se estabelecer na Itália por um bom tempo. 

A música brasileira formou um elo entre imigrantes brasileiros e os italianos. Os brasileiros, não só conseguiam mostrar seu talento, como também mostrar um Brasil que muitos não conheciam. É claro que, de grão em grão, esse povo brasileiro que partiu em busca de oportunidades fora do país, de certa forma, por meio do seu trabalho, foi fazendo o melhor marketing de turismo italiano para o Brasil, pois, à medida em que se apaixonavam pela música brasileira, crescia entre os italianos a vontade de conhecer o país que dava origem a tantas belas canções. 

Esses artistas em busca do sonho dourado, não de fazerem fama, mas simplesmente de sobreviverem daquilo que amam e nasceram para fazer - haja vista que um artista não é melhor em nada mais do que em ser artista -, ao levarem a música popular brasileira ao conhecimento dos italianos, os colocaram no ranking do turismo brasileiro, embora a maioria pense que o interesse dos italianos em excursionar pelo Brasil tenha partido apenas do talento de alguns no futebol e da bela cor das mulheres negras e mulatas com samba no pé, excursionando pelas cidades europeias. Aliás, euforia italiana por esse último, na minha concepção, parecia mais o retrato de uma mentalidade machista e racista, o oposto da euforia deles pela música brasileira, claro, especialmente as músicas de grandes intérpretes, que acentuava o bom gosto desse povo europeu nascido com a arte no sangue, na veia e no coração. 

Ana Flora faz parte dessa gama de brasileiros que deixou o Brasil e foi mostrar seu talento fora dele. Nascida em Arcoverde, município brasileiro do Estado de Pernambuco, pedagoga e cantora de profissão, ela chegou à Itália nos anos 90, bem no auge dessa era de ouro da música brasileira por lá. Ana Flora batalhou pelo seu espaço ali e, aos poucos foi ganhando popularidade. Vencedora do prêmio Focus Brasil Award Milão 2018, ela conta nesta entrevista como foi sua trajetória até aqui. 

Confira a entrevista com Ana Flora 

A pergunta que é de praxe e que não quer calar: Como se iniciou seu contato com a música? 

Aos 17, 18 anos, comecei a frequentar o grupo de jovens da igreja católica no Recife, na Igreja de Boa Viagem, onde comecei a tocar violão e a cantar. A música, por uns dois anos, ficava ali, naquele mundo. Depois, quando entrei para a faculdade de pedagogia, comecei a cantar em bares noturnos. Mas nada de profissional. E foi ali que conheci um cantor do Recife Gustavo Travassos, hoje diretor do Galo da Madrugada, que algum tempo depois me convidou para cantar no seu grupo. E eu deixei tudo para acompanhá-los nas noites do Recife, Fortaleza, Manaus, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro, onde tive o privilégio de ter o meu show dirigido, no Mistura Fina, pelo grande Paulo Moura, e, desde então, venho me dedicando à música, inteiramente. 

Você teve alguém como referência desde cedo, ou partiu para uma referência depois de amadurecida de que era isso o que queria realmente de profissão? 

Minha inspiração musical partiu do primeiro disco que ganhei de presente pelos meus irmãos: Elis e Tom. A bossa nova foi minha inspiração. Mas entre Elis e Tom, estavam Chico Buarque, Gil, Caetano... Em suma, a música popular brasileira no geral me inspirou, mas, especialmente Elis Regina. 

Como foi sua estreia em Milão? 

Vim para a Itália em 1990, convidada, por um produtor musical italiano para fazer uma turnê de três meses pela Sicília, com músicos e bailarinos brasileiros, escolhidos a dedo por esse produtor musical.  Ao final dessa temporada de três meses, no aeroporto, com as malas nas mãos para pegar o voo de volta ao Brasil, decidi ficar na Itália. Na Sicília. Em setembro de 1995, no dia do meu aniversário, vim para Milão trabalhar com um grupo musical por um mês, substituindo a vocalista deles que estava viajando. Fiquei impressionada com a qualidade musical aqui, com a quantidade de locais para cantar, com o público eclético que dançava tudo. Minha estreia foi no “Brasil Samba” em Milão e em Milão fiquei. Não voltei mais para a Sicília. Salvo para shows. Conheci músicos maravilhosos em Milão. Eu devo muito à Itália. Devo muito ao Brasil.

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"Milão é uma cidade que te proporciona tudo. Rica culturalmente. Rica em todos os sentidos. É uma cidade onde você faz música em diversos locais como teatros pequenos, bares..." 

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Fale um pouco sobre os prêmios que ganhou pela vida afora, anteriores a este de 2018. 

Em 2008 fui premiada num evento para cantores latinos, como melhor cantora de língua portuguesa na Itália. Tive algumas alguns prêmios em shows de encontros entre músicos profissionais, inclusive um show que unia teatro e música homenageando Vinicius de Morais nas suas poesias e músicas, com a atriz Luci Macedo.  

Você tem um público brasileiro muito grande, mas também, entre eles, tem italianos. Como você sente a relação do seu público italiano com a música brasileira? 

O italiano vem ouvir a minha música. Ou porque me conhecem, ou porque conhecem a cultura do meu país, ou porque querem conhecê-la. Eles vêm porque gostam, e então eu me sinto privilegiada por isso. 

Você teria alguma dica para dar a um artista brasileiro, independente da área, que hoje busca uma chance para mostrar e viver da sua arte em Milão? 

Milão é uma cidade que te proporciona tudo. Rica culturalmente. Rica em todos os sentidos. É uma cidade onde você faz música em diversos locais como teatros pequenos, bares... Mas viver da música, somente da música, é um pouco difícil. Então a minha dica é: Muita determinação, foco e leveza. 

Como foi para você receber o prêmio de melhor cantora na Focus Brasil Award Milão 2018?

Pra mim, na realidade, foi um pouco uma surpresa, porque, há alguns anos, não estou trabalhando em cenários puramente brasileiros aqui na Itália. Hoje, em Milão, eu canto bossa nova, MPB, mas em locais que não são frequentados por brasileiros. Então, realmente, esse prêmio foi uma grande surpresa. Eu me senti honrada. Eu me sinto honrada. Fiquei muito feliz porque pensei comigo mesma: “Pô, cara, eles lembram de mim! Eu passei na vida das pessoas. Deixei alguma coisa”. Nem sei mais o que dizer, mas é muito importante para o artista, que não trabalha com uma coisa fisicamente concreta, saber que deixou alguma coisa na vida das pessoas. Foi muito importante pra mim saber isso. Isso me faz muito, mas muito feliz.

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Por Rita Procópio  –  ritafprocopio@hotmail.com

2 Comentários

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  • Carlos Alfredo

    Oi, Rita!
    Adorei a matéria. Adorei conhecer a história da Ana Flora. Eu morei em Milão nos anos 80. Deu saudade. Nos anos 90 eu já estava bem longe. Mas vcs estão de parabéns. A gente tem mania de pensar que por sermos estrangeiros não temos chance. É isso aí. nunca foi fácil, mas o primeiro passo, pra saber se vai dar certo tem que correr atrás, não é? Parabéns, para você, parabéns para Ana Flora! Abração. Vou continuar seguindo seus passos. Adoro seu trabalho.

  • Martha Pontes

    Parabéns! Muito bom. Revivi momentos no seu texto da Milao dos anos 90, quando havia um certo glamour nos travestis lindíssimos, bem vestidos, espalhados por determinadas ruas das cidades e da animação dos bares brasileiros esbanjando o talento de artistas brasileiros e italianos que trabalhavam com musica brasileira ali. Passou um filme na minha cabeça. Ta2muiro show a entrevista. Nota 1000!