(Foto Ilustrativa)
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As crianças são o maior exemplo de que não deveríamos impor uma música complexa aos seres humanos, porém, apenas oferecê-la como uma “iguaria”
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Ouvir uma ciranda é mergulhar no passado. Ouvir uma “berceuse” (canção de ninar), uma lembrança quando ainda não falávamos. A música vem em primeiro lugar, depois a linguagem. As mães cantam para seus bebês para acalmá-los ou para que durmam ou para que aprendam. Na infância, hoje em dia, canções infantis estão acompanhadas de vídeos, e são a coqueluche dos pequenos. Décadas atrás, só conhecíamos o som sem as imagens, e talvez nem as vozes de quem cantava, oficialmente. Hoje os ídolos são heróis e estão estampados nas roupas e nas camisetas infantis. Tudo muda, tudo se transforma. A questão é se estamos encobrindo a música com outros gêneros artísticos midiáticos. Ajudando não atrapalha, porém, resgatar e preservar a pureza da música pode não ser uma falta, contudo, pode ser enganoso. As trilhas sonoras se amalgamam às imagens para a qual foram construídas. Os desenhos animados e os filmes estão cheios de exemplos. Quando ouvimos algumas canções deles, construímos as cenas, mesmo sem as imagens das mídias.
As crianças são o maior exemplo de que não deveríamos impor uma música complexa aos seres humanos, porém, apenas oferecê-la como uma “iguaria”. O exercício de um pensamento e catarse mais profundos seria apenas uma evolução não obrigatória, contudo, questionadora, elucubradora, e desafiadora, porque o homem na evolução de sua “crítica” sempre desafiou seus questionamentos; entenda-se por “crítica”, os “juízos” estéticos e filosóficos. Por que o simples para as crianças e não o complexo? Mesmo que se ofereça o complexo, para elas, existirão sempre algumas lacunas na compreensão do belo erudito. É comum ouvi-las tocando Bach no violino, ou Handel, com 7 anos apenas, todavia, são autores que necessitam de uma iniciação para começar a ouvi-los.
A primeira experiência auditiva deveria ser da mais simples para a mais complexa, contudo, essa regra não é exata, nem precisa. Mães ouvem música erudita, quando na gestação, para que seus bebês acostumem a ouvi-la. Cuidado com o que estão apresentando para eles! Alguns autores podem excita-los. As berceuses, porém, não lhes farão mal.
O simples sempre estará ajudando sua primeira fase. Simples não é apenas a música popular, todavia, a erudita com suas formas simples. Beethoven e suas sinfonias talvez produzam um “overload” em suas mentes ainda não acostumadas. Existirá sempre algo complexo, significando o erudito, que poderá ser oferecido como “palatável”, para elas. Simples não é o “banal”, porém, apenas mais “digerível” por suas mentes famintas por música. Não deveríamos engasgá-las com um material sonoro que provocaria repulsa ao primeiro instante. Tudo deve ser devagar e “paulatinamente” construído, para uma formação musical adequada, porque pode-se criar um bloqueio em suas mentes. Vê-se frequentemente em nossa sociedade a “vontade” de pais querendo transformar crianças em “homenzinhos adultos”, apenas com 4 anos. Adoram vê-los de terninhos nos casamentos, tocando Bach no violino e falando inglês, e comendo muita fibra, incluindo o jiló. Isso para não falar da gastronomia oriental, às vezes oferecida, e os regimes alimentares às vezes sem prescrição médica, para moldar corpos infantis como o de musas da mídia. O simples é o “laisser aller”, deixar rolar a infância naturalmente como a vida infantil instintiva assim o pede.