(Foto: Reprodução)
Escolha: Drummond foi o
homenageado do primeiro evento
Um convite ao prazer da boa leitura. E muito bem acompanhado. Um guia lê em voz alta, pausadamente, enquanto todos acompanham a leitura no seu texto. Depois, ele inicia uma conversa com o público. Nada formal. O comentário é feito em tom de diálogo, de bate-papo. Assim foi a primeira Roda de Leitura da AVL (Academia Voltarredondense de Letras), em 31 de agosto, às 18h30, no Espaço 2 do Gacemss (Grêmio Artístico e Cultural Edmundo de Macedo Soares e Silva), na Vila Santa Cecília, em Volta Redonda. O texto escolhido não poderia ser mais adequado ao atual momento: “O homem, as viagens”, de Carlos Drummond de Andrade. A AVL já prepara mais uma edição do evento.
A presidente da AVL, Mércia Heloísa Monteiro Christani, explica que o evento seguiu os padrões das rodas realizadas na cidade do Rio de Janeiro, e que foi aberto ao público em geral.
- Nos inspiramos nas rodas do Rio porque é uma experiência que deu certo na capital e em outros estados também. Sugeri a ideia da Roda de Leitura para a AVL, que foi aprovada por unanimidade. Os acadêmicos se empenharam muito para que o evento fosse um sucesso - diz.
Testado e aprovado
Mércia conta que Drummond foi escolhido por ser um grande poeta e querido por muitos. A presidente da AVL é quem leu o texto, auxiliada pela coordenadora (que é chamada de curinga nos eventos do Rio) da Roda de Leitura, Regina Vilarinhos. Por que esse formato?
- Esse mediador, que conheça literatura e tenha lido a obra, é muito importante. Ele é uma espécie de curinga que pode atuar como entrevistador, dinamizando o evento - ressalta Mércia, ao citar um trecho do texto dos idealizadores da roda no Rio, e entusiasmada com a proposta do evento.
O papel do curinga
Cabe ao curinga, entre outras coisas, estimular o público a buscar respostas para cada trecho do texto, compreender, por exemplo, o que Drummond propôs ao escrever: “Restam outros sistemas fora / Do solar a col- / Onizar. / Ao acabarem todos / Só resta ao homem (estará equipado?) / A dificílima dangerosíssima viagem / De si a si mesmo: / Pôr o pé no chão / Do seu coração / Experimentar / Colonizar / Civilizar / Humanizar / O homem”.
Não é um evento cansativo, a duração geralmente é de uma hora e meia e a leitura não deve ocupar mais do que 15 ou 20 minutos do tempo total da sessão. Mas é algo elitizado, para poucos? Muito pelo contrário, como enfatiza Mércia:
- O público alvo é aquele que gosta de ler, independentemente de qualquer rótulo. Podem participar donas de casa, executivos, professores, estudantes etc. Enfim, quem gosta de ler.
Um gostoso bate-papo
Rodas de leituras fazem parte da história da humanidade. Da Grécia antiga ao tempo de Kafka, leituras públicas eram comuns como forma de divulgar obra e autor, lembram os idealizadores das rodas na capital. A diferença é que no mundo contemporâneo surgiu a figura do leitor-guia, normalmente um escritor ou um professor de literatura. Funciona assim: O texto é entregue na entrada do evento; logo após a leitura pelo guia, começa o bate-papo. Isso mesmo, não se trata de ler ou fazer uma conferência com tema previsto. Também não é uma aula, com teoria e didática. É uma conversa prazerosa.
Como consta no texto de apresentação do projeto do evento no Rio, a proposta é que a leitura passe a ser reconhecida, em parte como lazer, em parte como elemento formador e reformulador de conceitos na tarefa de educar. Exatamente o que a Academia aposta como diferencial em Volta Redonda.
Panorama cultural
A AVL foi fundada em 2005 e conta com 35 acadêmicos - cinco morreram: Alkindar Cândido da Costa, Nestor Dockorn, Pedro Viana, José Luiz de Oliveira e Maria José Bulhões Maldonado. A meta da Academia Voltarredondense de Letras daqui para frente, segundo Mércia, é fazer parte do panorama cultural da cidade.
- Vamos torná-la conhecida e executar projetos culturais com envolvimento social, interagindo a AVL com a cidade - destaca.
Serviço
> Roda de Leitura da AVL - Informações com Mércia Christani, (24) 9903-9405, (24) 3342-8506 e (24) 3345-9770. Ou: mercia.christani@bol.com
> Roda Leitura da AVL na mídia: RioSul Net (TV Rio Sul), Foco Regional, Diário do Vale.
O texto que foi lido
‘O homem; as viagens’
(Carlos Drummond de Andrade)
O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na Terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.
Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para Marte - ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
Pisa em Marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro - diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
Vê o visto - é isto?
Idem
Idem
Idem.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-Terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para te ver?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
Do solar a col-
Onizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.