Publicidade

RH

Um dos Maiores Bens

Por que gosto de ouvir música?

Ouvir música constrói um universo em que só você habita e só você aprecia e entende, porque esse é o seu eu

Música  –  17/12/2016 11:10

Publicada: 12/12/2016 (20:36:39) . Atualizada: 17/12/2016 (11:10:57)

> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", assinadas pelo músico Ricardo Yabrudi

Por que gosto de chocolate? Por que gosto de perfume? Por que gosto de olhar para as nuvens? Agostinho de Hipona comentou que existem as coisas úteis e as para a fruição. Disse: “Por meio dos bens corporais e temporais, devemos procurar conseguir as realidades espirituais. Disso decorre que devemos gozar unicamente das coisas que são bens imutáveis e eternos. Das outras coisas devemos usar para poder conseguir o gozo daquelas”. Gostamos de coisas para a fruição porque nos dão prazer, e porque é “bom”. São coisas que nos levam ao “fruir”, que fazem com que nos utilizemos delas para conseguir realidades espirituais, como no caso da música.

Existe o ócio e o “Nec ocium”. Gostamos do ócio porque ele se baseia primariamente no pensamento, que é a base para uma vida analisada. Baseamo-nos em que prazer é bom, e o desprazer não. Essa questão moral é difusa. Alguns prazeres podem se tornar desagradáveis. Alguns desprazeres, por sua vez, podem ser agradáveis.

_______________________________________________________

A música pode causar prazer e desprazer, conforto e desconforto. O desconforto auditivo com referencia à intensidade, ou volume do som, pode causar dor, porém, prazer em alguns casos. A um nível sonoro elevado alguns hormônios do prazer são liberados no corpo. É por isso que alguns concertos de rock são tão prazerosos para algumas pessoas.

_______________________________________________________

Sons musicais estão presentes na natureza. Através da imitação o homem construiu seu legado musical. Hoje liberto da cópia, melhor dizendo na linguagem estética: “mimese”; cria sua música a partir dos desejos internos e de seu racionalismo idealista descompromissado com a realidade natural. Hoje estamos aptos a ouvir uma música extremamente elaborada e que cinge nossos ouvidos de forma quase espúria, futurista e “ideal”. Por ideal entenda-se o que está na criatividade e não na mimese. A vanguarda eletrônica do século XX principiou essa aspiração humana.

Gostamos de música porque quase todo som ouvido poderia ser considerado música. Música é tudo que “aguça”. Música é tudo que aturdi e faz sair da zona de conforto. Quando ouço alguém cantarolar “parabéns pra você”, posso sentir vontade de comer bolo. Quando ouço o som do berrante, me lembro dos campos e fazendas de antepassados e parentes.

Sons que perfazem a música nos “remetem” a lugares imagens e a lembranças associadas a prazeres. A obra de Villa-Lobos: o “Trenzinho Caipira” cria uma imagem do mesmo. Não há quem não se comova com tal obra.

Aliás, Villa-Lobos quando jovem tocava violoncelo profissionalmente nos cinemas quando ainda não existia o áudio. Sua intenção como músico era o de criar imagens sonoras que combinassem com o filme que estava sendo projetado. Essa atividade foi aprimorada por ele, e em quase toda sua obra podemos perceber imagens através de sua música. Por outro lado, existem músicas, onde o artista se propõe a não evidenciarmos nenhuma imagem na composição musical.

Música será sempre música e a livre associação de imagens ficará sempre por conta de quem ouve. A música será sempre metafísica. Sons serão sempre sons, e se nos remetemos às imagens é porque assim o queremos. Limpar nossas mentes das imagens será uma empreitada difícil, todavia, não impossível. O próprio jazz fusion nos libertaria das formas do mundo.

Ele descansará nossas visões. De olhos fechados poderemos nos transportar a um mundo fora desse mundo - o mundo metafísico verdadeiro. Não foi por acaso que as religiões se apropriaram tanto da música.

Isso se deu porque ela nos reporta a um mundo que não está aqui, porém em nossa idealidade metafísica.

Gosto de música porque ela é metafísica e nos reporta a mundos não reais. A utilização de meios materiais para se chegar ao produto sonoro, no caso do uso de instrumentos, nos levam a outro campo e a uma “ordem” de fruição; como dizia Agostinho de Hipona. Na verdade me “utilizo” dos meios materiais para chegar ao campo do prazer, que está no “fruir”, que está no eterno e imutável. Não consigo usar a música, quando ouço, para prosperar financeiramente, todavia, o ganho espiritual no campo metafísico é incalculável.

Ouvir um material sonoro imaterial é elevar-se a mundos que viagens intercontinentais soariam desprezíveis. Ouvir é viajar para dentro do “eu” e aperfeiçoar a ideia de que o mundo material só existe para ser utilizado em prol de algum ganho ulterior. Ouvir não produz alimento, nem carros, nem apartamentos, porém, constrói no homem um reino que lhe é próprio e saudável para sua felicidade. Constrói uma nação inteira de riquezas indestrutíveis. Constrói um universo em que só você habita e só você aprecia e entende, porque esse é o seu “eu”. Só assim o homem vai conhecer a si, através do que lhe toca a alma e não da utilização dos bens materiais. Vai conhecer também através do seu gosto inato.

Por isso, a música é um dos maiores bens, porque não é palpável como a escultura ou pintura, ou arquitetura, ou gastronomia, todavia, é transparente, abstrata e imaterial. Isso a faz eloquente, tagarela, temporal, causando no ser humano a consciência de que os mundos a serem conhecidos não clamam por viagens por labirintos geográficos, mas por labirintos internos onde se perde a noção, felizmente, do valor da prosperidade econômica e financeira.

Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

Seja o primeiro a comentar

×

×

×