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A música eletrônica é uma espécie de terceira geração da música. A primeira geração são os sons naturais; a segunda é a música artificial com seus instrumentos construídos pelos humanos; e a terceira, uma exacerbação da criatividade científica e tecnológica musical. De diversificação exponencial se apresentou nos primórdios como a “resposta virtual” para os sons artificiais.
Assim que o homem se assenhoreou do conhecimento das ciências físicas, guiou seu pensamento artístico para outras formas de produção sonora. Os meios naturais de reprodução de sons até então se bastavam em colocar o homem como responsável pela propulsão do material sonoro. Ele tangia as cordas, soprava os instrumentos e percutia os tambores. Talvez cansado de soprar, associado à preguiça constante do homem, com sua letargia, o fez pensar em algo que pudesse lhe trazer comodidade, poupando-lhe energia para outras empreitas.
Seguindo sua sina inventiva contraposta ao desperdício na performance musical, principiou planos para uma nova ordem e criação de novos instrumentos. Os artifícios mecânicos criados pelo homem para substituir os dedos passaram dos dedos para as palhetas, talvez de maneira inversa; primeiro os plectros (palhetas), depois os dedos. Enfim, ainda estaríamos nos estágios iniciais da musica eletrônica.
Logo em seguida, nosso homem musical criou um sistema mecânico onde por teclas acionariam uma palheta. Esse instrumento é, por exemplo, o cravo, que tanto foi homenageado com divinas composições por Bach.
Nos instrumentos de sopro, uma ponte entre o responsável pela emissão de ar e um sistema mecânico, outra vez foi alvo do esperto homem. Por um fole movido através de uma manivela ou pelo pé, ou axilas, instrumentos foram criados: o hurdy gurdy, a gaita de foles, o órgão e muitos outros.
O órgão nos interessa muito porque foi o grande elo para a música eletrônica tal como a conhecemos. Porém sua história começou há muitos séculos. Se formos pesquisar a história dos instrumentos artificiais encontraremos o resquício e o rastro dos antepassados de nossos sintetizadores ou teclados, como se diz popularmente. O órgão nada mais é do que um instrumento semi eletrônico, está a meio caminho do que se chamaria um sintetizador. Por sintetizador chamamos também o que copia sons que não sejam do próprio órgão, instrumento ao qual deu origem.
Órgãos barrocos têm chaveamentos ou controles chamados “registros”, que mudam seu som original. Podemos encontrar no Brasil grandes exemplares dessa magnífica máquina de “imitação”. Os encontraremos no Mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, em Mariana, Minas Gerais, e em outros tantos lugares. Esses registros fazem com que o som emitido pelos tubos soe como de violas, violas da gamba, violinos e muitos outros sons que não sejam o som característico original e primordial do órgão.
O órgão e seus sons
Aí está um belo exemplo de um instrumento híbrido, que está a meio caminho entre o som natural e o eletrônico, pelo claro motivo de fabricar novos sons a partir do som original que o identifica. Conhecemos muito bem os sons dos sintetizadores que imitam orquestras inteiras. Os órgãos não ficam muito atrás, com apenas a diferença entre o número de imitações de instrumentos e a forma de conseguir o ar para os tubos.
O nome, alcunha ou apelido de instrumento eletrônico vem de elétrico, parte da física muito desenvolvida principalmente nos séculos XVIII e XIX por vários cientistas renomados. Os foles dos órgãos antes movidos à propulsão humana foram substituídos por motores - consequência das invenções da revolução industrial. Na sequência, os inovadores dos órgãos criaram a partir dos circuitos eletrônicos meios de substituir os foles. Paralelamente a isso, os sistemas de conversão de som natural em impulso elétrico tomaram grande impulso. Misturados os instrumentos de imitação com o advento do aprisionamento dos sons e sua consequente conversão em ondas elétricas, foi criada a música eletrônica.
O microfone foi criado a partir de um dínamo que transformava a energia sonora natural em impulso elétrico. Inversamente essa energia elétrica era transformada pelo alto-falante em energia acústica novamente. Foi o marco da música eletrônica. A partir daí o homem se tornou senhor virtual do som natural, artificial, transformando-o em eletrônico. Não mais desejou nenhum retrocesso nessa nova tecnologia.
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Geralmente hoje em dia, o homem prefere ouvir a tocar, prefere reproduzir a criar, prefere ouvir a mesma música a improvisar, prefere virtualizar a naturalizar. Existiria algum exagero nessa conduta?
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Não deveríamos ver assim. A democratização que a música eletrônica trouxe ao homem apaga qualquer intenção de abafar a música artificial. Hoje podemos assistir pela internet milhares de concertos que nunca teríamos a oportunidade de ouvir. A história e as performances vêm a nós como que um presente divino da virtualização. É o eletrônico dando prazer e “vantagem” ao mundo globalizado. Sempre andarão de mãos dadas, o eletrônico e o artificial, criar uma separação ou animosidade seria uma involução. Apresentações hoje de bandas pop tocando com instrumentos acústicos em detrimento do eletrônico são a prova de que a convivência é passiva, possível e salutar.