(Foto: Divulgação)
“Só conseguirei viver em paz comigo mesmo quando tomar consciência de quem sou. Assim, viverei em paz com o mundo ao meu redor”.
André Cruz é o 135º convidado na série de entrevistas “Opinando e Transformando”. Objetivo é formar um mosaico com o que cada um pensa desse universo multifacetado. Uma oportunidade para os internautas conhecerem um pouco mais sobre os profissionais que, de alguma forma, vivem para a arte/cultura.
> Nome: André Cruz
> Breve biografia: Psicanalista e estudante de filosofia, além de aventurar em outras áreas também. (Clique aqui para saber mais sobre André Cruz e conhecer a coluna “Psicanálise”)
Confira a entrevista com André Cruz
> Em sua opinião, o que é cultura de paz?
A cultura de paz é a tarefa humana em prol da sobrevivência. Acredito que não haveria algo melhor para descrevê-la. Todos os tipos de sentimentos e emoções são humanos, naturais, como o amor, ódio, alegria, tristeza... Somos elementos de um mundo em constante mudança, fazemos parte dessa mudança, nós somos essa mudança. Nossas ações têm efeitos no mundo e as consequências repercutem em nós também. Portanto, quando falamos sobre cultura de paz, estamos falando do cultivo da paz. Não é por acaso que a palavra “cultura” vem do latim “colere”, que engloba significados como “cultivar, colher, cuidar”. Assim, podemos estabelecer uma relação entre esses três significados: o processo de criação começa com o “plantio”, daí a expressão “plantar o bem” - que se encaixa perfeitamente na ideia de cultura de paz. Portanto, é necessário cuidar durante o crescimento para que possamos colher algo saudável.
> Como podemos difundir de forma coerente a paz neste vasto campo de transformação mental, intelectual e filosófica?
Primeiramente, é importante se conhecer para definir o próprio papel no mundo, na sociedade e o sentido que se dá à vida, seja por motivos pessoais, ideológicos, religiosos, entre outros. Isso faz parte da sociedade e da cultura. Não é necessário ser adepto da crença hindu para saber que existem seguidores dessa religião. Existe uma cultura milenar que existia antes mesmo de nossa existência. Nossa percepção de mundo se limita ao que experimentamos ao longo da vida. Como dizia Sócrates: “Conhece-te a ti mesmo”. Não se trata de saber exatamente quem somos por completo, mas sim de um processo contínuo de autoconhecimento. Somos seres mutáveis, interagindo uns com os outros com base no repertório cognitivo que desenvolvemos. Somos limitados pelas nossas percepções e sensações do mundo. Só conseguirei viver em paz comigo mesmo quando tomar consciência de quem sou. Assim, viverei em paz com o mundo ao meu redor. Não é preciso ser cristão para entender a filosofia por trás da frase “amar ao próximo como a si mesmo”. É um requisito básico de convivência, onde cada um oferece o que tem. Portanto, se não buscar meu próprio autoconhecimento para amar a mim mesmo, não conseguirei amar nada nem ninguém ao meu redor.
> Como você descreve a cultura de paz e sua influência ao longo da formação da sociedade brasileira/humanidade?
Estamos falando de indivíduos com suas subjetividades em uma cultura e sociedade que apresentam diversidade e pluralidade cultural. Agora, focamos na ideia de cultura de paz de forma mais globalizada. É importante considerar que o Brasil abriga diversos povos com diferentes culturas, o que é parte da realidade política do país. Essa diversidade pode levar a conflitos culturais, mas não a confrontos culturais, pois há uma diferença significativa entre eles. O conflito surge da diversidade, enquanto o confronto é a imposição de uma cultura sobre as outras. Podemos utilizá-los como ferramentas para explorar conhecimento ou podemos cair na famosa discussão contraprodutiva sobre o conceito de “verdade”, que reduz as possibilidades a apenas duas opções:
1 - Acreditar que a verdade é única, independentemente das consequências, e tendenciosamente o sujeito considera sempre a sua verdade como correta, como diria Sartre: “o inferno são os outros”.
2 - Adotar o famoso sofisma de que a verdade é subjetiva, o que pode levar a um pensamento preguiçoso e à aceitação passiva de que cada um tem sua própria “verdade”, levando ao isolamento e à falta de compreensão do mundo em que vivemos. É importante reconhecer que fazemos parte de uma sociedade e de uma cultura. Apoiar-se na ideia de que “cada um tem sua opinião” é um retrocesso antropológico. Dessa forma, não construímos política, não discutimos pautas sociais e não há participação efetiva no meio em que vivemos.
> A cultura e a educação libertam ou aprisionam os indivíduos?
Podemos dizer que uma influencia a outra, estabelecendo um equilíbrio. O sujeito inserido em uma cultura tende a agir de acordo com seu meio, incorporando hábitos culturais, como trabalho e crenças. Isso contribui para a formação do senso comum, que é uma concepção geral compartilhada por um grupo de pessoas. A educação, por sua vez, valida esse senso comum, que, por sinal, pode ser uma ferramenta de perpetuação das desigualdades sociais. A educação muitas vezes é elitizada. Se retornarmos à Grécia Antiga, onde discutia-se a formação do cidadão ideal, conhecido como “paideia”, que designava o homem grego conhecedor dos valores éticos, morais e da constituição, a educação sempre teve um papel político. A política sofre influência cultural, principalmente da religião, e no Brasil isso não é diferente. Hoje em dia, a educação, como resultado histórico, tornou-se seletiva. Existem discussões sobre as consequências econômicas de certos governos, assim como teorias conspiratórias de que os líderes políticos não têm interesse em uma população bem informada. Os argumentos são variados, mas não podemos ignorar o fato de que a educação não está acessível a todos. Curiosamente, quando traçamos um paralelo com a colonização do Brasil e a escravidão, chegamos ao tema das pautas de inclusão social, como os direitos dos negros, LGBTQIAP+, deficientes e até mesmo das mulheres. Vale ressaltar que as mulheres conquistaram o direito ao voto há menos de um século e tivemos uma liderança feminina na política apenas há menos de uma década. Assim, a educação se torna uma ferramenta política. A cultura molda o sujeito dentro de um determinado contexto, enquanto a educação pode libertar das crenças limitantes. Isso explica a existência de pessoas que ainda acreditam que a combinação de manga e leite faz mal, mesmo que não haja fundamentação científica para tal crença.
> Comente sobre o espaço digital, destacando sua importância na difusão do despertar da humanidade.
Esta entrevista é um resultado da internet, um fruto construtivo possibilitado pela sua criação. Assim como a roda foi criada pelo homem, não com o intuito de eliminar o trabalho, mas sim de facilitá-lo e agilizar o tempo, o espaço digital opera de maneira semelhante. Temos criadores de conteúdo que são muito requisitados pelos jovens, e muitas vezes esses criadores de conteúdo estabelecem um diálogo muito mais próximo com os jovens do que a própria escola. No entanto, observamos por parte dos mais velhos uma resistência em aceitar o novo, como bem dizia Belchior: “é você que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem”. As mídias sociais são ferramentas que oferecem informações, nem sempre verdadeiras, o que também é resultado da falta de investimento em educação. O sujeito irá conceber tudo o que vê na internet de acordo com sua própria realidade. Portanto, se alguém pertence a uma classe social mais baixa e segue diversos criadores de conteúdo e celebridades, é evidente que aquilo não faz parte de sua própria realidade. A luta pessoal dessas pessoas não é a mesma luta que a sua. É nesse momento que retornamos ao princípio do que foi dito aqui sobre conhecer a si mesmo e estar ciente de nossas próprias limitações, para que isso não gere frustração por comparação, resultando em inveja, distorção da autoimagem, depressão e ansiedade...
> Qual mensagem você deixa para a humanidade?
Conhecer a si mesmo e ter consciência de si mesmo devem ser prioridades antes de qualquer outra coisa. Cada um de nós tem uma visão de mundo única, nossas percepções e sensações são individuais. Portanto, é justo que nos dediquemos a nos conhecer, entender o que gerou nossos próprios hábitos e compreender por que pensamos e sentimos como o fazemos atualmente. É importante termos consciência de que todos temos limitações, embora nem sempre seja possível identificá-las com clareza, pois só podemos partir de pressupostos baseados no que já conhecemos. No entanto, o simples fato de estarmos cientes de nós mesmos já é um grande passo para viver em paz conosco e cultivar essa paz.
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