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Tornar-se músico não significa tornar-se grande instrumentista com a voz ou com um violão, contudo, apenas gritar o clamor que nos incomoda nem que seja uma música composta com apenas uma frase e poucas notas
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Qual será a relação entre a música e quem a ouve? Qual a relação de quem a toca, no caso o músico? Imagine um mundo sem música! Desaparece aí a relação entre o indivíduo e a sonoridade. Só nesse último sentido desaparece o envolvimento humano com essa arte tão metafísica. Parece óbvio, mas não é. A mera proibição de alguns gêneros musicais em alguns países faz desaparecer essa relação. Somos privados em muito e prejudicados quando somos impedidos de ouvir algo por causas extrínsecas. Não nos damos conta de que o que ouvimos vem principalmente de um filtro que não nos pertence.
As mídias e as decisões tomadas para formar o cardápio musical de onde acessamos é elaborado por pessoas com um gosto diferente do nosso sob condições que sequer imaginamos. O poder das mídias controla nossa “educação musical”. Quando alguma instituição muda as regras, os dogmas e as doutrinas, o público observa curioso e não se dá conta do porquê das mudanças porque não lhe compete nenhuma opinião, pois lhe é extrínseco. Quem será o senhor da música?
O simples ato de mudar de estação de alguma rádio ou trocar as faixas de um CD, ou até mesmo trocar um CD, ou jogá-lo fora não resolve essa relação de escolha. A escolha, entretanto, poderia ser uma espécie de libertação de tudo quando pudéssemos cantar no banheiro letras com músicas de nossa autoria, mesmo que as rimas fossem ricas ou pobres, ou que as melodias não fossem belas. Acredito que os trovadores medievais podiam se “gloriar” de cantar o que bem entendessem, mesmo sabendo que o que cantavam não estivesse em primeiro lugar nas paradas de sucesso.
Se pensamos que é só na música que essa relação fica perturbada, nos enganamos. Na culinária comemos o que a nossa cultura nos serve. Assim vale para as artes e a educação, onde engolimos a grade escolar, mesmo que seja amarga.
Como nos libertar então dessa servidão? Cantar no banheiro com letras e melodias inéditas, como um clamor filosófico existencial, talvez fosse uma ideia um pouco cômica, entretanto, muitos fazem desse exercício uma realidade. O próprio choro misturado a palavras de dor entoam música para nossos próprios ouvidos e nossos vizinhos. A composição individual de cada indivíduo talvez fosse o ato mais libertador. Virar o jogo e nos tornarmos músicos compositores em vez de ouvintes nos fará vociferar nossos instintos, espalhando e recitando nossas tristezas e alegrias. Essa afirmação poderá não ser utópica, mas verdadeira. Tornar-se músico não significa tornar-se grande instrumentista com a voz ou com um violão, contudo, apenas gritar o clamor que nos incomoda nem que seja uma música composta com apenas uma frase e poucas notas.