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Fama

Toquem o berrante

O mais astuto é o que toca o berrante; faz aglutinar; o gado vem para o cocho lamber o sal

Música  –  16/06/2020 12:28

 

> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", do músico (e arquiteto) Ricardo Yabrudi 

No primeiro vídeo a Chacone de Bach é tocada. É uma peça solo para violino, executada numa estação de metrô por um músico famoso, mas não foi anunciado por ninguém. Ninguém o conhece. Só conhecemos o que querem que conheçamos. A multidão agitada passa e nem nota o solo barroco. Ninguém comparece para ouvir. São ouvidos não delicados. Ouvem apenas o chamado não musical. É uma excepcional performance, o músico toca como se estivesse numa sala de concerto, mas está apenas num endereço mais incomum para a música de Bach. Será? 

A música é servida na bandeja. É um coquetel. Música para todos os gostos. É a desprezada música de fundo para a agitada vida que corre no metrô. Mas até Orfeu enganou Cérbero, o cão que vigia as portas do Hades. Por que a música divina de Bach não encantaria os passantes e não faria encantá-los?

O músico não chamou a atenção dos apressados. A boa música não conquista os que têm pressa. Precisamos anunciar o concerto pela voz da mídia - é o que mostra o segundo vídeo na sua mais completa agitação do povo que quer aplaudir porque foi anunciado. O berrante toca! Nietzsche proclama: “O homem é um animal de rebanho”. A grande mídia, aquela que rejeitou o filósofo, em sua época, astutamente, aprendeu com suas marteladas, as veredas para o encantamento. Pensou. Vamos tocar o berrante para que todos ouçam a nossa música. Inventaram cartazes. Anunciaram o espetáculo. O som do berrante dizia: venham todos ouvir o nosso maior talento, ele tem a fama. O importante é escutar quem tem fama, currículo. Os títulos são medalhas de guerra.

A luta pela opinião individual causa grandes inimizades. Que o diga Nietzsche, que achincalhou Sócrates com o seu idealismo. Contudo, quem porta o berrante é amigo do gado. É só tocar que todos vêm aplaudir o que rejeitaram. “O homem é um ser gregário”. Se o encantador de serpentes vem à praça, aí se ajuntam os curiosos. As pombas se ajuntam para procurar o milho do solitário. As serpentes são astutas, porém não picam o encantador. O mais astuto é o que toca o berrante; o que faz aglutinar, como o encantador de serpentes. O gado vem para o cocho lamber o sal... “Não se devem jogar pérolas aos porcos, eles podem pisar nelas”... O sal é suficiente para aumentar a pressão arterial... 

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Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

1 Comentário

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  • Alexandre Batista

    Muito bom.