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Sua expressão nos obriga a cultivá-la e a tratá-la como uma rainha de um reino que nós criamos para sermos senhores e quando ela surgiu nos tornamos servos; quando a ouvimos estamos respeitando como se ela fosse a dona de nossas vidas
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A escravidão ficou estampada na história para a estudarmos e compreendê-la melhor. Existiram subserviências entre os homens, domínios sobre o corpo e sobre as nações, porém, domínios talvez poderosos, incomensuráveis vieram de posições filosóficas que moldaram uma “moral” até hoje responsável pela infelicidade humana.
A filosofia dirigiu a mente do homem, talvez não imediatamente no seu tempo, entretanto, como um efeito retardado e um veneno de efeitos retardantes. Nietzsche não foi compreendido no seu tempo, Sócrates muito menos; foi até condenado à morte por suas ideias. Somos afetados por ideias que foram criadas por homens que viveram milênios atrás. Como podemos aceitar essa condição de uma opinião individual e vivermos sob essas condições sem podermos nos rebelar?
Foi assim com Nietzsche, que se rebelou contra a moral socrática, cartesiana, kantiana e sofreu as críticas de uma sociedade filosófica já decadente à beira de um colapso, do qual Nietzsche foi o protagonista. Essa aceitação de moldes filosóficos cujos ecos são sombras de um pensamento milenar nos fazem reféns de ideias alheias. A escravidão filosófica é o produto final da sociedade que fica à mercê dessas ideias. O conformismo vem da tradição e das instituições. Se somos servos de nossas tradições, poderíamos pensar que somos dependentes de nossas próprias criações humanas. Deveríamos respeitar os ritos e as comemorações.
Em algumas culturas, como os Maias, sacrifícios humanos eram uma honra para quem era sacrificado. As culturas e as sociedades sempre desrespeitaram o indivíduo em detrimento de suas tradições. Sendo a música também um rito e uma expressão de quem a inventou, somos quem aderiu a sua criação. Posso afirmar que atualmente ninguém foi o inventor da música, ela vem do passado e de uma gênese oculta, porém, inconteste. Sua expressão nos obriga a cultivá-la e a tratá-la como uma rainha de um reino que nós criamos para sermos senhores e quando ela surgiu nos tornamos servos.
Quando a ouvimos estamos respeitando como se ela fosse a dona de nossas vidas. Se alguém espirra num concerto, mesmo que involuntariamente, nossa reação para com essa pessoa é como que estivesse desrespeitando uma realeza, porém, ela é apenas uma sonoridade, algumas notas, ritmo e uma harmonia. Nos tornamos servos dela, mesmo que ela não seja algo humano, contudo, com força e potência sobre-humanas. Bach, dizia que cantar para Deus é orar duas vezes mais. Será que essa força vem da própria música ou somos nós que conferimos poder e majestade a uma ilusão da nossa própria criação?