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Ao comentar o passado, Nietzsche disse que esse corrobora para que a nostalgia entre em cena, sendo uma das causas da fuga do homem para com a realidade. O passado na visão dele só geraria arrependimento, culpa, consequentemente, remorso. Esses dois fariam com que a vida não fosse vivida na sua contemporaneidade. O futuro, por certo, não escapa de sua feroz crítica, por nos causar temor e cultivar a esperança, um sentimento que para ele é um sonho que não se concretizou, sendo apenas uma hipótese. Vivamos o presente dizia ele, para que o “eterno retorno”, (termo cunhado por ele), esteja aqui e que vivamos cada minuto, esquecendo o passado sem nos preocuparmos com o futuro. A visão “instantânea” de Nietzsche aguça o sentimento do viver “momentâneo”. Palavras como eternidade soavam vazias e criavam desesperança e desprezo pela vida em sua mente tão reconhecidamente brilhante.
Onde estará o valor da nostalgia então? Não terá valor? Qualquer música primordialmente será nostálgica se entendemos sua criação como um “ato” passado. Será que a lembrança nos remete a um mundo metafísico atual ou passado? Se penso, nesse instante, com o olhar nostálgico, então o passado se converte em presente. Eis a mágica da música. Nietzsche foi muito amigo de Richard Wagner, embora no final de sua vida tenha rompido com a velha amizade. Entretanto, era músico e compôs obras musicais relevantes. Pretensamente, podemos aferir que a música para ele tinha grande valor e não interferia em sua vida diária, pelo contrário, justificava-a. A música pura, principalmente a sinfônica, é intemporal.
Sons têm o poder de alienar; inclusive, nos desprender do tempo. Talvez seja esse o grande trunfo que carrega em seus acordes e melodias.
Sei que quando ouço alguma coisa me dou conta que foi criada no passado, todavia, soa intemporal porque seu mundo não revela um passado histórico, pois é metafísica e não nos prende a esse mundo, contudo, a um mundo específico da música.
Estar banhado pela nostalgia musical é ter presente um passado que vive o momento. Excluamos aqui as músicas com letras; fenômeno de poli arte.
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Música pura como as sinfonias de Beethoven, por exemplo, soam atuais porque não nos remetem a um passado.
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O estilo neoclássico, porém, denotaria para quem conhece os estilos da arte um elemento reconhecidamente do passado. Talvez não fossem nostálgicas, apesar de terem sido criadas no século XIX. Contudo, outras artes de cunho pictórico talvez fossem percebidas como passado, não a música pura. O eterno retorno como eternidade estaria sendo revelado e cumprido pela música, já que não estaríamos atrelados ao passado e nem prometidos, implorando um futuro qualquer.
Nostalgia verdadeira musical sempre soará presente, aguçando o eterno retorno nietzschiano. Os adultos por sua vez deveriam usar a nostalgia musical para refazer alguma jovialidade se quiserem. A obrigação, portanto, desse deleite não é obrigatória, mas apenas elucidativa. O acesso às mídias pelos usuários de qualquer idade sempre irá remeter a um “ato” nostálgico. Adolescentes poderiam ouvir músicas infantis e se lembrar da infância. Adultos de meia idade voltar à juventude ouvindo a música daquele tempo. Idosos, talvez, voltando ao passado, banhado pela nostalgia, ressuscitando a mocidade. A música tem essa qualidade e surpresa, para nos levar a mundos passados metafísicos. Para Nietzsche, talvez um erro, para a humanidade um deleite. Talvez, todavia, a música nos faça sofrer, quando ouvimos alguma canção que nos lembre de quem já se foi deste mundo. Talvez ela aguce sentimentos amorosos de perda. Talvez ela traga dor ao ouvir canções de seu país de origem, sendo um imigrante. Talvez Nietzsche tenha alguma razão, porém, ouvir aquele hino que te dá força, aquele samba que te enche de alegria, aquele rock que te faz rugir como um “bravo” guerreiro das tribos pop te fará feliz e nesse momento o eterno retorno proposto por esse filósofo encontra seu porto seguro.
Será quase impossível ouvir música sem que acesse o passado. Essa gera momentos que marcam, cria um pano de fundo para nossas ações cotidianas, rotula musicalmente nossos gestos. O cinema aproveitou esse gancho e formas musicais “clichês” são usados em abundância. Nossa vida é um filme em tempo real que usa os mesmos clichês musicais colorindo nosso espaço-tempo. A nostalgia é alimentada todos os dias por nossas rádios e mídias, enfim, vamos aproveitar essa máquina do tempo, que é a música para destruir barreiras temporais.