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O próprio nome “estilo” é antiquado, de bengala, barroco ou grego; há que se mergulhar numa metafísica para entender o novo, o inusitado
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Os estilos musicais vão aparecendo e desaparecendo para entrar na história. Onde estará o barroco? Confinado no que sabemos e aparecendo de vez em quando com novas partituras em novas descobertas. Um novo estilo associado às propostas de vanguarda invadem o cenário da arte. Negam o passado ou se apropriam dele para novas transformações, degenerando, ajudando ou negando o velho estilo que ficou para trás. O barroco foi uma transformação da renascença - a contrarreforma. O funk brasileiro alado em versos talvez tenha vindo do rap americano - uma transformação de cunho cosmopolita. A bossa nova sofreu influência do jazz e depois o influenciou - alguns intérpretes cantam “Garota de Ipanema” em inglês.
Estilos nascem da transformação. A quebra de um paradigma na arte poderá oferecer uma nova gênese, contudo, muito improvavelmente. Haverá sempre a dúvida de que um estilo advém do seu antecessor em contraposição à tese de que na quebra de um paradigma nasce o novo estilo. Um paradigma é um modelo a ser seguido, uma série de convenções já previamente aceitas por uma comunidade científica ou convenções aceitas, estabelecidas por uma cultura. A quebra desse não é impossível, todavia, a possibilidade de tornar o impossível, possível, como disse Schellig, através da arte.
O gênio tem um papel imprescindível nessas transformações, onde junta a matéria com o impulso humano, formando a obra de arte, que por sua vez, pode reinventar o antigo estilo, dando novas formas com essa nova inventividade. A transformação material, que é a modificação da natureza pelas mãos humanas, sempre terá um caminho novo pelas vias da obra prima. Essa, não estando atrelada ao processo contínuo de produção da arte de consumo, repetitiva das mídias, estará a salvo, podendo estar contribuindo para uma nova faceta da arte. Esse novo olhar surpreendente é do qual estamos falando, um olhar sincero abrasante, que funde uma marca no espectador, carimbo indelével, modificante, inovador, faz balançar os pilares da tradição.
O impressionismo do século XIX fez rachaduras, fendas que dividiram as placas tectônicas da arte, como regiões que se separaram, criando abismos entre os antigos estilos clássicos, entre a academia francesa realista e o movimento revolucionário dos impressionistas. Acabar ou minar um estilo é típico dos gênios. Leonardo da Vinci desanimou seu mestre Andrea del Verrocchio com sua nova técnica, seu surpreendente, inovador, chiaroscuro, que já prenunciava o futuro estilo da pintura barroca. Alguns gênios adiantam alguns estilos. A vanguarda pode estar prometida antes de estar presente ou edificada. A Semana de Arte Moderna brasileira deu provas concretas de um movimento brusco na arte. Os ouvidos e sentimentos quanto às suas verdades não foram imediatamente aceitos, a repugna da obra de Villa-Lobos foi clara na sua apresentação desta semana de arte que marcou o Brasil.
A inovação sempre possui um aio, o pilar que vem sendo reaproveitado como coluna antiga, dórica, jônica ou egípcia. A arquitetura grega se aproveitou dos capitéis egípcios, por que não a música ou arte em geral não podem se apropriar da história e dos motivos de outros estilos anteriores? A quebra de um paradigma tão almejado, como um símbolo, totem da loucura, alvo metafísico, inalcançável, estará sempre sendo perseguido pela vanguarda, talvez como objetivo, a priori, numa visão kantiana, um absurdo que torna a realidade palatável. O sabor de uma nova iguaria encanta a boca desejosa de novas sensações, um beijo diferente entre a cultura e o homem. Será, contudo, mais um beijo? Como? Um beijo diferente? Mas um beijo já existe como tal, um antigo estilo ou uma forma de expressão do amor, talvez esse tenha que ser transmutado em outra condição do homem em sua existência. Transvalorar os valores, ou todos eles, seria um desejo nietzschiano a marteladas.
Estamos acostumados com a cultura efêmera, tradicionalizante, nos embalando em sua berceuse, bercinho com almofadinhas e mobiles infantis para nos distrair. A vanguarda nos fez homens duros, irreverentes, intranquilos. Queremos mais, o novo, o surpreendente, o desparadigmático, a quebra, o fim do passado, o começo do absurdo, a obra de arte desterrada, sem o país de origem, cosmopolita, mundial estratosférico, marciano. Onde nos levará essa vanguarda? O próprio nome “estilo” é antiquado, de bengala, barroco ou grego. Há que se mergulhar numa metafísica para entender o novo, o inusitado!