Publicada em: 25/11/2015 (18:49:19)
Atualizada em: 30/11/2015 (09:31:28)
(Fotos: Divulgação)
Reuniões sobre os 12 passos acontecem diariamente no centro de tratamento, em Pinda (SP)
"Minha vida dá um filme. Um filme de terror com um final feliz". Se alguém tem o direito de refletir dessa maneira, sem a falsa modéstia, é um ex-dependente químico. Nesse caso, o protagonista é Adriano (nome fictício), 34 anos. Onde ele foi parar com o uso de drogas? No fundo do poço. Na margem da sociedade. Na fronteira da loucura. Na fuga da realidade. Do roteiro macabro à felicidade de não usar droga só o dia de hoje. Morador de Volta Redonda, Adriano convidou a coluna Visão Crítica para acompanhá-lo numa visita ao Vale Sereno, um centro de recuperação de dependentes químicos, na cidade paulista de Pindamonhangaba. Ele ficou internado lá por quase dez meses.
- Visitar a clínica faz parte do meu tratamento - define.
Adriano usou compulsivamente drogas e álcool por 17 anos e hoje está “limpo” (termo usado para identificar o tempo abstêmio) há três anos e se orgulha disso:
- Minha vida é um milagre diário - conta ele, olhando para o horizonte a caminho da cidade do interior paulista.
Para continuar em recuperação, evitando recaídas, ele frequenta reunião de grupos de mútua-ajuda, faz terapia semanal com uma psicóloga e vive um dia de cada vez.
Mas por que não se identificar aos leitores da coluna? Você tem vergonha do seu passado ou medo do preconceito?
- Vergonha, não! Faço parte de uma irmandade que sugere o anonimato, utiliza os 12 passos e tem como lema viver “só por hoje”, um dia de cada vez. Eu posso levar a mensagem de vitória, sem necessariamente identificar o nome do vitorioso. Isso ajuda a salvar outras vidas. Porém, ainda há muito preconceito. As pessoas não sabem que o uso compulsivo e obsessivo de drogas e álcool é uma doença, que atinge o físico, o mental e o espiritual. Acham que é vagabundagem. Somos “alérgicos” às drogas da mesma maneira que o diabético é ao açúcar. E, se é uma doença, tem que ser tratado como tal. Os dependentes precisam de ajuda e não de julgamento - explica Adriano.
Último dia de uso
Especialistas recomendam: Lembrar-se do último dia de uso ajuda a se recuperar da dependência. Motivo? Para não esquecer quão ruim era a ativa (termo usado para identificar o período do uso). Adriano adota essa prática e contou com riqueza de detalhes impressionante.
- Hoje comemoro mais a minha data de tempo limpo do que o próprio aniversário - conta.
A história tenebrosa e solitária do último dia de ativa, por milagre, foi interrompida graças à sua família. Adriano foi levado à força para o centro de tratamento. Resgatado por tentar buscar a solução em si mesmo, os quatro meses de Adriano não foram fáceis.
- Eu não aceitava o tratamento. Queria parar de sofrer, mas não parar de usar. Foi um momento de muita reflexão sobre a minha vida. Até que tive um despertar espiritual e comecei a levar a sério meu tratamento. O que estava em jogo era minha vida. Pela primeira vez estava me sentindo livre, mesmo estando dentro de um centro de tratamento - desabafa Adriano, com lágrimas nos olhos.
Segredo: mudança de comportamento
> Positivo: Pacientes trocam experiências
Ao chegar à Pinda, como a cidade é conhecida carinhosamente, a Visão Crítica foi recebida pelo terapeuta Francis Iori, 34 anos, que nos levou ao centro de tratamento. Simpático, alto e com forte sotaque do interior paulista, o terapeuta explicou que, no dia da visita, estava acontecendo um estudo de passos na clínica. Ex-dependentes compartilhavam suas experiências com os pacientes. O evento era para comemorar o quinto aniversário do local.
- Não adianta só parar de usar, tem que haver uma mudança de vida, de comportamento. Tratar a raiz do problema. Os 12 passos nos prometem apenas três coisas: parar de usar drogas, perder o desejo de usar e ter uma nova maneira de viver. Para isso, o paciente precisa utilizar três princípios básicos: honestidade, mente aberta e boa vontade - explica o terapeuta, que acompanhou todo tratamento de Adriano.
Da dor ao amor
O desconforto dos muros altos, câmeras e portão de ferro foi quebrado pelo amor que a coluna Visão Crítica foi recebida pela equipe do centro de tratamento e pelos próprios pacientes em recuperação.
Visivelmente emocionado, Ronaldo Cardoso, dono do Vale Sereno, deu um forte abraço em Adriano e sussurrou poucas palavras em seu ouvido, dando em seguida um beijo no rosto do ex-paciente.
- Aqui salvou minha vida, respondeu Adriano ao dono da clínica.
- Quando abri o Vale Sereno, há cinco anos, estaria muito feliz se eu ajudasse a salvar uma vida. Mas já passaram aqui mais de 500 pacientes de todo o país - respondeu Ronaldo à Visão Crítica, sem esconder a satisfação no sorriso.
Disciplina é liberdade
> Centro de tratamento oferece área de lazer
Quando se entra pela primeira vez num centro de recuperação, o que chama atenção é a disciplina. Tem horário pra tudo: acordar, estudar, alimentar, lazer e dormir.
- Tudo é terapêutico. O comportamento dos pacientes é observado o tempo todo pela equipe e pelos outros internos. Depois são oferecidas ajudas, em cima dos princípios dos 12 passos, para melhorar o comportamento dos pacientes. Aqui é um treinamento para saber lidar com os problemas lá de fora e não precisar anestesiar a dor com as drogas - detalha Ronaldo.
O centro oferece atendimentos psicológicos e psiquiátricos, além de quatro reuniões diárias no método dos 12 passos. E mais: são cinco refeições (controladas por nutricionista) e uma ampla área de lazer. O contato dos pacientes com os familiares acontecem a cada 15 dias por telefone e uma visita presencial por mês. Toda evolução no tratamento é repassada pelos terapeutas aos familiares do paciente.
- Há uma disciplina na clínica para termos liberdade de escolha lá fora. E eu estou fazendo a escolha certa diariamente. Existe, sim, vida após o uso de drogas. Só por hoje - finaliza Adriano, terminando a visita com uma oração pedindo serenidade, coragem e sabedoria.