(Foto Ilustrativa)
Mudar o nome ou fazer um lift em um estilo é quesito básico em uma sociedade capitalista que visa o lucro e a movimentação da economia em detrimento do aperfeiçoamento da arte
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Estilos arquitetônicos, estilos musicais, estilos da pintura, todos estão no mesmo barco falando a mesma língua sem saber que num futuro lhe darão um nome. Quando nasce um bebê, esse já possui um nome (desde o ventre, já escolheram até sua alcunha). Com os estilos (períodos artísticos) não se dá o mesmo. O estilo renascentista foi alcunhado depois que se deu a abertura para a pesquisa das artes e filosofias proibidas pela igreja (daí o nome renascença, onde re-“nasceu” o pensamento clássico da Grécia e Roma).
Com exceção de algumas manifestações culturais como o dadaísmo e alguns modernos e contemporâneos, a maioria dos estilos foi nomeada posteriormente. Essas novas formas de ver a arte nascem sem rótulo, tendo uma mãe que criou seu embrião como manifesto de divergências e inconformismos. A data natalícia desses estilos anteriores foi quase sempre imprecisa.
No estudo de uma história da arte, não podemos informar precisamente o nascimento da arte barroca, por exemplo. Alguns países relutaram em não entrar na onda da contrarreforma. Tardiamente a própria Inglaterra de inclinação protestante entrou neste emaranhado que a igreja preconizou, talvez, não por influências e direcionamentos religiosos não protestantes, mas por um modismo cultural imposto por forças que nem mesmo o fundamento religioso pode segurar.
Contudo, esse país não conteve a avalanche que assolou a Europa com as ideias da contrarreforma se rendendo às formas contra reformistas por aceitação plena sem questionamentos, fazendo dessa aceitação um acaso, uma pompa monárquica ou, talvez, entender que o barroco tinha vencido os propósitos pelos quais ele se fundou, cosmopolizando os países numa ideia artística pura onde deixou à deriva o cânone religioso. O estilo barroco obedeceu a cânones de riqueza, exasperando o que era humilde e racional para tornar-se uma arte pomposa. Sua arquitetura rica em profusão dourada, curvilínea, de entortamentos ímpares, ditou para todos uma expressão que foi copiada até para quem não se afeiçoava dessa prática artística. Assim nasce um estilo, com uma mãe, mas sem nome.
Um nome dado pode às vezes levar a um erro
Muitas pessoas nascem com um nome programado, entretanto, quando se tornam adultas costumam não aceitar o nome que seus pais o deram. Alguns artistas mudam seu nome, preferindo o nome artístico. Esse é o acerto do nome dos estilos depois de sua fundação dado pela história. Algo deve ser nomeado pelo que parece ser.
Na própria filosofia os períodos que transpassaram a história receberam nomes tardiamente. Como poderia na Grécia antiga dizer que Thales de Mileto ou Heráclito seriam pré-socráticos, haja visto que Sócrates ainda não era nascido? Como poderíamos chamar de um filósofo “cínico”, como Diógenes de Sinope, se foi através de sua vida errante e mendicante comendo resto de comida como um cão nas ruas de Athenas é que se deu a alcunha desse período filosófico. O cinísmo (doutrina filosófica), vem de Kinus que quer dizer cão, que foi ilustrada principalmente pelo modus vivendi de Diógenes.
A análise é o seguinte: primeiro vem a vida dos filósofos, depois o nome que ilustra a vida e pensamento deles. A antecipação dos nomes incita o erro. Devemos esperar que a cultura chame quem quiser do que quiser. Mesmo que a nomeação não seja exata, ela vai acertar porque estará carregada de conexões. Erros de nomenclatura são aceitos sem o menor constrangimento pela história da arte.
Veja o exemplo da renascença: Esse deveria ter sido chamado neoclássico, porque reviveu os cânones da arte clássica (grega e romana). O neoclassicismo que conhecemos do século XIX deveria se chamar neo-neoclassico, por ter sido uma segunda repetição do movimento renascentista. Mesmo assim a cultura vai aos trancos colocando seus nomes com erros ou sem erros, e os estetas aceitando sem divergências. Celeuma pior seria se os estilos fossem nomeados no seu surgimento. Mas como saber se surge algum estilo? Quando se dá o nascimento dele? Seria como dizer como nasce um diamante, sua hora precisa, ou o mármore, ou um rio.
No curso da história vamos apelidando os movimentos artísticos
Na música: o jazz e sua história, o blue controverso, a bossa nova brasileira são exemplos dos estilos que receberam nomes posteriores ao seu primeiro surgimento. A primeira canção que inaugurou a bossa nova não era considerada bossa nova, mas, outro modo musical. Na verdade, era um samba tocado de um modo diferente, com uma “batida” de violão mais comedida.
Esse movimento começou a se instaurar pelo ano de 1950 em reuniões nas casas de músicos brasileiros. Posteriormente, em 1957, teria recebido o nome, onde no Colégio Israelita-Brasileiro a secretária do colégio escreveu no quadro-negro convidando pessoas para um samba-sessions por uma turma “bossa nova”. Nota-se que a alcunha foi devida, provavelmente ao ímpeto e à forma pela qual os músicos se apresentavam. Nessas samba-sessions do colégio se apresentaram: Carlos Lira, Ronaldo Bôscoli, Roberto Menescal, e muitos outros.
A arquitetura de hoje não possui nome (ainda bem)! O nome massifica o produto artístico e a vanguarda incita o kitsche. Qualquer mudança nos volumes arquitetônicos gera uma nova visão (já então mudam o nome do estilo na arquitetura). Com telhado não aparente se tornou com um novo nome, com telhado aparente já se tornou colonial. Existe uma vontade e uma tendência de que os estilos se extingam principalmente para acelerar a economia e mudar tudo: “para que o velho estilo se torne cafona”, démodé, afinal quando se muda o estilo quase todos os insumos são reinventados. Mudar o nome ou fazer um lift em um estilo é quesito básico em uma sociedade capitalista que visa o lucro e a movimentação da economia em detrimento do aperfeiçoamento da arte.
A arte grega levava seus fundamentos ao paroxismo até que se esgotasse todas as possibilidades. Os próprios utensílios sofriam aperfeiçoamentos que levavam décadas, às vezes séculos, por exemplo as azeiteiras. Aqui já não importa a arte, mas a economia que vorazmente quer o novo, mesmo que não se esteja preparado para o novo e que antes que esteja velho já martiriza o que ainda é vivo, pulsante, para crucificá-lo sem justificava ou obrigá-lo a beber a cicuta que Sócrates bebeu, para enrijecer os membros e levar à morte lenta o antigo estilo, para que seus movimentos não mais sejam um movimento artístico. Contudo, será uma lenda da história da arte onde o novo ainda não nascido quer ser logo fecundado sem nome, sem destino sem futuro, apenas direcionado pelo lucro e vontades não estéticas, artísticas e belas.