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A música não pertence a este mundo, por isso é tão mal compreendida
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O sentimento se alia de certa forma à “vontade”; que é esse termo encontrado na obra de Schopenhauer, “O mundo como vontade e representação”. É na sua teoria o que move o mundo. Este mundo é constituído pelos fenômenos que são os acontecimentos, conhecidos por nós através de representações. “O mundo é uma representação para o homem”. Para esse filósofo, a música não é uma mera representação, mas é a própria vontade, ao contrário das outras artes, que são apenas representações da realidade. Essas reflexões filosóficas mexem com nosso espírito, contudo, dizem verdades sobre essa arte separada de todas as outras. Se o filósofo diz que a música é a vitória do sentimento sobre o conhecimento, também sabemos por ele que o conhecimento é aquele que advém das representações. É bom nos situarmos que a coisa-em-si, que tanto nos falou Kant, é o que mais tarde Schopenhauer chamou de vontade.
A música não pertence a este mundo, por isso é tão mal compreendida. Para que se atinja o gosto mais complexo é necessário que não haja preconceito, mas deixar a vontade liberta. Nas artes visuais, se não conhecemos ou não obtemos alguma representação cognoscível, desprezamos a obra porque não é reconhecida pelo conhecimento; o conhecimento não irá querer conhecê-la. A música, que é ouvida pelas pessoas de bom gosto, é imediatamente reconhecida porque é a própria vontade oculta. Nesta situação, o véu de “Maya”, nos alerta Schopenhauer dizendo que é o manto que encobre a realidade da coisa-em-si; ele é retirado. Em seu desvelamento pela música, a retirada desse véu, da coisa-em-si, revela a pura vontade humana de estar num lugar onde nenhuma pode ser revelada, porque a música é sentimento, enquanto as outras são obtidas pelo conhecimento.
A música é puro sentimento, uma vitória sobre as outras artes que só podem ser vislumbradas através de uma representação. Como é bom mergulhar no “noumenom”. Essa foi a palavra que Kant usou para dizer o que não pode ser conhecido, que é a coisa-em-si, pois é a essência das coisas que a ciência tenta alcançar, todavia, nunca chegará à sua completa compreensão. Contudo, a música alcança o que a ciência não alcança. O véu de “Maya” encobre a essência do mundo e só deixa transparecer a realidade fenomênica que é a própria realidade. A música se casa vestindo esse véu, pois o retira e o coloca na cabeça como mantilha; casa-se com a coisa-em-si, pois ela agora está nua, descoberta e apta a procriar. Suas núpcias se concretizam num paraíso nunca visitado pela escultura ou pintura. Desse casamento que habita o atemporal, três moiras cantam o passado, o presente e o futuro, contidos no espaço, no tempo e na causalidade. A música é a única arte que fecundou o “noumenon” dando origem à sua prole: as sinfonias, as sonatas, as suítes e toda a música do universo.