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Arte da Essência do Ser Humano

Homenagem ao Pai da Música

Villa-Lobos foi educado pela sonoridade das composições de Bach; não poderia deixar de ser o nosso maior compositor brasileiro

Música  –  25/08/2019 21:22

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(Foto: Reprodução/Internet)

Villa valorizou todo o canto primitivo, o folclore, a tradição, a música popular, transmutando-a em uma linguagem universal erudita

 

> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", do músico (filósofo) Ricardo Yabrudi 

Existem muitos compositores brasileiros que compuseram tanto na área erudita como na semipopular e na popular. Essas três classes não significam uma hierarquia na arte da música, todavia, quando alguém escolhe ouvir uma delas, é porque se sente melhor, com mais conforto, para se deleitar na arte dos sons. Entenda-se conforto o que se entende por agradável, prazeroso. Não conseguir compreender uma obra musical, por ser demasiadamente difícil entender sua composição, com harmonias complexas e melodias inusitadas fora dos padrões, dos cânones, nos leva ao “tédio”, ao “langor”. Por isso, algumas pessoas com mais erudição preferem ouvir Villa-Lobos em detrimento de uma canção popular simples ou uma MPB fácil de ouvir.  

No caso da MPB excetuam-se alguns compositores, como Tom Jobim e outros também, que fogem aos padrões comuns, canônicos. Entenda-se aqui também erudição não como alguém que seja “culto”, mas apenas alguém que ouve uma composição mais elaborada, em que o ouvinte esteja mais preparado e apto para entender harmonias mais complexas e melodias mais sinuosas. Entretanto, se fatiarmos a música em três partes, pedaços, a música erudita, a semipopular e a popular, cada uma delas terá um progenitor, um “pai”. Na esfera da música erudita, Villa-Lobos poderia ser o pai da música no Brasil, respeitando as outras fatias musicais, como o semipopular e o popular. Contudo, Villa-Lobos sempre participou das outras duas esferas restantes da música ou fatias do bolo sonoro. Esse compositor também tocava choro (chorinho), tendo se envolvido em sua época com grandes compositores e mestre da música semipopular, ou semierudita (foi muito amigo de Ernesto Nazareth), um compositor semierudito.  

Nessa época tocava violão nos regionais, que são grupos que tocam choro. 

No vídeo acima, o próprio Villa-Lobos está executando uma composição de sua autoria, o “Choro nº 1”, escrito para violão e para piano. Vale a pena ressaltar que essa obra tem um alto grau de dificuldade em sua execução. Poderia ser classificada de semierudita, muito parecida com as obras de seu amigo Ernesto Nazareth, um compositor declaradamente semierudito. Como violoncelista, na época do cinema mudo, criava melodias e acompanhamentos de improviso para que esses servissem de fundo para as imagens desprovidas de som. Diga-se de passagem, que o choro pode ser considerado uma forma musical semierudita. Sendo assim, nosso melhor compositor, em minha opinião, navegou por todas as três fatias da música, pois tocava também a música popular, sendo grande ouvinte desse pedaço do bolo da música. Aliás, como ouvinte popular, uma de suas canções prediletas era “Ave Maria no morro”, de autoria de Herivelto Martins. No vídeo abaixo, a introdução inicia-se com o “Prelúdio em dó maior de Bach”, no qual Charles Gounod inseriu uma melodia posteriormente, conhecida hoje como “Ave Maria”, de Bach-Gounod.  

Traduziu também em uma linguagem erudita as “cirandas” populares para o piano (uma espécie de reelaboração erudita das canções populares e da tradição). É importante salientar que ao invés do desprezo pelas “fáceis” cantigas de roda, Villa supervalorizou esse material sonoro da tradição como um filho e lhe deu alma, o criou. Nunca desprezou seus filhos (qualquer som que ele pudesse adotar e “transformar”).  

Ele fez mais ou menos o que Bela Bartok, com sua tradição. Esse compositor húngaro, tal qual Villa-Lobos, percorreu regiões da Hungria e Romênia coletando músicas do folclore para usá-las em suas composições eruditas. O mesmo Villa-Lobos, tal qual Bartok, navegou pelos igarapés da Amazônia coletando os cantos indígenas, os quais foram largamente usados em suas obras. Até os pássaros imitou com sua obra, “O Uirapuru”. 

Fica claro que nosso Pai da Música, Villa, não só pertenceu às três fatias da música, mas uma quarta, a da esfera da música primitiva, a indígena, que as mídias não divulgam. Não podemos imaginar uma rádio pop anunciando: “e agora ouviremos um hit da tribo Xavante”. As classes de ouvintes de uma rádio popular poderiam achar risível uma obra indígena no seu “playlist”, entretanto, os meios eruditos se deleitam quando percebem o ethos e o canto indígena dentro de uma sinfonia villalobeana. 

Certamente, esse seria o pai da nossa música, o Pai da Música brasileira, porque valorizou todo o canto primitivo, o folclore, a tradição, a música popular, transmutando-a em uma linguagem universal erudita. Consequentemente, um mestre sempre foi discípulo de outro mestre, alguém que o tenha inspirado. Na filosofia, certamente Descartes se inspirou em Platão com seu mundo das ideias e Nietzsche com os pré-socráticos. Com Villa-Lobos não seria diferente. Seu respeito pela obra de Bach não é algo incomum. Até Theodor Adorno com sua predileção pela nova música, a serial e a dodecafônica, tinha o compositor alemão como um gênio. O mundo da música se espanta e reverencia Bach porque sua genialidade ultrapassa a normalidade. Não poderia ser diferente, esse seria uma espécie de pai universal da música. O respeito pela obra de Bach fez Villa Lobos compor, por exemplo, as “Bachianas”, uma série de composições com sabor das composições do músico barroco alemão. Ironicamente o vídeo abaixo é uma gravação da “Bachiana n° 5”, na Alemanha (o próprio compositor brasileiro sendo tocado nesse país, homenageando Bach, um alemão), uma homenagem da homenagem, são reverências que se trocam.  

A tia de Villa-Lobos tocava as composições para cravo de Bach quando ele era ainda um menino. O gosto pela harmonia e as melodias barrocas viriam influenciar diretamente as composições do compositor brasileiro. Homenagear Bach é mais do que uma obrigação, é conferir honra. Como disse Aristóteles, em sua obra “Ética a Nicômaco”, é mais virtuoso conferir honra que recebê-la. Nosso Pai da Música brasileira não podia esquecer-se de deixar um legado a nós e mostrar sua virtude, que ilumina um respeito por quem o inspirou desde a infância. Foi-nos deixado por Villa-Lobos uma série de cinco prelúdios para violão (instrumento que ele muito se dedicou), inclusive tocava as cinco obras. O de N°3 é uma “homenagem” ao pai universal da música, Johann Sebastian Bach. 

Como escritor dos nossos artigos da filosofia da música, do portal OLHO VIVO, sinto orgulho em tocar essa obra, que está no vídeo acima. Villa-Lobos nos ensina que só podemos possuir simpatia e empatia pela música se primeiro aprendermos com os grandes mestres. Foi assim durante toda a história da filosofia e da arte dos sons. Tocar essa obra seria como homenagear, toda vez que se toca e se ouve, o respeito para com nossos pais musicais, o primeiro, Villa-Lobos, o segundo, o homenageado, o pai universal, Bach. Essa é uma “dupla homenagem”. (A visão dessa homenagem poderá ser melhor entendida na segunda parte da obra). Essa cadeia de influências sempre se repetirá. Tocar será sempre melhor do que ouvir, contudo, na falta de habilidade em manusear um instrumento, ouvir será ainda um grande refúgio para o deleite e o respeito para com nossos homenageados.  

Somos todos filhos, por adoção, da música. Todos os nossos afetos estão presentes nas obras musicais. Schopenhauer sempre afirmou que a música é a própria vontade do homem, sendo sua essência, e não cópia do mundo como as outras artes. Mas isso só se torna verdade quando num “continuum” vamos trilhando o que nossos pais da música nos legaram. Saber, entender e confirmar nossa paternidade musical é essencial para sabermos o solo que pisamos. Nossas preferências, se possível, deveriam obedecer a essa hierarquia do gosto, “amar aos pais em primeiro lugar”. Essa paternidade, por adoção, e não por hereditariedade, deverá sempre prevalecer porque pai é quem cria e no caso de Villa-Lobos foi educado pela sonoridade das composições de Bach. Não poderia deixar de ser o nosso maior compositor brasileiro, afinal, “filho de peixe, peixinho é”. 

Essa é minha homenagem ao mês em que se comemora o Dia dos Pais. Feliz de quem tem um, mesmo que seja um pai da música. Nunca estaremos órfãos enquanto essa arte da essência do ser humano prevalecer em nossas vidas.  

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Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

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