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Estamos num bar ouvindo alguém cantando e se acompanhando com um violão. De onde veio essa onda, essa moda, um costume onde um cantor declama musicalmente uma poesia falando: de vida, de amor, de brigas, de ciúmes? Ele canta mazelas, tristezas, seus amores, outros amores, a felicidade triunfante dessa vida.
No século VII A.C., na Grécia, Arquíloco tratou de conectar a poesia com a música. Neste período surgiram os antigos cantores, os “aedos” e rapsodos, acompanhando-se da lira e da cítara.
(Foto: Reprodução/Internet)
A diferença entre eles era: O “aedo” compunha e cantava suas próprias canções; o rapsodo cantava canções de outros compositores. Seria hoje nosso cantor de bar (uma “cover” dos “aedos”). A música com seus compositores e intérpretes avançou. Os cantores enquanto solistas ou em coros gregos no teatro no século V A.C., em diante, eram acompanhados das liras, das cítaras. Na Idade Média seguiram-se os trovadores e os menestréis com seus alaúdes (cantadores errantes que migravam de cidades em cidades cantando lendas e histórias).
Na Renascença dos séculos XV, XVI e XVII floresceu o alaúde acompanhando a voz. Hoje vivemos na performance da fácil e mimética música que ouvimos nos bares, nas festas de família, nas praças, nos acampamentos, nos luaus, até mesmo nas igrejas, o violão acompanhando a voz humana. De onde veio esse costume instaurado através do tempo desde a Grécia antiga até nossos dias?
Foi na Renascença que surgiu definitivamente esse modo portátil de fazer música. O violão, como o conhecemos hoje, não existia na Renascença, pois possuía apenas uma versão mais simplificada com quatro “ordens” (cordas duplas). No entanto, o alaúde com uma sonoridade mais aveludada e com muito mais cordas despontou como o acompanhamento unânime da voz. Surgiu então uma avalanche de compositores que compuseram milhares de obras para essa dupla consagrada: o alaúde e a voz.
De lá para cá, a voz permaneceu. Todavia, o alaúde desapareceu, deixando seu legado para o violão. Contudo, é importante nunca esquecer que esse instrumento de muitas cordas, o alaúde, será sempre lembrado, pois é o patriarca do acompanhamento. O “lute song” (canção para alaúde e voz) é a gênese de toda a música pop.
A versão moderna do “lute song” é o violão e a voz tocados juntos da mesma forma que no passado. É uma música trovadoresca, simples - qualquer um é capaz de repeti-la sem muito esforço. Esse duo, entre um instrumento e a voz humana, num ato singelo, desde a Grécia de Homero, passando pela Idade Média, culminado na Renascença até nossos dias, nunca foi modificado em sua estrutura.
Hoje o violão vê na sua genealogia o importante papel histórico que deve manter. Todavia, muito se perdeu em termos de composição. Entretanto, o resgate de uma perfeição renascentista não é impossível. Nunca se deve esquecer o passado, mas sempre revivê-lo, estudá-lo para que ele seja a semente de novos frutos musicais. Nele se encontram as mais inusitadas e belas ideias musicais. Muitos a encontraram com muito estudo, revivendo a história. Também, muitos desses músicos, como aedos contemporâneos a encontraram por um instinto sensível apenas explicado e externado nas suas incríveis composições, com “Paciência”, em uma suma raridade, se encontrando com a vida tão rara, aquela que Nietzsche pregou em “Além do bem e do mal”: “... as grandes coisas ficam para os grandes, os abismos para os profundos, as delicadezas e arrepios para os sutis e, de modo geral e para resumir, tudo que é raro para os raros...”