Publicidade

RH

Tonalidade

O tom fundamental, langor na música, a fuga para o encontro do belo musical

O tom fundamental é aquele que refresca quando modulado voltando a si, criando um repouso para criar um novo desejo

Música  –  28/07/2019 19:59

8634

 

(Foto Ilustrativa)

A eficácia do tonalismo o torna compreensível a todas as camadas sociais, não por ser popular, mas por ser ontológico

 

> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", do músico (filósofo) Ricardo Yabrudi 

O tom fundamental está para a música como o desejo está para a vida. A tonalidade hoje nos meios eruditos não está mais presente. Alguns poucos compositores ainda se aventuram a compor nessa linguagem simples e natural. O neotonalismo, uma revivescência das composições tonais foi um movimento da segunda metade do século XX. Por que o tonalismo desapareceu? Ele é a resposta para a satisfação de um desejo. Baseamo-nos na obra de Schopenhauer, “O mundo como vontade e representação”, que relata uma curiosa e intrigante observação do autor, que afirma que após um longo percurso de seu pensamento atinou sobre a analogia entre a música e o desejo. Seu ponto de partida é o “Tom fundamental”. O ponto de início e repouso do desejo humano. Sua esplêndida abordagem nos remonta ao humano demasiado humano de que nos fala Nietzsche, por ser demasiadamente humana a música tonal, porque esta satisfaz um desejo, para novamente reaparecer um novo desejo, num perpétuo ciclo interminável que a própria vida sempre deseja. Schopenhauer encerra seus dias terrenos quando já o impressionismo de Debussy e Ravel já expunha o princípio de um pseudo-atonalismo.  

Ravel

Debussy 

Schoenberg, o grande avesso da ideia schopenhaueriana, deu o golpe de misericórdia assassinando a tonalidade, quando apenas uns poucos compositores a refutaram numa atitude tímida em algumas composições, como por exemplo, Villa-Lobos, nosso orgulho. Schopenhauer viveu o apanágio da música tonal e a compreendeu nas suas divagações filosóficas, o que ainda não se tinha notado até a publicação de sua ideia original. Desde a Renascença, passando pelo Barroco e o período Clássico, culminando no romantismo, os compositores não se deram conta de sua responsabilidade e “reverência” para com o tom fundamental. Se os compositores românticos tivessem escutado a voz desse filósofo, não se transformariam em autores atonais como muitos de transição, que viveram desde o romantismo até a época de Shöenberg. 

 

A civilização perdeu o rumo ao adotar o atonalismo ou perder e sacrificar o tom fundamental como início e fim das composições. Os ecos das palavras de Schopenhauer ainda estão não só no neotonalismo, entretanto, na música popular que não nos deixa órfãos da tonalidade. É neste sentido que nos preocupamos, quando nossos ouvidos, comuns na vida social e das mídias, escutam diariamente as composições tonais do dia a dia. Entender a ideia primordial do tom fundamental em Schopenhauer nos dará força e coragem para romper os grilhões que nos prendeu Shöenberg com o seu fatídico atonalismo. Schopenhauer só conheceu o classicismo de Mozart, Beethoven e o romantismo de Brahms. 

Mozart

Não poluído pela ausência do tom pode nos outorgar uma visão pura sobre este, do qual viveu e ouviu em sua plenitude. Compreender hoje o tonalismo é uma tarefa árdua, pois estamos corrompidos pela atonalidade escutada não só em concertos, mas nas composições musicais feitas para o cinema e outras mídias. O próprio jazz, como música e expressão intermediária entre o erudito e o popular, produz o “langor” que tanto o filósofo se preocupou como um prejuízo para o desejo não realizado. Theodor Adorno sempre criticou o jazz por ter corrompido os temas clássicos com improvisações efêmeras e atonais do belo classicismo beethoveniano. 

Se os sonhos são para Freud um desejo realizado, porque não sonhar com a volta da tonalidade, se o desejo realizado na arte da música é a volta ao tom fundamental nas composições? Saber e entender como a ideia e objetivo da tonalidade se expressa no mais íntimo do ser humano é aqui decupado com a sagacidade desse autor que nos privilegia com uma ideia ímpar como um tesouro encoberto. Descobri-lo na concepção de descerrar o véu que encobre essa verdade ontológica nos fará rever nossos conceitos de fuga do “tom” que Bach sempre respeitou, a ponto de que os finais barrocos acabam em uníssono quando os instrumentos da orquestra se encontravam, afastando o langor provocado pelas dissonâncias, contudo, acalmadas e resolvidas pelas consonâncias que afastavam o tédio, propiciando um novo desejo e recomeço de uma nova dança de uma suíte ou um novo movimento de uma sonata. 

A compreensão dessa ideia primordial de Schopenhauer ajudaria muito aos músicos que fazem apresentações solo, quando escolhem o repertório para seu recital ou concerto, pois via de regra inserirão peças atonais para não passarem ao público um repertório muito tradicional ou até “demodê”. O presente artigo ajuda a compreensão da “música necessária”, porque é esta, conjuntamente à ideia do tom fundamental, que garante nobreza e força para que o repertório a ser escolhido obedeça a critérios “tonais”. O tonalismo não é fora de moda, o atonalismo que é fora do tom provocando uma ansiedade típica do mundo moderno. Entretanto, muitas obras do tonalismo do século XX estão recheadas de dissonâncias bizarras, porém, sempre retornam ao tom fundamental. Nas obras violonísticas, encontraremos as obras dos espanhóis Frederico Moreno Torroba, Joaquim Rodrigo com seu Concerto de Aranjuez e um vasto repertório, Joaquim Turina, Carlos Pedrell, e outros tantos. 

Torroba

Joaquim Rodrigo - Fandango

Joaquim Rodrigo - Concerto de Aranjuez

No Brasil Villa-Lobos também seguiu muito esse conceito do tonalismo Schopenhaueriano, tratando sua obra violonística como tonal, e está, nos 5 Prelúdios, na sua Suite popular Brasileira com 5 peças, o Choro Típico também para piano, e sua Fantasia Concertante para violão e orquestra. 

Preludios 1, 2, 3 - Villa-Lobos

Vale salientar que as obras desses compositores, mesmo sendo tonais, o enredo ou o desenvolvimento das peças se passa por um discurso musical extremamente dissonante e que cria “sabores” atonais. As próprias “frases” que contêm essas obras, em seu bojo, nos direcionam a um desfecho atonal, contudo, os finais possuem resolução no tom fundamental não puro, mas com acordes finais dissonantes. O neotonalismo do século XX não gosta de ser visto com ares barrocos, onde as dissonâncias são necessárias para as consonâncias, contudo, esse tempero dissonante que ouvimos nos agradam porque a nossa música popular, como a bssa nova, por exemplo, se utilizou barbaramente desses acordes como um adorno que o próprio Adorno criticou. O jazz em seu paroxismo, desfigurou o tonalismo, recebeu críticas duras deste filósofo da Escola de Frankfurt. Os exageros nas dissonâncias afastaram este estilo pop do grande público, as massas, que consomem obras musicais mais puras e mais digeríveis. As dissonâncias, principalmente para o ouvido leigo, são como especiarias orientais com efeitos gustativos não tradicionais. Na música aludida por Schopenhauer esses temperos deverão ser suaves e comedidos, como ele os exemplifica em Beethoven.        

Todo este discurso provocará um novo pensamento e uma reflexão austera quanto ao tonalismo, que hoje, mesmo com a vanguarda rugindo com suas garras para destruir o tonalismo, encontra um “muro” de uma fortaleza medieval, e atrás dela um exército de leigos prontos com suas bestas para defendê-lo com sua pureza. O conhecimento básico musical do leigo é em principio modal como as composições da Idade Média, o que os fazem com portadores de ouvidos gregos da antiguidade, como se estivessem ouvindo o ditirambo das peças de Sófocles. A ignorância do leigo em desconhecer o atonalismo de Schoenberg não os fazem um ouvido não atual que compreende a vanguarda, desconhecem sabores exóticos, como as pimentas indianas. Desconhecer as sétimas aumentadas ou nonas ou décimas terceiras numa passagem musical poderão parecer estranhas em seus ouvidos como: Orelhas de Lebre ao Mel, do cardápio do “Il Bule”. É justamente a eficácia do tonalismo que o torna compreensível a todas as camadas sociais, não por ser popular, mas por ser “ontológico”. O tom fundamental é aquele que refresca quando modulado voltando a si, criando um repouso para criar um novo desejo. 

_______________________________________________________

Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

Seja o primeiro a comentar

×

×

×