Publicada: 07/04/2017 (09:36:59) . Atualizada: 24/04/2017 (12:38:24)
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A palavra “definir” soa dogmática, porém, seu uso cotidiano atesta sua importância no dia a dia, nas redes sociais e até em filosofia quando precisamos fundamentar ideias no meio escolar. Contudo, o conceito ou a definição amarra, simplifica e minimaliza o assunto, uma palavra, encerrando uma gama de visões e pareceres filosóficos. Esse é o problema em se definir “qualidade”! Costuma-se corriqueiramente confundir qualidade com quantidade. Um comércio varejista que tem grande variedade de mercadorias pode não ser precisamente aquele que tem qualidade. Entretanto, um comércio especializado com apenas alguns itens pode ter sucesso porque trabalha e conhece bem o produto. Talvez, menos queira dizer: mais! Essa argumentação nos levará ao polimatísmo, ou ao seu contrário, a “especialização”. Os polímatas sabem tudo em todas as áreas, os especialistas, só um pedaço do conteúdo geral, todavia, com “profundidade”. Os polímatas sabem de tudo, porém, em alguns casos com superficialidade. Nesse caso a qualidade do conhecimento banha o “primário”, e o detalhamento e a arquitetura dos temas e assuntos não vão muito longe, sufocando-se na mesmice.
Na música acontece o mesmo. Quem ouve, por exemplo, no caso a maioria, não entende com profundidade, por outro lado, quem compõe e entende um pouco mais, não deveria estar preocupado se entenderão sua mensagem musical. Grandes compositores, como Bach, Villa-Lobos e Wagner, não se importaram muito em: com o “agradar” as pessoas. No caso de Bach, em muitas de suas composições, queria agradar a Deus.
No caso de Wagner, uma força alemã renovadora. No casa de Villa-Lobos, suas composições “os quartetos de cordas”, que foram muitos, dizia ele: “essas minhas composições, soam estranhas, canhestras até para mim”. O vocábulo “canhestras” se refere à insatisfação não proposital que ele causou a si próprio.
Na música de “qualidade”, o que talvez importasse seria a busca do “belo”, sem querer agradar se não à própria música e sua evolução estética. O belo para Kant “é o que agrada universalmente, sem relação com qualquer conceito”. Consequentemente, a qualidade do belo não teria conceito, mas o simples agradar sem objetivos secundários. Agradar o outro, ou criar uma composição para agradar um público “alvo” é uma estratégia das mídias. Na visão de Umberto Eco, em “Apocalípticos e Integrados”, uma obra que versa sobre os veículos de massa, deixa claro que a sociedade moderna, envolvida pela comunicação, não suportaria o lema e a categorização de Kant. Para Eco, somos o produto das transformações que a mídia provoca em nós, nos transformando, adulterando e remoldando os meios de comunicação. Essa é uma conversa muda, abscôndita, oculta e ignorada por muitos. Se gasta muito tempo estudando as estratégias de divulgação de um produto musical, em detrimento da própria natureza bela e estética, o que também não é ocupação dos marqueteiros e publicitários, mas sim dos compositores. Porém, esses estão sempre indagando aos profissionais das mídias se aquela composição possui quesitos para “estourar”. Esse fenômeno que foi apelidado “estourar” uma obra musical não é assunto novo ou uma provocação dos cultos versados em teorias da informação em detrimento da opinião regular das massas, todavia, uma preocupação constante em toda a trajetória histórica da música, na ópera principalmente. Mozart perseguiu o sucesso, e teve sérios problemas financeiros em suas realizações artísticas, como nos eventos que promovia; estamos nos referindo às óperas.
O problema da mídia não é moderno, mas sempre houve preocupações desde o império romano. Nero montava peças de teatro para que ele próprio tocasse lira e declamasse. Dom Pedro I compôs o hino da independência, apenas a música, a letra coube a Evaristo da Veiga. Curiosamente, esse foi usado como Hino Nacional, porém, com o título de “hino constitucional brasiliense”. Com a queda de Dom Pedro I o hino caiu no esquecimento. Em seu lugar ficou a versão original de Marcos Portugal, mestre da Capela Real, que passou a ser executada até 1922, quando a versão de seu aluno (Dom Pedro I) tomou o lugar definitivo de hino oficial, esse fato se deu na era Vargas. Gustavo Capanema, ministro da Educação e da Saúde, criou uma comissão que restabeleceu a versão de Dom Pedro I. Participou dessa comissão o nosso famoso Villa-Lobos. Podemos observar que famosos sempre se preocuparam em revelar nossos tesouros artísticos.
A qualidade, portanto, não seria o fim de uma jornada da composição, porém, o começo de uma luta pelo prazer em compor o que se deseja, sem fins comerciais, ou de fama. Nichos de artistas compositores não estão preocupados com ela, porém, não se sentem muito à vontade no obscurantismo. A balança entre o fazer bem feito e atingir o público estará longe de acontecer, porque forças contrárias ao belo irão se sobrepor aos princípios de qualidade. A música de vanguarda não está atônita aos quesitos propalados pela ciência que estuda a mídia, preocupa-se consigo mesma. Os agrupamentos de música, como o jazz e o choro, também ainda não sofreram muita interferência abusiva do querer das mídias. Os sambistas, hoje renomados, que substituíram Cartola, Noel Rosa, e outros, estão lutando incólumes, à avalanche dos desejos do público, que ainda não avançaram nos juízos musicais mais profundos e mais especializados. Porém, a “qualidade” estará fadada a ser moldada por interesses e objetivos que a evolução estética não participará, contudo, em raros casos, a qualidade estará sujeita ao acaso, ou a um CD gravado e não divulgado, como um tesouro egípcio faraônico não revelado.
A tumba de Tutancâmon, aberta por Howard Carter, descortinou a beleza do momento egípcio e nos ensinou a beleza do povo do Nilo. Essa grande descoberta encheu vários andares do museu britânico com valiosos pertences reais, em um deles jazia o rei menino, falecido aos 18 anos que foi enterrado em um sarcófago de ouro. A qualidade junto à beleza foi sempre enterrada como os tesouros dos piratas, para que gerações futuras possam visualizar, mostrando e divulgando a beleza para poucos. O que se enterrou no Vale dos Reis foi a vida viva dos faraós e de famílias importantes porque até alimentos como grãos foram encontrados no túmulo. Quantos tesouros estão guardados à espera de divulgação? Quantos CDs estão na gaveta, ou em um Vale dos Reis da música, para serem mostrados talvez apenas aos netos, querendo dizer: “Não tive a chance de mostrar meu trabalho”. Muitas obras de Villa-Lobos foram encontradas depois de sua morte. Nietzsche tem obra póstuma descoberta por sua irmã Elizabeth, editada posteriormente. A democracia para a “qualidade” deveria ser peneirada, e “Todos” poderiam ter a chance de “mostrar” suas composições de alguma forma. A internet está aí, dando chances aos obscuros e sem fama. A qualidade se mostrará um dia, porque o belo irá vencer. A cultura associada à mídia virtual democraticamente está tomando conta do mercado musical. O gosto e o nível cultural das pessoas estão subindo. Deveríamos ser otimistas, e chancelar o nosso propósito de que a democracia da cultura é o quesito primordial para o aparecimento dos tesouros musicais.