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Um Verdadeiro Duelo

O corpo canta

Por que não usar o todo, o evitado resto humano e não só a língua, a boca e as cordas vocais como um privilégio da erudição?

Música  –  05/09/2021 10:36

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(Foto Ilustrativa)

O que fazer com o corpo inteiro que reclama estar fora da música? Nossos membros são melhores que partes intestinais mortas de porcos que se tornaram cordas um dia...

 

> Confira todas as colunas "Descobrindo a Música", do músico (e arquiteto) Ricardo Yabrudi 

O corpo todo está contra a pretensiosa língua - um verdadeiro duelo! É Golias contra Davi e não Davi contra Golias. O corpo é Golias que quer vencer também um dia e mudar a história.

A língua foi eleita, juntamente com seu amigo, o aparelho fonador, a expressão máxima da arte musical. É uma afronta e desprezo às mãos que afagam e abraçam no amor, e na linguagem surda, mímica que também fala por gestos e batucam o corpo como o ritmo do pulsar do coração!

A música divina deverá ser cantada pelas musas - assim, os gregos nos impuseram sua música vocal, dramatúrgica e teatral. Corajosos cantam pala barriga e pelo corpo inteiro. A vida é feita das ações dos membros que trabalham e constroem. Escusos a todos, são escondidos por um opróbrio que a arte bem comportada e racional impõe e que é expressa pela língua que tagarela o raciocínio filosófico quando canta a história e os rumores de sua época.

Somos um público polido. Hoje, ainda pagamos altos preços nos bilhetes em Bayreuth. Lá, nesta cidade alemã, existe uma fila prévia para a compra com muita antecedência de ingressos para as óperas de Richard Wagner. Lá, os cantores estão acompanhados de orquestra, de cenário, iluminação e conforto nas poltronas. Os violinos que melodiam são apenas uma extensão do corpo, como as violas e os violoncelos. A voz que comanda o espetáculo triunfa rompante e bela, na voz das sopranos e dos tenores: os protagonistas dessa grande música.

Contudo, o corpo está esquecido de seus sons interiores porque são fisiológicos. O grotesco está apartado. Os passos na madeira do palco devem ser suaves para não impedir e sufocar a música pura com qualquer vulgar ruído espúrio, maldito. O polido vence, é o educado que desponta. Ele derrota o escatológico. Tudo é sujo no corpo, com os olhos da grande música, menos a língua e suas íntimas amigas, as cordas vocais. Essas são as cordas permitidas pela natureza humana comportada da arte que só permite a voz como expressão primordial musical nobre. No entanto, o acordoamento da orquestra de cordas, outrora, foi feito de tripas de porco.

Oh! Tripa de porco?

Então os violinos tocavam as cantatas de Bach pelo som friccionado por um arco feito de crina de equinos e uma tripa de porco enrolada? Sim, que notícia! O escatológico foi revelado. Partes intestinais do porco é o corpo animal que faz tocar a nobre música - a bela música não vocal das sonatas. Por que sempre a voz deverá prevalecer sobre os instrumentos não vocais e todo o corpo? Os membros humanos protestam, e dizem que são os esquecidos das audições. Por que não usar o todo, o evitado resto humano e não só a língua, a boca e as cordas vocais como um privilégio da erudição? O que fazer com o corpo inteiro que reclama estar fora da música? Nossos membros são melhores que partes intestinais mortas de porcos que se tornaram cordas um dia...

 

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Por Ricardo Yabrudi  –  yabrudisom@hotmail.com

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