(Fotos: André Aquino)
Mudança: Jovem casal Cris Oliveira e Karen Jennifer queria morrer; agora, ajuda a salvar vidas
Quem vê hoje o jovem casal Cris Oliveira, 28 anos, e Karen Jennifer, 22, não imagina o poder de superação do ser humano, por mais difícil que o caminho pareça. Os dois foram dependentes químicos e conseguiram vencer os seus vícios. Depressivo, viciado em remédios e álcool, Cris diz, com orgulho, que está recuperado há oito anos. E o sorriso de felicidade em seu rosto prova isso.
- Hoje a minha vida é maravilhosa - resume ele.
Quando tinha 19 anos, Cris sobreviveu à queda do sexto andar de seu apartamento.
- Foi um milagre. Não queria viver, me joguei da janela do meu apartamento. Quebrei baço, perdi o rim esquerdo e tive fratura em todo o corpo. Fiquei no hospital por um tempo - conta.
- Mesmo assim, um mês após a tentativa de suicídio, voltei ao uso de drogas - completa.
A história de Karen Jennifer não foge do roteiro da vida de seu marido:
- Eu queria me matar usando drogas. Comecei com maconha e logo fui pra cocaína. A minha degradação foi quando me viciei no crack aos 17 anos. Roubei tudo que tinha em casa e dos meus vizinhos para sustentar meu vício. Ficava mais na rua do que em casa.
Ela está limpa (tempo abstêmio das drogas) há cinco anos e sete meses, depois de uma internação judicial.
O encontro dos dois aconteceu de uma forma inusitada. O casal foi internado na mesma instituição de recuperação de dependentes químicos: o Projeto Desafio Jovem, na cidade mineira de Pouso Alto - a 135 quilômetros de Volta Redonda.
Hoje, Cris e Karen ocupam o cargo de coordenadores do projeto que atende mais de 80 dependentes químicos buscando a recuperação e uma nova maneira de viver. Quem queria morrer, hoje ajuda a salvar vidas. Entre elas, está a do adolescente de 16 anos de Volta Redonda.
- Estou aqui há um ano. Gosto muito daqui, aprendo todos os dias - relata.
O pai do menino, que preferiu o anonimato, diz que não havia outra solução, a não ser buscar ajuda com o Desafio Jovem.
- Estava insustentável a situação. Todos da família estavam sofrendo - conta o pai, que trabalha como metalúrgicos há 30 anos na CSN.
- Eu não conseguia render no meu trabalho nem 30% da minha capacidade profissional por causa do uso de drogas do meu filho.
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Sindicato e empresas firmam parceria
Parceria: Sindicato dos Metalúrgicos do Sul Fluminense firmou convênio com clínica de Pouso Alto
Sensibilizado com a história do filho do metalúrgico, o presidente do sindicato da categoria, Silvio Campos, reuniu representantes de empresas do setor metalúrgicos para firmar uma parceria com o projeto de Pouso Alto, para que os metalúrgicos e filho deles recebam tratamento adequado para vencer a dependência.
- Sabemos que é uma doença e que precisa de tratamento adequado. Estamos constatando um número elevado de metalúrgicos e filho deles na dependência química. Isso reflete diretamente no bem estar dos nossos trabalhadores e no desempenho profissional deles - afirma o sindicalista.
Na semana passada, uma equipe do Sindicato dos Metalúrgicos, representantes do Metalsul (sindicato patronal) e da MAN Latin América visitaram as instalações do projeto na cidade mineira.
- Gostei muito do trabalho do projeto. A instituição é séria no tratamento dos dependentes químicos - diz a representante do Metalsul, Corina Santos.
O sindicato patronal representa mais de 130 empresas do setor metalúrgico e com quase 50 mil trabalhadores.
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Índice de recuperação chega a 70%
Embora o projeto Desafio Jovem tenha ligação com a igreja evangélica, o diretor-geral da instituição de Pouso Alto, Luiz Fernando Santos, recebe pacientes de todas as crenças e religiões.
- Nosso objetivo principal é na recuperação dos dependentes químicos com os princípios de Deus. Ninguém é obrigado a se tornar evangélico. Queremos tratar a raiz do problema que faz a pessoa usar subsistências químicas. É mudança de vida.
Segundo ele, o índice de recuperação chega a 70% dos internos do projeto.
- Já conseguimos atender mais de 1,1 mil dependentes químicos - enfatiza.
Dados do Ministério da Saúde mostram que, no Brasil, em torno de 18 milhões de pessoas sofrem com algum tipo de dependência química.
Primeiro passo é querer parar, afirma especialista
"O tratamento da doença da dependência é simples, desde que o paciente já tenha se conscientizado de sua doença e realmente esteja disposto a entrar em recuperação". A afirmação é do médico psiquiatra Antônio Carlos Cardoso, da UFF (Universidade Federal Fluminense), especialista em dependência química.
- No entanto, tratamento simples não quer dizer fácil, e se o paciente não está disposto a enfrentar o tratamento de frente não conseguirá a recuperação - frisa.
- O tratamento é impossível quando o paciente não está ainda realmente convicto da necessidade de se tratar. Por maior que seja a boa vontade de familiares e amigos, ninguém pode ajudar o paciente independente do desejo real - afirma.
De acordo com ele, os primeiros dias sem a droga são difíceis, pois o corpo e a mente do dependente exigem a substância. Os sintomas de abstinência real, física, têm curta duração: de cinco a dez dias, o corpo já esqueceu da droga.
- Qualquer sintoma de abstinência depois do décimo dia de abstinência total é de natureza psicológica ou sintomas de algum distúrbio físico ou mental desenvolvido durante o uso da droga e não percebido durante a ativa (período enquanto paciente usava).
Viver um dia de cada vez
"Só por hoje" é o lema de grupos mútua ajuda que utilizam os 12 passos para a recuperação de dependentes químicos e alcoólicos. Em Volta Redonda, esse método é usado há mais de 40 anos e existem 25 salas de reuniões dessas irmandades.
Os 12 passos, de origem nos Estados Unidos há 80 anos, tem recomendação por religiosos e profissionais de saúde.
- A ideia do "só por hoje" é viver um dia de cada vez. Assim, alivia a carga do passado, com o sentimento de culpa, e o medo do futuro, nos restando apenas o dia de hoje. Só por hoje não uso drogas e nem bebo - explica um integrante da irmandade, que preferiu o anonimato.
- O programa é espiritual e não religioso. Para respeitar a crença de cada um, os integrantes utilizam o termo de Poder Superior, ao invés da palavra Deus. Durante as reuniões, compartilham suas experiências de vida. A identificação entre os integrantes é impressionante. E mais: tudo que é dito na sala fica na sala, com o anonimato total dos integrantes.
Um que frequenta essas reuniões é M.G., 44 anos. Ele afirmou que os 12 passos mudaram a sua vida.
- Fui internando duas vezes e quando saí da última internação comecei a frequentar as reuniões e não voltei a usar drogas e beber. Minha vida mudou radicalmente para melhor - afirma ele, que está limpo há 24 anos.
Hoje, M.G. trabalha com aqueles que buscam recuperação no CAPS-AD e numa clínica de recuperação dependência química em Arrozal, distrito de Piraí.
Dar o que recebeu de graça
(Foto: Arquivo Pessoal)
Trabalho voluntário: Ricardo Cunha, exemplo de determinação e superação ajudando quem precisa
A vida de Ricardo Cunha, 48 anos, é um exemplo de determinação e superação. Venceu a dependência química, por meio dos 12º passos, superou um atropelamento de trem no qual o deixou em uma cadeira de rodas e, mesmo com a dificuldade física, faz um trabalho de prevenção contra o uso de drogas.
O trabalho dele é voluntário e a intenção é simples: dar o que recebeu de graça. Ele ministra palestra, conta a sua história, dá apoio aos familiares de dependentes químicos. Vai onde chamam por ele, desde igrejas a universidades.
- A droga transforma as pessoas no que elas não são. Qualquer dependente químico pode parar de usar. Já vi acontecer verdadeiros milagres - diz Ricardo.
E ele tem razão: sua própria vida é um milagre.
> André Aquino é jornalista