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O que é a metafísica? Seria algo aquém da realidade física mundana. Kant bem a explicou, tornando seu sentido um devaneio do pensamento. Até então questões metafísicas eram tratadas como místicas e assombradas. O mundo do além fascinava os filósofos, sem, no entanto, registrar que esse mundo era o da mente, como o declarou Kant. O filósofo de Konigsberg demonstrou em sua “Crítica da Razão Pura”, que o pensamento idealista cria para si um mundo que não é o da realidade, contudo, do pensamento. Esse é o mundo onde vive a razão. Essa, onde vive e impera a “vontade”, que na concepção de Rousseau distingui-se do desejo. “Vontade” é a escolha entre discernir e deliberar entre atender ao desejo momentâneo ou duradouro e não o atender, deixando o prazer de fazer alguma coisa ou de não o fazer. Kant vai mais longe, aproveitando as ideias de Rousseau, desenvolve o conceito de uma “boa vontade” que está em seu livro “Fundamentação da metafísica dos costumes”. Ele sugere que uma “boa vontade” seria uma melhor opção “moral” para os homens, melhor dizendo a única, por se tratar de uma “ação” perfeita. A essa boa vontade ele denominou que ela seria um “imperativo categórico”, justificando que essa escolha fosse a mais plausível, moralmente adequada, justa, humana e universal.
Ora, o que a música tem a ver com isso? Se mudarmos nossa vontade entre ouvir um gênero musical e outro e em outra oportunidade voltamos ao “gosto antigo”, não estaríamos condizentes com o olhar kantiano. Apenas um gosto único responderia pela humanidade. O que é bom deveria ser justificado por essa escolha melhor, que é o imperativo categórico. Porém, a liberdade humana cria um caos nas escolhas. Justamente, por isso, é que a música pertence ao campo metafísico; esse é outro mundo, um mundo das vias e estradas sem por quês, e sem justificativas perante o gosto universal.
Sendo a música de uma percepção e entendimento que só o pensamento consegue entender e principalmente degustar, ela se encontra no campo puramente metafísico; consequentemente na área da “moral” humana. A maioria das artes se encontra nessa esfera confusa entre a “percepção” e a “razão”, todavia, a música está na frente por não estar corrompida com imagens que nos prende ao real.
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Os sons primariamente, se forem composições puras, não nos remetem ao mundo em que vivemos, porém, em um mundo metafísico. Esse mundo está além da física, além dos corpos e coisas, além da “coisa em si” kantiana. As áreas da metafísica compõe-se da geometria, matemática pura e da música, por exemplo. Não foi à toa que Pitágoras, o grande geômetra e matemático grego, criou nossa escala musical ocidental.
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Porque a música é metafísica? Como diz Hegel: “Ela não tem expressão na realidade”. Por isso que ao ouvirmos música “viajamos” para outro mundo. O desejo humano aliado à sua vontade sempre irá remeter o homem para fora de sua realidade. Sem o deslocamento do corpo e sem essa viagem o ser não descansará. Estará preso a esta carcaça de carne e ossos implorando para que sua razão o leve a lugares longínquos. A razão aliada à metafísica, de mãos dadas, é a grande oportunidade do corpo para se desgarrar da alma e do espírito. Estamos sempre comentando esse aspecto místico religioso, por ser ele o responsável pela liberdade e alforria entre corpo e mente. Jovens se inebriam com a música porque se sentem livres. Sua realidade atrelada à “vontade” kantiana dos pais é liberta ao ouvir. O desejo dos jovens geralmente é cerceado pela vontade paterna do imperativo categórico adulto; os jovens devem respeitar as regras dos adultos e obedecer à moral pré-estabelecida. O “remédio” é ouvir música e negar através desse “niilismo”, o mundo real, fabricando um novo mundo, que está no metafísico”, para aliviar a falta de liberdade. Comumente vemos jovens cobrindo suas orelhas com enormes fones de ouvido para separá-los da realidade. O som encobre a realidade que os cerca estabelecendo uma “alienação” de seus sentidos em detrimento de um novo mundo: “Um mundo da metafísica para a liberdade”.
Não são apenas os jovens que se refugiam neste mundo irreal, mas todos os que desejam descanso para a alma. O refúgio é o aprisco para os descontentes com a sociedade frenética, consumista e doméstica. Na própria domesticidade, famílias inteiras ouvem música coletivamente, fitando o teto ou o ar em detrimento de um diálogo familiar. O que diremos então das crianças que não acordaram ainda para o mundo tecnocrata e não querem acordar, insistindo no “sono” uterino das músicas infantis ou do próprio ruído branco; o som do universo?
Sons dos planetas podem ser audíveis também. Uma gravação da NASA pode comprovar no vídeo abaixo.
Nesse cenário de libertação constatamos no ser humano um indivíduo que cria um mundo imaginário só dele e individual. Ninguém, a não ser ele próprio, decide o que quer ver e o que não quer ver. Essa liberdade só é conseguida em negar o princípio kantiano do imperativo categórico e realizar seu “puro desejo”, secreto, confidencial e entesourado por suas ideias e seu mundo metafísico. O homem é uno, individual, diferente, raro, indefinido, mas globalmente musical.