(Fotos: Divulgação)
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“Com racismo não há democracia, visto que onde uma opressão está o outro não se instaura”
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Protestos antifascismo ganham visibilidade na imprensa mundial. Agremiações identitárias articulam-se nas redes sociais e em atos pelas ruas. O Brasil e os Estados Unidos protagonizam protestos, assim como o crescente avanço do contágio e número de óbitos, devido à pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
Assistente Social com formação pela Universidade Federal de Uberlândia (MG), a pesquisadora e educadora social Mireile Martins, promove debates sobre políticas de Estado e governamentais, entre a sociedade civil organizada e agentes públicos. A inclusão, o respeito às diversidades, a proteção à vida e a defesa do regime democrático constituem o foco de militância da paulista.
Confira a entrevista com Mireile Martins
. Protestos contra o racismo disseminaram nos Estados Unidos e em outros países, após o assassinato do cidadão negro George Floyd, em maio de 2020, por um policial branco. Como você avalia essas manifestações no Brasil?
Acredito que as mudanças e transformações na sociedade ocorrem a partir da ebulição dos movimentos sociais, e esse trágico episódio do assassinato de Floyd faz ebulir uma movimentação sobre as pautas raciais que desde há muitos anos o Movimento Negro Brasileiro vem reivindicando como algo urgente e necessário. O Brasil é o país que a cada 23 minutos extermina um corpo negro, e lembro aqui de Marcus Vinicius da Silva, 11 anos; João Pedro, 14 anos; Evaldo, atingido por 81 tiros; Luana Barbosa, espancada; Claudia Ferreira, arrastada e tantas/os outras/os. Os protestos e a luta no combate ao racismo deve ter continuidade até que nossos corpos não sejam mais violentados, exterminados pelas mãos do Estado, por meio da polícia.
. Os protestos antifascismo no Brasil são alinhados às mobilizações nos Estados Unidos. Quais as vantagens e significado do alinhamento?
O alinhamento nos protestos, a meu ver, são positivos e deixa em evidência o que temos em consciência, que são tempos políticos assustadores, tempos difíceis para a democracia, tanto no Brasil como nos Estados Unidos. Neste sentido, não há outro caminho senão este, de organização política para enfrentamento à extrema-direita.
. Como você relaciona democracia e racismo?
Não há como relacionar democracia e racismo quando vivemos em uma realidade que as opressões de raça/etnia se constituíram como a base dessa sociedade, sendo o racismo estrutural e estruturantes das relações sociais. A democracia é inconcebível, se não há enfrentamento à violência policial, ao genocídio da juventude negra, se não há garantia digna de acesso à educação, saúde, habitação, ao lazer para população negra; se não há participação da população negra em cargos de decisão. Penso que com racismo não há democracia, visto que onde uma opressão está o outro não se instaura.
. Quais reflexões movimentos sociais como Coletivos de Mulheres Indígenas e Movimento Vidas Negras Importam têm a oferecer à sociedade brasileira?
Esses são movimentos e coletivos que nascem na luta, como coloca Nilma Gomes, em sua recente obra. Ao tencionarem a realidade de opressões e pautarem nas suas organizações estratégias para emancipação humana, mantendo o compromisso político na superação do racismo, como também nas opressões de gênero, são capazes de não só reeducar, como também, transformar a sociedade brasileira.
. Em novembro de 2019, o presidente da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo, afirmou em suas redes sociais que o Brasil tem um “racismo nutella”, defendendo a extinção do feriado da Consciência Negra. Como você analisa essa declaração?
É um tanto problemático a deslegitimação da existência do racismo no Brasil, e de como o mesmo enquanto um sistema estrutural opera na vida cotidiana da população negra. Esse não é o primeiro posicionamento do então atual presidente da Fundação Palmares, em sentido contrário do que de fato é a realidade. Acho importante destacarmos nesse caso que não necessariamente ter uma pessoa negra em lugar de poder quer dizer que essa pessoa vai construir as suas atuações e fazer seus enfrentamentos na luta antirracista. Sou a favor que se apurem as condutas de Camargo, tanto essa fala, quanto as contínuas que vem sendo proferidas à comunidade negra.
. Você é a favor ou contra a retirada de monumentos escravocratas? Quais as suas justificativas?
Coloco-me a favor e reitero que, no Brasil, precisamos reconfigurar as cidades de um modo a não mais exaltar como referências os nomes de pessoas que cometeram tamanha atrocidade, como a escravização. Defendo, como propõe o projeto de lei da deputada Érica Malunguinho, que esses símbolos escravocratas sejam “retirados de vias públicas e armazenados nos museus estaduais, para fins de preservação do patrimônio histórico”. Entendo que um país sem memória é um país sem história, e o Brasil não pode se esquecer de um dos maiores crimes cometidos contra a humanidade.
. Nos pronunciamentos realizados pelo presidente Jair Bolsonaro, observa-se o uso proposital de metáforas de guerra, quando refere-se ao controle da pandemia da Covid-19. Como você avalia essa linguagem empregada e o posicionamento do governo federal no controle à moléstia?
Essas metáforas estão em disputas pela gama de narrativas. Muitas são as estratégias políticas utilizadas neste atual governo, que não lida com seriedade e compromisso com a população brasileira, e dentro do contexto da pandemia da Covid-19 é possível identificar que isso é um fato que se intensifica.