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Tempo de Mudar

Música e educação

Estamos com os sentidos dormentes pela falta de informação nas escolas

Música  –  21/03/2019 10:41

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(Foto Ilustrativa)

Temos ouvido mal a música, temos visualizado mal as artes visuais, temos nos alimentado mal, temos vistos péssimos programas nos canais abertos, temos acessado péssimos sites na internet

 

> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", do músico (filósofo) Ricardo Yabrudi 

Não existirão bons ouvintes e admiradores enquanto a música e as artes não se tornarem objeto de estudo na educação, por exemplo, como se estuda matemática em todo o seu compêndio, incluindo aí a geometria. Aliás, Pitágoras, o grande matemático e filósofo, grande professor dos helenos, foi quem impulsionou a música. A escola que fundou, chamada “semicírculo”, que na verdade era mais uma irmandade, era uma entidade parcialmente secreta de cunho “religioso” e intelectual. Como os essênios, seus bens materiais eram comuns. Proibia-se o consumo de vinho e carne entre os membros. A purificação da mente se dava por meio da geometria, aritmética, astronomia e principalmente da “Música”. 

Para Pitágoras e as centenas de discípulos do semicírculo, a música tem nos intervalos musicais proporções aritméticas. Esse grande filósofo acreditava no poder da música, onde os sons que a compõe produzem efeitos sobre a psique humana. Aristóteles, um filósofo que sucedeu a Pitágoras, aproveitou suas ideias para definir a música segundo suas convicções e aproveitar para dizer que ela era uma “arte medicinal”. Coincidência ou não, o mesmo peso que ele encontrou na matemática foi o mesmo que ele encontrou analogamente na música, principalmente, porque essa guarda relações com as frações na divisão de sua leitura na pauta musical. Os intervalos sonoros obedecem, segundo ele, relações matemáticas, ele o encontrou nas medidas das cordas, como da lira por exemplo (as relações de comprimento de corda são fracionárias, matemáticas). A lira é uma espécie de harpa. 

Física e metafísica 

A visão da sociedade, incluindo aí as instituições que zelam pelo mundo da arte, mascara a arte colocando-lhe uma roupagem filosófica intuitiva, afastando-a das ciências, como se essa última fosse perversa, estragando a “bela” conformação do “artístico”. Ora, qual o problema em associar a criação, que é metafísica, com a técnica que é cientifica? Ora, simplesmente a música começa com a física e vai “para” (meta), além da física, a metafísica. Em verdade, a arte em geral, principalmente a música, começa no real, o físico e extrapola, culminando, transbordando na metafísica que habita um outro mundo, o do pensamento onde a arte está aí incluída. Talvez seja o mesmo conceito que usou Santo Agostinho para expressar o transbordamento da criação, onde nós e o universo somos o que transbordou da extensão do corpo divino. 

Possuímos, aditivamente, o cacoete e a falsa impressão de que a arte deverá sempre ser sentida como um “éter”, que vem impregnar as mentes dos criadores (os artistas), como uma mágica, que vem de um instinto místico do além, tornando-os uma espécie de deuses da criação. Se observarmos a importância da técnica cientifica, constataremos sua penetração na arte através da matemática, geometria, com sua derivação no efeito da perspectiva (muito usado nas pinturas renascentistas). Essa foi uma técnica que aprimorou, desenvolveu a pintura, tornando-a mais próxima do “real”, que era o objetivo da época. Essa técnica de avanço científico na arte pictórica se seguiu por mais três séculos, culminando no XIX. 

Consequentemente, se desvaneceu no século XX, com o fauvismo e o cubismo de Picasso e Georges Braque, não porque copiava a fotografia, não por birra, todavia, porque não havia propósito firme para os novos estilos da pintura. No entanto, novas técnicas, aprimoradas pela ciência inundaram o meio artístico, novas cores, novos materiais, novos conceitos geométricos. A geometria está inscrita em todas as telas. Mesmo que zombando dela criando um arrufo, a arte, por meio dela - não conseguirá desprezá-la; essa a seguirá eternamente. Tudo, nas telas pintadas, será microscopicamente: círculos, retângulos, linhas, pontos etc. Não há como fugir da matemática com sua geometria na arte. 

Na música se dá, se confirma o mesmo, pois o ritmo é matemático, fracionário. Estamos aqui falando das figuras das notas musicais que são as: breves, semibreves, mínimas, semínimas, colcheias, semicolcheias, fusas e semifusas (sem esquecer as desusadas, longas, quartifusas etc.). Cada uma das anteriores vale a metade das outras pela ordem. Por exemplo, a semicolcheia vale a metade do tempo da colcheia, ou seja, ½, que é uma fração. Isso tudo está posto, colocado, para não mencionar a complexidade dos cálculos na leitura da pauta musical, como os pontos de aumento e os duplo-pontos, que aumentariam mais a dificuldade da execução à “primeira vista”, porque esses acrescentam uma nova metade no valor da duração das notas musicais. Contudo, esse é um estudo para músicos. 

Conhecimento para o simples ouvinte 

Eia! Esperemos um pouco e pergunto: Por que só para músicos? O simples ouvinte poderá adquirir esse conhecimento para melhor entender a música, da mesma forma que se estudar a geometria e a perspectiva nas escolas entenderá melhor e contemplará muito mais profundamente a tela de um pintor. Muitos leigos apreciam a “Santa Ceia” de Leonardo da Vinci, mas muitos não estão conscientes que uma das maiores belezas desse afresco é a perspectiva que emergia na renascença, que se aguça no interior do cenáculo, onde Jesus e seus 12 apóstolos foram retratados e que o Cristo está exatamente no meio da cena, no “ponto de fuga” da obra. Fugir da matemática e sua geometria na arte seria como não entender a composição química dos alimentos, aliás, hoje está na moda nos inteirarmos dos omega 3 e dos carboidratos. 

A diferença é que estudamos biologia e química na escola, dada pela grade obrigatória e entendemos os processos bioquímicos de produção de energia pelo ciclo de Krebs, mas não estudamos as notas, nem desenho geométrico, a não ser que façamos um curso de especialização no segundo grau. Contudo, a geometria apesar de estudada não traz exemplos na arte, todavia, em exemplos na área de engenharia. As mídias também não colaboram com a música nem com as artes plásticas. Colaboram sim com a indústria alimentícia que lhe oferece suporte financeiro. Essas ensinam de tudo, como comer, o que engorda ou não, o que faz mal ao coração, entretanto, não se vê jurados dos programas de talentos musicais fazendo comentários técnicos científicos, musicais, sinfônicos sobre as performances dos candidatos. Sem esses comentários científicos, o público nunca entrará pela porta da verdadeira avaliação sobre a boa música e do grande talento. As mídias poderiam ser mais informativas e menos comunicativas. Um pouco de saber técnico ajudaria muito. Contudo, o dever partiria da educação escolar, que ao ouvir, estaríamos aptos a entender a boa música e varrer o que não é bom para o lixo eterno, um buraco negro da vergonha musical. 

Arte não vem com manual de instrução 

A arte estará sempre esquecida enquanto a grade escolar não a ligar às ciências que a sustentam. O ouvinte leigo infelizmente não entende o que ouve, porém, se alimenta melhor, porque hoje já as crianças recebem orientação nas escolas sobre o que é saudável. Esse, todavia, não sabe ouvir a boa música com suas nuances técnicas. A criança que seguir os cânones alimentares orientados pelos professores será o leigo ouvinte de música, e o será também apreciador de uma arte destituída de geometria, porque não o ensinaram a ligar geometria e matemática com a arte. A arte hoje está legada aos leigos destituídos do conhecimento das ciências, porque a educação hoje não se importa com ela. Sabemos que a arte é o suspiro e a ponte para o entendimento da vida, pois ela é “filosofia muda”, ela não vem com um manual de instrução. 

As pinturas falam através de suas linhas, traços, cores, sombras, perspectivas atmosféricas, pontos de fuga que são alheios ao conhecimento comum. São os análogos científicos pela ordem, geometria, física, desenhos geométricos. Em contrapartida, a culinária já vem se apropriando há muito tempo dos quesitos e propriedades químicas para não distorcer sabores. A vontade de se aliar às ciências faz da gastronomia uma arte atual que sabe que precisa das ciências, pois sem ela - fica caduca e não saudável, que é a moda do momento. A música, coitada, se não conseguir o suporte matemático ensinado nas escolas, terá na sociedade ouvidos apenas para o “atirei o pau no gato”. É bom salientar, que a harmonia e melodias dessa ciranda, canção infantil, não tem nada de muito diferente da maioria das canções da música que se costuma ouvir nas mídias e nas redes sociais, que estão nas paradas de sucesso (com algumas exceções). Harmonias e melodias um pouco mais complexas e com contraponto mais ousado, entretanto, se ouvirá, comedidamente, com Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Arrigo Barnabé e outros que deveriam ser ouvidos com o olhar cientifico. Estamos aqui ainda no nível popular. 

Tarefa difícil, porém, não complexa 

Para ouvir Wagner ou Beethoven, precisamos de um passo maior e muito mais estudo escolar. Procurar por quem não quer fazer a fila andar e melhorar os ouvidos de uma sociedade é uma tarefa difícil, porém, não complexa. Se Pitágoras foi um grande matemático e grande músico, então, que o professor de matemática ensine música junto com seus cálculos, como o que o filósofo provavelmente fazia com os seus discípulos. Que o professor de geometria calcule as formas e áreas dos retângulos inscritos nas pinturas de Piet Mondrian. Que as cores dos quadros sejam estudadas pelo professor de física quando ensinar ótica e mecânica ondulatória. Aliás, Einstein foi um grande físico e matemático, adicione-se aí um grande músico e violinista (tocava muito bem a Chaconne de Bach). Foi o anfitrião de Susuki na Alemanha, o criador do método rápido de aprendizado para violino, principalmente para crianças. A educação prefere formar cientistas burocratas, e que a ciência que propõe, não tenha ligação com a arte. Na literatura até que não estamos tão mal servidos, todavia, nas artes visuais e na música estaremos à deriva de mãos atadas. 

Para que serve a educação então? Precisamos ser educados para viver melhor, para comer melhor, para ver melhor, para ouvir melhor, para nos divertirmos melhor. É no ócio que percebemos a qualidade de vida em que estamos mergulhados, se estamos vazios, se estamos felizes. Muito da solidão, acompanhada da terrível “depressão”, a doença do século, vem do: não entender o mundo e não apreciá-lo. Arthur da Távola sempre dizia: “quem ouve a música excelente, nunca padecerá de solidão”. Mas Arthur se baseava em ouvir principalmente a música clássica, aquela que nos faz pensar, que apesar de difícil compreensão nos afasta dos maus pensamentos, do pensamento do vazio, aquele pensamento e olhar para o infinito, para aquele ponto invisível que leva o não apreciador da boa música, às vezes, a depressão (Esse exemplo não é uma regra, mas um conselho). A arte nos liberta desse mal do século, ela é curativa.       

Precisamos revisar os conceitos ensinados na escola 

O ensino dirigido como servo da burocracia como serviço de uma vida sem intelecção, leva uma sociedade a se divertir como uma engrenagem de relógio, ou que sai apertando parafusos mesmo depois que deixa o serviço numa fábrica. O grande filme de Charles Chaplin, “Tempos Modernos”, é o retrato fiel de uma sociedade industrial que faz com que levemos os problemas do trabalho mecanizado para a vida de lazer e do ócio.

A escola deveria ensinar que a ciência principalmente desvenda os mistérios para a vida e não apenas para o trabalho. O trabalho é consequência da vida e não a vida consequência do trabalho. Esse é para servir a vida e não a vida servir o trabalho. Essa inversão de valores nunca está clara no ensino, onde as ciências são um símbolo do “progresso”, onde esse é uma entidade a ser alcançada “ad infinitum”, sem uma visão filosófico-existencial. Existimos para a vida e não para o trabalho. E mesmo o trabalho, contudo, tem sua beleza quando ele invoca o bem da vida, como por exemplo, os profissionais de psicologia, da medicina, dos próprios professores. Os cientistas famosos de nossa história sempre tiveram um olhar da física como um conhecimento para desvendar mistérios da existência. A banalização da ciência, porém, como escrava da burocracia, é o que desvia o homem do seu ser primitivo, que deseja sorver melhor o vinho da vida, esse líquido dionisíaco, estudado hoje pelos enólogos, esses grandes estudiosos da química da gustação. 

Esquecemos da Grécia com todo o seu valor quando não praticamos o que ela nos outorgou e nos ofereceu. Aproveitamos a matemática de Pitágoras, mas não sua música, sua paixão, que até curava os enfermos. A filosofia está sendo abandonada nas escolas e quando é estudada não se liga às ciências, sempre se considerando metafísica. Se realmente respeitamos os gregos e a sapiência que eles nos legaram, poderíamos fazer renascer o semicírculo, a escola de Pitágoras para fazer renascer a música com todo o seu potencial, casada com a matemática e a pintura com a geometria. Nietzsche tentou convencer Richard Wagner do verdadeiro poder trágico da dramaturgia de Esquilo e Sófocles sem sucesso, pois romperam a amizade. Uma amizade deve estar consolidada principalmente com fins existenciais e igualdade de pensamento e não com igualdade de copos de cerveja. Se os professores realmente amam sua profissão que deem aos seus pupilos uma ciência aplicada às artes, que são o fim da linha e a diversão no ócio depois de um longo dia de trabalho quando estiverem adultos. 

Temos ouvido mal a música, temos visualizado mal as artes visuais, temos nos alimentado mal, temos vistos péssimos programas nos canais abertos, temos acessado péssimos sites na internet. Estaremos recrudescendo na escala do pensamento humano histórico? Estaremos voltando à Idade da Pedra? A cidade que nos cerca e nos oferece boa música e bom teatro possui uma população sem os quesitos necessários para a boa apreciação estética artística, no sentido visual, auditivo, gustativo e tátil. Estamos com os sentidos dormentes pela falta de informação nas escolas. Por onde entrarão os bons sentidos? Haverá um culpado? Acho que todos nós somos os culpados em aceitar não enxergar a boa arte e não ouvir bem a boa música. Cada um que faça a sua parte. Que a educação possa ser repensada. Que pena! Estamos à deriva. O ensino científico das escolas é bom, mas sem aplicá-lo ao que importa, que é o do viver, estará servindo um caviar da arte para quem não sabe apreciá-lo, e uma boa música com ouvidos tapados.

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Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

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