(Foto Ilustrativa)
Capital estrangeiro + trabalhador
brasileiro = lucro do país
Recentemente terminei um artigo que deve ser entregue como meu trabalho de conclusão de curso de um MBA que estou fazendo em gestão do Terceiro Setor. O artigo intitulado “A economia criativa como uma nova estratégia de Mais Valia para o trabalhador cultural do Terceiro Setor” discorre sobre como podemos perceber nas movimentações do governo Dilma em relação à economia criativa uma maior valorização para os trabalhadores que exercem alguma atividade criativa dentro do Terceiro Setor.
Atualmente o Terceiro Setor é o setor econômico que mais cresce no Brasil, e este movimento precisa ser percebido e entendido em diversas áreas do saber, como antropologia, sociologia, economia, filosofia, artes, política e principalmente como compreensão ecológica. As ideias comunistas, ou melhor dizendo, marxistas, deram impulso para percebermos a exploração do capital e a expropriação do valor do trabalho durante os séculos XIX e XX, na era industrial e pós industrial. Mas Karl Marx não pode conhecer a propulsão do Terceiro Setor e suas consequências na era da informação.
Teorias de Marx
Marx concebeu suas teorias prevendo que um trabalhador poderia despender oito horas de trabalho por dia, se dedicando a produzir, por exemplo, R$ 200 em produtos a cada quatro horas, sua diária de trabalho é de R$ 100, então a sua hora trabalhada produz mais valores do que o capital investido pelo capitalista para produzir determinado produto. Como conclusão, nesse exemplo citado, o capitalista que paga R$ 100 por dia trabalhado produz R$ 400 em produtos que serão vendidos e o lucro obtido ficará retido para o bolso do contratante e não do contratado.
Com este lucro o capitalista compra mais matéria prima (extração da natureza) e coloca o que sobra no bolso. Essa forma de pensar me despertou o interesse em perceber como a Secretaria de Economia Criativa do Ministério da Cultura pensa em fazer com que a criatividade seja de fato uma atividade econômica, buscando uma maior valorização dessa nova indústria, a criativa. O grande cerne das minhas indagações está calcado na ideia de que o Terceiro Setor, muitas das vezes, é constituído por pessoas jurídicas sem fins lucrativos, embora nem todas elas estejam nessa categoria, como as fornecedoras de luz elétrica, telefonia etc.
Ciência econômica
O Terceiro Setor é representado por ONGs, associações, fundações e personalidades jurídicas com fins de prestação de serviços. Ora, então como encontrar elos das teorias elaboradas pelos fisiocratas no século XIX, que desenvolveram a Economia Moderna como forma de pensamento e de prática de todo um sistema, com o sistema não lucrativo? De que maneira a atividade não lucrativa pode ser econômica? Para isso deveríamos falar um pouco sobre a ciência econômica e seus desdobramentos. A economia é basicamente a organização da casa, as estratégias que temos para organizar a sobrevivência dentro de um espaço, seja ele sua casa, seu prédio, seu bairro, sua cidade, seu país, e até mesmo o seu próprio ser.
A atividade criativa é considerada como um bem intangível, portanto, infinito, diferentemente das matérias primas de extração da natureza, como o carvão, o petróleo, os minerais. Por isso, os organizadores do Plano da Economia Criativa consideraram que essa atividade será o maior bem do país no futuro, valendo até mais do que petróleo. Mas para que isso ocorra, quem deve ser valorizado é o trabalhador e não a indústria cultural. As movimentações em torno da transformação da atividade cultural e artística em indústria podem ter vários impactos, destaco dois grandes, um benéfico e outro maléfico, no meu ponto de vista. Alguns desses impactos já estão sendo refletidos nas importações de musicais para os palcos brasileiros.
Impacto benéfico
O primeiro grande impacto, que considero benéfico, é perceber que a hora trabalhada pelo autônomo, seja no ócio criativo, seja na turnê, na temporada, na exposição ou venda de um bem cultural, deve ser avaliada como a hora de um trabalhador assalariado qualquer, tendo seus direitos trabalhistas preservados.
Essa forma de reconhecimento, ou valorização, contribui em duas vias, para o trabalhador criativo que passa a ampliar seus canais de relacionamento e prestação de serviço por ter representação jurídica perante os seus clientes e fornecedores, produzindo registro de suas atividades econômicas, portanto, passível de tributação e arrecadação de impostos ao governo. Ou seja, aqueles inúmeros artistas autônomos que trabalhavam sem emissão de nota fiscal começam a poder notificar suas atividades e o governo passa a ter um controle sobre aquilo que antes movimentava milhões sem um ordenamento e regulamento específico. Essa forma de incentivo vem, também, por meio do sistema do Micro Empreendedor Individual, conhecido como MEI.
Em prol do trabalhador
O MEI é um sistema onde qualquer pessoa pode ter um CNPJ em seu nome, com um valor fixo de imposto (caso movimente até 60 mil reais por ano) e até um funcionário, podendo exercer uma centena de atividades. Como o valor de taxas e impostos para esses trabalhadores é reduzido, então o valor cobrado por ele para prestação de serviço fica, na sua maior parte, para o trabalhador e não é mordida pela União. Aí podemos ver a Mais Valia agindo em prol do trabalhador.
Outra forma também são as imunidades tributárias constitucionais e as isenções fiscais dadas às instituições sem a finalidade lucrativa. Mas tudo isto é válido quando se trata de pequenos montantes. Quando trazemos a potência do investimento na indústria criativa dentro desses novos pontos de vista, posso perceber o quanto a avalanche capitalista é daninha para a cultura. A cultura do brasileiro é antropofágica. É pegar um pouco do american life style, um pouco do umbanda life style, no bojo da african way of life, enfiar tudo na sacola do axé e dizer que é Brasil. Essa recente onda de produção de musicais por exemplo é um excelente contra ponto desta avalanche daninha.
Manifestações culturais ilegítimas
Não se pode dizer que o Ministério da Cultura está investindo em cultura ou arte quando deixa a União isenta de receber cerca de R$ 40 milhões por meio das leis de incentivos fiscais. Só o musical "Família Adams", em cartaz no Vivo Rio no Centro do Rio de Janeiro, recebeu um investimento de R$ 25 milhões em patrocínios por meio de lei de incentivo. Nessa grande sacola de dinheiro está o espetáculo escolhido para fazer o soft-opening da Grande Sala da Cidade das Artes, na Barra, também na capital fluminense, "Rock in Rio - O musical", recebeu em patrocínios R$ 16 milhões. Esta máquina de investimentos representa um depósito de dinheiro em manifestações culturais que não são as legítimas brasileiras, mesmo que o legitimamente brasileiro seja regurgitar seus devoramentos antropofágicos.
O que quero dizer com isso é que qualquer espetáculo pode custar o dinheiro que for, mas a forma de investimento não deve cercear o fomento direto à produção de caráter legitimamente nacional. Espetáculos como esses podem e devem estar no Brasil, mas se a Broadway quer produzir suas exportações, então que se invista capital estrangeiro nessas produções. Daí teremos, capital estrangeiro + trabalhador brasileiro = lucro do país, pois o consumo cultural é algo que o brasileiro está acostumado a ter, e em todas as classes, salvo suas devidas proporções.
Como aumentar o valor do trabalhador cultural
Tá bom, até aqui acabei entrando em outras questões, voltando à ideia da prestação de serviços e a forma de aumentar o valor do trabalhador cultural. Não quero dizer que é apenas para aumentar os salários pagos, ou evitar sobretaxas nos impostos dos trabalhadores. É também fazer com que essas empresas, locomotivas capitalistas, produtoras desses grandes pacotes de lixo cultural, ampliem seus canais de relacionamento e possam se relacionar diretamente com instituições do Terceiro Setor. É impressionante a falta de conhecimento sobre as associações e ONGs que esses miseráveis produtores têm.
Não há abertura para que haja participação nas atividades do Ministério da Cultura, que não sejam apenas empresas com finalidade de lucro. O Terceiro Setor está manchado pelos 3% de ONGs de fachada que são criadas diariamente para lavar dinheiro público. Os outros 97% que são legalizadas e regularizadas ficam passando o pires para executarem suas atividades.
O cenário atual está mudando. Atravessamos um período onde Ford criou o automatismo, que significava o trabalhador realizar movimentos automáticos, como apertar um mesmo botão por 100 vezes durante o dia, ou tirar centenas de produtos de uma esteira e passar para outra; chegamos no pós industrial onde automatismo significava automatizar a linha de produção, trazendo computadores, robôs para realizar trabalhos, antes braçais, transformando trabalhadores em capacitação técnica para operação de maquinaria, operação da automação. Hoje, na crista do crescimento do Terceiro Setor, acho que estamos entrando no período da "autonomatização", onde o trabalhador autônomo se desenvolve, se capacita, esvazia as fábricas e cria seu próprio capital way of life.