Publicidade

RH

Tempo

Música e arte do passado

Nossos respeitos profundos à arte do passado, senil, mas que se apresentou um dia: jovem e rebelde!

Música  –  20/12/2018 11:37

8045

 

(Foto Ilustrativa)

Mudamos para nos confundir, abandonamos a tradição por pirraça; nunca estamos contentes com nada; a invenção sempre supera o aperfeiçoamento

 

> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", do músico (filósofo) Ricardo Yabrudi 

Este é o fenômeno que se respira, porque se respirou sempre em todos os séculos! O que se inventou em termos artísticos se torna aqui novo para a apreciação: a música, teatro, pintura, escultura, todas essas manifestações passadas encenadas novamente para o deleite do passado numa época atual. Talvez, representem alguma modernidade porque tudo ou quase tudo é cíclico dependendo da quebra dos paradigmas em que estão envolvidos. O que essa arte pode nos dizer, se o mundo muda constantemente? Apenas deleite histórico? O que fazer com pilhas de pinturas nos museus ou ouvir uma sinfonia ou uma música renascentista?

Estamos presos sempre a fatores históricos. Talvez o ensinamento e a apreciação, venha de estudos comparativos da arte. A temporalidade aqui despreza a convicção do contemporâneo. Para que serve a arte que já se foi, principalmente, aquela servil dos que detinham o poder e encomendaram obras a artistas que se venderam a essas ideias, ideias dos retratos familiares? Qual o verdadeiro sentido da arte, se ela não se faz livre sem autoritarismos?

A art pour l´art bem soube responder a essa questão. Mas, mesmo ela, a do século XIX, com seu impressionismo, nos faz ter hoje uma visão apenas histórica: com Van Gogh, Matisse e o grande grupo dos impressionistas. Após esse estilo, que foi abandonado pelos posteriores, como o cubismo e o dadaísmo, tudo vem a ser um símbolo histórico, avesso ao nosso contemporâneo, tendo sido manifestações contemporâneas daquele tempo. Será sempre o novo tendendo a ser velho num futuro, dando lugar a um segundo novo, e assim sucessivamente num ciclo perpétuo? Assim, “O contemporâneo seria o instante artístico que não o será em breve”. Estamos órfãos sempre dos estilos, somos filhos da arte, produto de suas mudanças. Eles se tornam nossos pais e depois avós e bisavós. A arte será sempre antiga, contudo, eternamente digna de ser um lastro e uma enciclopédia dos feitos dos artistas - “a grande biblioteca, ou acervo dos sonhos de Apolo, esse que descreve”.

A modalidade de arte que passou é esnobe, porque é anciã. Seu tom solene subjuga o gosto humano porque tem na aparência, uma cartola e bengala francesas passeando pela praça de mãos dadas com a senhorinha virgem. Tirem-lhe a pompa e vejam o que sobrará! Lembremo-nos como na Semana de Arte Moderna, Villa-Lobos entrou em cena com um curativo no pé para que não deixasse de estar presente àquela linda e preciosa atitude dos nossos artistas revoltados contra as cartolas e as bengalas. Villa escrachou, sem querer, por necessidade médica, mas não sabendo que estava machucado de verdade, o público vaiou porque a cartola e o fraque foram trocados por uma gaze presa a um esparadrapo. Hoje no projetor vemos a semana de 22 como um lúgubre estágio que se foi, ultrapassado pelos estilos subsequentes. Esse é o retrato do passado, um álbum de família da arte onde encontramos fotos em preto e branco (a arte do passado), e as coloridas um passo adiante, o contemporâneo, que se tornaram velhas, trocadas hoje pelas imagens representadas pelos pixels nos nossos celulares e computadores. A própria fotografia se superou porque as fotos do século XIX são verdadeiros tesouros, embaçadas em comparação com as modernas, dão um ar impressionista quase nos convencendo de que são desenhos a lápis.

Verdade absoluta na arte?

A história cria fantasmas estéticos! Engana-se a si mesma! Entretanto, pensamos que os estilos que marcam o contemporâneo são o fim da linha de uma viagem rumo a um fim da cultura, a uma estagnação, ou ao encontro da verdade absoluta na arte. Pensamos achar a pedra filosofal da arte e que aquela pedra seja o símbolo da verdade. Mudamos para nos confundir, abandonamos a tradição por pirraça. Nunca estamos contentes com nada. A invenção sempre supera o aperfeiçoamento. Os gregos não pensavam assim, mas sim os romanos, todavia, esses helenos, os argivos, não escaparam dessa gulodice em mudar suas tendências procurando o novo. Foi assim com a tragédia grega, principiando com Esquilo que a criou, porém, no mesmo embalo Sófocles a modificou, quando finalmente Eurípedes no último estágio da tragédia a destruiu com a ajuda de Sócrates. Adentrávamos, enfim, na era das comédias que ocuparia desonrosamente o lugar da tragédia grega. Mesmo querendo mudar o estilo da dramaturgia, vemos a tragédia como uma bruma esfumaçada, histórica, aquela que Nietzsche quis renascer através de Richard Wagner.

Essas tentativas do contemporâneo sempre se tornam sombras homéricas, como a Ilíada. Os versos metrificados foram cantados com rigor na Grécia e destruídos pelos concretistas do século XX. Décio Pignatari, esse baluarte da brasilidade concreta agora é também história para aprendermos que tudo passa, tudo é longe, tudo fica distante. A vida desenrola seu tapete vermelho e o sujamos. Essa poeira nos faz trocar o tapete por outro tapete. Os casamentos se desfazem porque se desgastam. Que pena! A arte é casada com o artista que se divorcia constantemente e muda de amante! Ainda achamos na guta de Lascaux imagens que duraram mais. Os povos primitivos possuíam um sentimento ímpar quanto a arte, pois a veneravam, porque continha um ato religioso. Enquanto não reverenciarmos a arte como uma religião, estaremos perdidos num laicismo prejudicial, onde o artista se torna um deus, criando seu pedestal e seu próprio panteão, sendo ele o deus monoteísta de sua crença. Essa única saída o transforma num ser egoísta, se achando o máximo dos máximos, onde a máxima é: “eu sou”! Diz também: eu inventei um novo estilo.

Essa fragrância que só ele sente o cheiro é o perfume inodoro que o público diz que sente e percebe. Mentirosos, puxa-sacos! Não entendemos o artista, nem suas metáforas. Apenas ele em seu mundo fechado pode entender profundamente seus anseios e intenções. A arte é criada para satisfazer o ego do artista que ri de quem contempla suas obras. Diz: nunca me entenderão, mas gostando um pouco das minhas obras colocarão uma coroa de louro na minha cabeça. Não era assim que os tragediógrafos na Grécia eram coroados quando ganhavam o primeiro prêmio? Pensam que o público entendia tudo? Não. Esses eram ajudados pelo corifeu e o coro. Mesmo assim, as tragédias permanecem ocultas em seu profundo diálogo. Até Freud se apoderou delas para desvendar o aspecto psicológico, psicanalítico humano.

“O artista é esse ser que inventou a invenção”, que não se contenta com a tradição. Contudo, passado os anos, aquela arte juvenil se torna senil de cartola e fraque. Mas como é elegante um ser bem trajado! Nos encontramos no museu, esse lugar de respeito e confiança, é esse álbum de família que nos orgulha. Esse é meu tio, essa é minha prima, digo às peças do acervo! São todos nossos parentes e amigos da felicidade, nosso Van Gogh, Villa-Lobos, Niemeyer, Goethe. Essa é nossa arte do passado que nos orgulha e que estão vivas. De fraque e cartolas desfilam solenes, nos cumprimentam com parcimônia. Nossos respeitos profundos à arte do passado, senil, mas que se apresentou um dia: jovem e rebelde!        

_______________________________________________________

Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

Seja o primeiro a comentar

×

×

×