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Passado, Presente e Futuro

A arte tradicional pode acabar um dia?

A arte natural tem ainda um caminho para o desconhecido que nunca se esgotará enquanto não a trocarmos pelo ato bárbaro virtual

Música  –  16/01/2019 23:39

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(Foto Ilustrativa)

No futuro o homem pintará a óleo, escreverá com a pena, tocará seus instrumentos acústicos, suas cítaras indianas, seus alaúdes barrocos e suas flautas andinas. Para que descartá-los?

 

> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", do músico (filósofo) Ricardo Yabrudi 

Uma cena cinematográfica difícil de se ver: “Alguém no futuro em uma espaçonave pintando um quadro a óleo”. Será o tempo dedicado à arte trocado pelo interesse apenas em artefatos tecnológicos, virtuais, numa irrealidade cibernética? Raramente os jogos serão banidos por possuírem um caráter “bárbaro”. Os jogos foram e sempre serão nossos “coliseus”. Afirmavam os romanos que quando o coliseu fechasse suas portas Roma estaria no seu fim. Se não findamos nossos jogos, nosso coliseu está de pé, se Roma não está mais lá, estará aqui nos nossos profundos desejos. Somos Roma e sua pura barbárie, considerando, contudo, que os povos de além das fronteiras romanas eram chamados bárbaros. Os gregos também assim chamavam os outros povos. 

A cultura greco-romana tem essa algema que identifica dois povos da antiguidade: os gregos e os romanos. Sua filosofia era partilhada, copiada, por sua vez pela avalanche dos filósofos gregos. As escolas gregas inundaram o pensamento romano - o estoicismo foi o seu maior evento filosófico. A barbárie considerada nefasta por esses dois dominadores, cada um em sua época, poderá ser reconsiderada, se por cultura e tecnologia forem atributos da “não-barbárie”. Sabemos que os partos, considerados bárbaros pelos romanos, não tinham nada de bárbaros. Os povos árabes possuíam conhecimentos sobre a astronomia que dariam inveja à Ptolomeu. A barbárie se contrapõe à sensibilidade, na visão greco-romana. A arte desses dois gigantes manifestou-se com a arte contra a barbárie. 

Glamour atlético 

Os jogos olímpicos, porém, e as atividades dos ginásios gregos possuíam glamour atlético, como também agressividade física; o “pugilismo” descrito por Aristóteles na “Ética a Nicômaco” é argumento que atesta a agressividade nos jogos gregos. Não estamos falando aqui da preparação dos jovens para a guerra que tinha caráter primordial na Grécia antiga, em que era obrigatório a participação da população masculina para servir o exército grego. Em Roma não era diferente, todavia, a carnificina nos coliseus aumentava mais o ódio e vontade dos espectadores por sangue alheio. O grande sonho de Nero era construir o coliseu de Roma. Este não o viu inaugurado, mas apenas sua estátua; esta, se manteve guardiã na sua inauguração pouco após sua morte. 

Os jogos são o contraponto e outro lado da vontade humana para a catarse. O homem precisa se divertir. Pensar como bárbaro o desviará da filosofia. Pensar como filósofo o desviará da barbárie? Existirá uma barbárie filosófica? Mortificar o corpo por motivos ascéticos, filosóficos, metafísicos, não é senão um ataque bárbaro de um indivíduo contra si. Deixar de comer uma iguaria porque o calendário o faz cumprir rituais religiosos com pretensões metafísicas é condenar-se à “fome” sendo ele seu próprio algoz e juiz. Milhões de pessoas morrem de fome todo ano, e alguns entram por essa porta, por livre e espontânea “verdade”, dizendo que com essa atitude saem da barbárie. Onde estará o “amor fati”, o amor pela vida? 

Talvez desejem sangue alheio para matar sua fome e numa catarse da brutalidade amainar sua sede através desse divertimento metafísico. A arte viria para suavizar os rostos brutos, enobrecer o homem, torná-lo romano ou grego, desertificar a maldade, corromper o juízo da loucura humana pela destruição do outro, do próximo, que se aproximou para amá-lo. A arte tem esse trejeito feminino, especial, sedutor, engasgador que fere o bárbaro sem ser amazônico, (referente às Amazonas da Grécia). Ela um dia morrerá? Provavelmente não, porque balanceia a barbárie e o suave perfume da existência, onde exala o amor fati e o amor social entre os homens. 

Verdades ocultas 

No futuro o homem pintará a óleo, escreverá com a pena, tocará seus instrumentos acústicos, suas cítaras indianas, seus alaúdes barrocos e suas flautas andinas. Para que descartá-los? Falamos em “virtualidade” como se fosse a grande saída para o ato civilizatório, como se o primitivo fosse bárbaro e homem que criou a bomba nuclear, um deus da modernidade, virtuoso, aristotélico, gênio da ciência do bem e do mal. Além do bem e do mal existem verdades ainda ocultas que farão retroceder esse pensamento futurista fantasioso, uma realidade pitoresca que falseia o rosto encoberto pelas próprias mãos do homem contemporâneo. 

Estamos a caminho de um precipício; as máquinas não retrocederão, os computadores estão a caminho da arte livre por suas próprias mãos e inteligência artificial. Ninguém mais ganha dos computadores no xadrez, e na arte? Seus bits autônomos substituirão o artista sensível? Schelling com seu binômio natureza-homem poderá ser descartado. Talvez natureza-virtualidade autônoma será nosso futuro. Este identificou que a transformação da natureza pelas mãos humanas produz a intencionalidade artística com ou sem intenção. 

“Transumanismo” 

Com o futuro, a arte poderá perder essa correlação natureza e o humano, trocada pelos circuitos eletrônicos de pensamento livre, o “transumanismo”. O homem cria seus próprios inimigos. Ele os cria nas guerras com o interesse guiado pela ganância individual de algumas figuras humanas personificadas pelo mal. O homem é perigoso para si. Ele cria seus fantasmas e inimigos, como cria a virtualidade contra a arte natural para ofuscá-lo e denegri-lo - cria seus próprios algozes. 

Um dia pintaremos o sol com tintas naturais numa tela, como na época do impressionismo, mas com o ponto de vista (elemento do desenho em perspectiva) em Marte. Desenharemos e cantaremos o novo batismo do homem em outros planetas. Aqui já deu o que tinha de dar, só a arte natural tem ainda um caminho para o desconhecido que nunca se esgotará enquanto não a trocarmos pelo ato bárbaro virtual. O virtual é bárbaro porque anula o homem e o mata, anulando-o. As imagens nunca retrocederão, elas se perderam no passado e infinito. Mesmo que a fotografia tente nos lembrar, essa imperfeição da “caixa preta” de Flusser não irá substituir o que se foi como visão que aconteceu no concreto; apenas poderá ser substituída pela pincelada subjetiva do pintor artista ou o canto ditirâmbico dos sátiros que entoam o modo dórico enaltecendo o mito apolíneo que sofre no ato trágico, mas que se ergue das cinzas como a fênix.   

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Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

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