(Foto Ilustrativa)
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Só porque alguém famoso troca palavras poéticas com o mundo não é mister que eu lance os braços em direção a algemas que me farão mais um adepto do linguajar desse guia
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> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", assinadas pelo músico Ricardo Yabrudi
Experimentar o “silêncio”, coisa quase impossível, poderia nos tornar diferentes. Talvez numa câmara anecoica pudéssemos nos satisfazer e delirar com um mundo mudo, austero, calado, sombrio, cadeado da alma. Experimentar ao menos, ouvir os sons da natureza, um deleite nativo. Experimentar não experimentar nenhuma forma de arte, talvez um gesto estúpido, talvez nos tornasse mais primitivos, entretanto, estaríamos depurando e decantando anos de informações. O silêncio nos reserva prazeres e quietude. O silêncio é a forma mais sutil de dizer não à música, um ato desconcertante aos olhares críticos de uma sociedade musical, porém, um gesto de satisfação, querendo dizer: “Já estou cheio e agora preciso digerir”. A digestão é necessária. Ruminar em silêncio é ato preparatório para a “criação”, ou a reflexão filosófica. A música tem o poder de deformar mentes e até multiplicar neurônios. Para que mais neurônios? É com essa visão que deveríamos nos aquietar, de vez em quando, para fazer penetrar notas mortas e pausas, fermatas e ritornelos do silêncio.
A boca se fecha, os olhos se cerram, o nariz entope, porém, o ouvido não dorme e não cessa de escutar. Poderíamos tapar os ouvidos, todavia, o certo para descansar esse órgão é fugir dos sons, para que pudéssemos reabrir o apetite musical. O jejum é “asceta” visando uma negação desse apetite alimentar, em prol de causas diversas, por exemplo, espirituais e metafísicas. Por que não interromper a audição? Vivemos num mundo aberto às ideologias e propagandas. As mídias anteviram essa particularidade, e estão de prontidão para dispersar seus clamores sonoros a fim de suas prerrogativas. Um bom descanso é necessário neste mundo frenético e de instabilidade. Desejar frear o estado emocional humano limpa e descansa o cérebro. Momentos de reflexão são necessários ao homem. Férias para os sentidos é um período saudável, necessário. A meditação silenciosa fará multiplicar nosso apetite para a música.
As prerrogativas das mídias as fazem donas de nosso espírito e gosto. “Não queremos mais ouvir”. Essa talvez fosse a frase do manifesto da liberdade contra a ideologia da massificação da arte musical. Desejo ser e viver feliz num mundo insólito de poucas palavras, a menos que sejam para reforçar o silêncio - e numa exceção, ouvir Drummond e Bandeira com veemência e frases honestas. Poesia te quero para denunciar o vetor que me impele para o meu desgosto ou me tornar escravo do gosto que não escolhi e me fizeram refém de uma ideologia que não pretendo participar ou aceitar. Só porque alguém famoso troca palavras poéticas com o mundo não é mister que eu lance os braços em direção a algemas que me farão mais um adepto do linguajar desse guia. Quero tapar os ouvidos por momentos, dias ou anos até que se decante ou se afaste de mim esse ataque aos meus sentidos, que agora cansados de receber o que não quero mais, para que possa no silêncio me encontrar e reencontrar o estado puro quando nasci, apenas com sons parecidos com o ruído branco.
O som do universo é estável, o que nos desestabiliza é a organização de sons produzidos pela cultura, etnias, raças, credos. Apenas nos acostumamos a eles, pois nascemos em uma cultura e a ela nos aprisionamos achando que o que é cosmopolita não nos agrada. Os hindus encontram sons espirituais, os cristãos cânticos, os judeus salmos. O silêncio para as religiões fala sempre mais alto - é a meditação e o falar com o mundo metafísico, a oração, as preces. Nossas mentes laicas também se exercitam com o silêncio que nos fazem brotar ideias - é o ato filosófico primeiro, estável. Como poderemos nos concentrar no Eu e em uma existência se alguém canta ao nosso lado coisas que não nos dizem respeito naquele momento de puro desgaste emocional, quando estamos prestes a desenrolar o novelinho de nossas vidas conturbadas?
Os afetos da Ira principalmente não deveriam ser acalmados com uma berceuse, nem o do Amor com as Valquírias de Wagner. Acho inclusive que nenhuma música deveria atrapalhar o pensamento porque num ato de alienação se derramaria todo o caldo e sopa do ato filosófico. Não é à toa que se medita em clausura e em lugares silenciosos, nas cachoeiras, nos mosteiros, claustros do além. Até a floresta com grilos e bugios atrapalhariam um pensamento, porém, algumas possibilidades são impossíveis. Como calar a natureza e por quê? Ela é silenciosa até que algum evento seja necessário como um rugido de ataque para disparar a cadeia alimentar, ou um grito animal porque a morte o abraçou. Na sociedade o som musical não tem natureza, cheiram a dinheiro disfarçado de necessidade. Diminuir a quantidade de sons, principalmente o da música, seria um ato agradável para o ato filosófico para a existência ruminada e pensada.
O universo, antes de Ser, nele estava ilhado o Não Ser, dizia Parmênides. Antes do som havia o Não Som. Só nossos tímpanos e a sensação de sentir a vibração é que faz com que o som exista. Na verdade, o universo com sua formidável aparência é silencioso. Às vésperas do Big Bang havia o Não Ser e o Não Som. Com os aparelhos de aferição auditivos dos animais o som acabou por ser percebido como vibração, consequentemente como o som. A vibração em ondas sempre existiu; o que não havia eram seres que o percebessem como som auditivo. Ora para contemplar o universo em sua origem deveríamos nos abster desses sons, só assim compreenderíamos a sua origem, gênese e particularidade. Esse exercício talvez fosse impossível, contudo, para uma visão metafísica - Essencial.