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A amizade e respeito para com o visível e o audível ainda possuirá as forças necessárias para se disseminarem através da educação
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O que são as riquezas? O que são tesouros? Para os árabes que traduziram grande parte dos textos gregos, tanto filosóficos quanto científicos, que eram copiados dos navios que atracavam os portos árabes, são esse tesouro. Quando naus aportavam portos árabes do extremo oriente, a guarda dos califas recolhia todos os manuscritos que estavam nos navios e os copiavam. Faziam parte deste acervo cartas náuticas, textos filosóficos, escritos dos atomistas gregos, como os de Demócrito e até de Epicuro, e outros tantos textos de importância para o saber e interesse astuto árabe que sempre se preocupou com a sabedoria cosmopolita. Esses textos retornaram à Europa na Idade Média por esses mesmos árabes, quando da ocupação da Península Ibérica. Após sucessivos incêndios da biblioteca de Alexandria, atual Cairo, no Egito, muitos dos pergaminhos guardados (talvez grande parte) se queimaram.
Nós, ocidentais, os perdemos. Foi uma das maiores perdas da humanidade. Contudo, com a genialidade, esperteza, cuidado, prevenção dos califas, esses textos voltaram às bibliotecas ibéricas. O califado de Córdoba, um dos califados, se estendeu de 929 até 1031, sendo substituído por vários múltiplos califados menores, chamados “taifas”, onde se encontram a atual região de Espanha e Portugal. Salvaguardados os textos em árabe, esses foram traduzidos principalmente para o latim e outras línguas europeias medievais. Textos totalmente perdidos ressurgiram como um tesouro que vieram à tona como uma agradável surpresa, onde Tomás de Aquino, principalmente, pôde basear parte de sua teologia e filosofia com a preciosidade desses muitos pergaminhos resgatados, que foram resguardados pelos califas por séculos.
Recordando a história podemos inferir e tirar uma série de conclusões com respeito a esse preâmbulo. Tesouros são “voláteis” e que não pesam, nós é que outorgamos “significado” e “peso” a eles. As informações carregadas no colo pela comunicação, que podem ser “informações” novas, são ideias de “registros” que podem estar em diversas línguas e idiomas. Por um lado, no caso dos textos grego-árabes, a tradução pode ter perdido parte de seu conceito primordial. Alguns textos do grego clássico, por exemplo, usado por Aristóteles, veio a ser traduzido para o árabe e esse posteriormente para o latim, talvez em outros dialetos também. Essa via de mão tripla pode ter modificado o texto original, embora alguns textos tenham sido copiados diretamente do grego, onde não haveria perda na compreensão, por estar na língua original.
Quando um original é perdido porque está codificado, escrito, em uma língua morta, por exemplo, o problema se acentua ainda mais. Os hieróglifos egípcios foram decifrados mediante o estudo da Pedra de Roseta. Todos esses tesouros descritos aqui mudam seu peso semiológico, com relação a sua preciosidade. Os desenhos e inscrições primitivas das cavernas que estão espalhadas pelo mundo, como a de Altamira, Lascaux e até do nosso Nordeste, não conseguem ainda uma leitura clara e precisa como aquela que os habitantes primitivos intencionalmente representavam. São tesouros que vemos apenas o seu baú, trancado, e quando aberto pelos arqueólogos não identificamos “totalmente” o significado de suas joias e os metais de que são feitos, como se a tabela periódica deles nos fosse desconhecida.
Ter em mãos tesouros que não se conseguem decifrar causam um “incômodo”, onde cientistas, semiólogos e linguistas se debruçam, quando no final não obtém o sucesso que pretendiam. Por exemplo, na obra de Aristóteles “Problemas musicais”, e que possuímos o texto em grego, não se entende na íntegra seus exemplos, porque a maioria deles fala de instrumentos que não possuímos hoje. Os modos de interpretação e formas de execução dos mesmos, inclusive quando fala do canto, são interpretados vagamente por nós no presente século. Aqui o problema se acentua porque não possuímos outros textos de apoio que nos expliquem precisamente o que está comentado nesta obra.
Esse nosso preâmbulo nos permite colocar a escrita musical num pedestal em que poucos tesouros podem estar mediante a facilidade de sua disseminação. Desde que a música ocidental principiou sua codificação com a notação do canto gregoriano, uma “escalada” ascendente firmou seus passos sem que houvesse um retrocesso, ela evoluiu mantendo o mesmo código musical. Desde a Idade Média, onde esses cantos litúrgicos transbordaram em uma infinita variedade monofônica, a música escrita ganhou força, transmutando-se e ganhando formas mais aprimoradas.
A Renascença que sucedeu a Idade Média já possuía uma escrita mais parecida com a atual, porém, mantendo a originalidade da escrita do canto gregoriano, entretanto, a tonalidade ainda não estava definida. Eram usados alguns modos em vez da tonalidade, os da antiguidade clássica grega.
Modos gregos, os mais usados na renascença foram o jónio e o eólio que se tornaram popularmente as escalas maiores e menores
Por tons e semitons:
• T - T - st - T - T - T - st: Jónio(Port.Europeu)
• T - st - T - T - T - st - T: Dórico
• st - T - T - T - st - T -T: Frígio
• T - T - T - st - T - T - st: Lídio
• T - T - st - T - T - st - T: Mixolidio
• T - st - T - T - st - T - T: Eólio
• st - T - T - st - T - T - T: Lócrio
No Barroco, o movimento posterior à Renascença, pisou firme no chão e com o temperamento da afinação proposto por Bach, finalmente coroou a tonalidade, na qual possibilitava que o compositor pudesse compor em qualquer tom. Estava instalada a era do “baixo contínuo”, onde o órgão, o cravo, o alaúde e outros instrumentos da época criavam uma harmonia improvisada que propiciava uma “liberdade”. Essa se apresentou como a face harmônica barroca, pois sendo livre na execução de cada intérprete fez com que essa coroasse o co-compositor, o músico que executa o baixo contínuo, alargando consequentemente o panteão dos grandes escritores desse estilo, inserindo os menores, os que participavam da recriação da harmonia. Contudo, foram esses os que fazem valer o período barroco e ainda o fazem nas atuais apresentações de música deste período.
A partir daí compositores que sucederam o barroco, como Haydn, Beethoven, Wagner, Liszt e outros tantos, puderam compor no tom que mais lhe agradassem, aproveitando imensamente o que Bach havia lhes outorgado como um dos maiores tesouros: “a tonalidade diversa”.
Compositores da segunda metade do século XVIII, como Haydn, por exemplo, e os da transição para o XIX, e finalmente o XIX, com Wagner, conseguiram com a ferramenta da tonalidade finalizada por Bach um esgotamento da arte da música, quando com Arnold Shönberg e seu “dodecafonismo” fez da tonalidade uma deliciosa salada de frutas. Essa tonalidade, talvez abolida, ficou imersa, misturada, onde várias tonalidades se encontravam numa mesma peça; talvez o seu fim ou talvez o princípio de uma liberdade rumo ao pós-modernismo, esse vale tudo, um tira e põe que nos faz divagar, questionar.
No entanto, as notas seguiram as mesmas e nosso tesouro mundial, cosmopolita estava preservado como está preservado hoje. É fato, que se diga, que mesmo nas composições até o dodecafonismo, onde inexiste a “armadura de clave”, que indica a tonalidade, o pentagrama (pauta musical), o código com suas notas sempre esteve muito bem preservado, guardando ainda a herança do gérmen da escrita gregoriana da idade média.
O tesouro musical é um baú onde abrimos e encontramos joias que entendemos seu uso, como braceletes, colares, anéis, taças e outros utensílios em ouro, prata e pedras preciosas. Não podemos dizer o mesmo de outros tesouros e outras fontes preservadas pelos califas que apesar de sua imensa intenção preservacionista, possivelmente, não manteve o seu conteúdo quando foram copiados e retornados às origens ocidentais.
O olhar aqui do nosso artigo se presta a chamar a atenção para um código, o musical, que apesar de não ter sofrido mudanças radicais não é visto com a importância que se deva no mundo da educação e formação humanas, no caso, o ponto de vista filosófico, o principal. O verdadeiro tesouro é aquele que não carrega mensagens “espúrias”, como ruídos nas traduções, por exemplo. O código musical, principalmente, está livre, de certo modo, desse problema, pois sua mensagem como um tesouro se reconhece em todos os seus elementos, como pérolas, pratas e ouro.
A imutabilidade do código musical através da sua história o faz ser possuidor de uma pureza de um diamante raro. Contudo, muitos o desprezam fazendo do ouvido o órgão sensível que apaga seu lindo mapa. As artes visuais, visíveis por natureza, como uma tautologia, se “solidarizam” com o mapa do tesouro, nosso código musical, uma pauta de cinco linhas, quatro espaços e linhas suplementares inferiores e superiores. A amizade e respeito para com o visível e o audível ainda possuirá as forças necessárias para se disseminarem através da educação. A conscientização dessa importância só se realizará quando enxergarmos o mapa do tesouro, não como um papel velho amassado, mas aquelas informações que Beethoven e Bach deixaram escritas nas partituras que foram descobertas recentemente para o suave deleite dos ouvidos que em sua maioria negam e desconhecem esse próprio tesouro, a partitura, o código musical.
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