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O complexo não é tão complexo assim, apenas deve-se olhar pelo ponto de vista de quem ouve ou quem “procura” pelo entendimento. É certo também que os “sistemas” filosóficos são criados e entendidos por quem os cria primariamente. Nietzsche acertou em cheio quando fez essa afirmação em seu primeiro trabalho: “A filosofia na época trágica dos gregos”. Lembrou-nos também da obscuridade de Heráclito em sua filosofia. Afirmou que a maior “preocupação” de um filósofo não é de ser entendido, porém, o de ser “mal” entendido. O desentendimento sempre fará parte do grande número de pessoas, quando o assunto é o novo e o complexo. Heráclito não faltou a esse exemplo, e dizia que preferia ser obscuro. Tímon, outro filósofo, declarou sobre ele: “No meio deles se levantou Heráclito, que grita como um cuco, despreza o vulgo e é enigmático”. Alguns autores de sua época, como Diógenes Laércio, descrevem comentários sobre esse filósofo, aqui está um deles: “ele escreveu sua obra em um estilo obscuro a fim de que só os iniciados se aproximassem dela, e para que a facilidade não gerasse o desdém”.
O complexo grita como um cuco, atordoa, e mesmo com várias repetições às vezes não alcançamos êxito no seu entendimento. O prêmio Nobel nas áreas da física geralmente é conquistado por quem luta para convencer toda a sociedade científica, pois as descobertas são novas e causam estranheza quando são comunicadas à comunidade científica. Higgs afirmou, após ter provado o seu bóson, que demorou décadas para ter razão junto aos seus colegas que não entendiam sua tese. O entendimento do complexo é fácil para quem os criou, o difícil é ser plenamente entendido. Nietzsche afirmou que levariam dois séculos para entendê-lo. Felizmente não demorou muito, e grandes expoentes como Foucault, seguiram seus passos, fermentando o novo nietzschiano. A moral comportada de algumas áreas da sociedade ainda reluta em não entender suas opiniões que destroem essa moral. É o “complexo” e seus sistemas filosóficos que apresentam o “novo” como a luz e o vislumbrar de novos campos minados e desconhecidos causando temor e espanto aos leitores corajosos em terrenos inimigos, pantanosos e ilegítimos.
Na música o complexo está difundido principalmente nas áreas de atuação erudita, embora se encontre misturado e presunçosamente atrelado a alguns veios da música popular.
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Um novo estilo, por mais simples que ele se apresente, criará dúvidas e será mal compreendido no começo. Sem falar no preconceito que gerará, assim que for mostrado ao público.
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Foi o caso do samba, outrora marginalizado, porque era sincrético e derivou-se das canções tradicionais portuguesas mesclando a cultura africana com a europeia. O próprio blues, sincrético por nascença, criou raízes fundando o ragtime e o jazz, para não dizer que é avô do rock. Do complexo na música pode-se instaurar o simples e novamente voltar ao complexo, essa é a história do blue que criou o complexo jazz.
A música de vanguarda guarda para si verdadeiros tesouros, um deles é sempre a apresentação do novo, o inusitado, o que se deve pensar ao ouvir. De braços dados com o erudito essa música atropela o senso comum e não pergunta sobre o inteligível, mas sobre o ininteligível imediato, que clama pelo raciocínio longânime, lento e ruminante. Harmonia e melodia é um jogo de esconde-esconde, onde a matéria sonora é tratada a mais abscôndita possível. Ignorar os padrões normais e as melodias casuais e de fácil entendimento é para a complexidade da música erudita uma bandeira e uma religiosidade que lhe é nata. O “complexo” não ganha muitos adeptos, porém, quem o segue, pode se considerar um baluarte e um guerreiro que luta pelo entendimento de algo novo, que irá mudar sua vida e seus pensamentos. Essa afirmação não é privilégio da área musical, contudo, de toda a arte e da filosofia. Abrir novos horizontes, novos mundos, criando poli universos, sempre foi o destino da humanidade. Por isso, estamos nesse nível cultural e filosófico, por isso nossas ciências avançaram e aumentam a longevidade humana, retardando a morte cada vez mais, para que possamos vislumbrar o “novo” por mais tempo. Mozart morreu de uma simples infecção de garganta que se espalhou e atacou os seus rins. Com um simples antibiótico poderia ter sido curado. Perderam um gênio e obras que poderiam estar nas nossas mãos, consequentemente, foram privadas por uma doença banal. Isso aconteceu porque a ciência de ontem não tinha as descobertas de hoje. Precisamos do novo, precisamos do complexo.
O complexo é o que impulsiona a vida, e abre novos horizontes em qualquer área que ele atue. Até hoje ainda ouvimos os gritos de Heráclito. Para quem aprecia e acompanha o novo e o complexo, o clamor complexo desse filósofo soará sempre como música.